Filosofia só para maiores

Ascot Elite
Ascot Elite

O diretor dinamarquês Lars Von Trier tem um talento que vai além do trabalho comum realizado pelos seus colegas – que é o de “apenas” dirigir filmes. Ele tem uma necessidade, quase uma obsessão em falar demais e causar polêmica. Principalmente, quando decide fazer declarações públicas. Em maio de 2011, foi banido do Festival Cannes ao afirmar que se simpatizava com o líder nazista Adolf Hitler (1889-1945) e que “entendia” ele – numa referência clara ao massacre de judeus na Segunda Guerra Mundial. Seus filmes também costumam causar reações radicalmente opostas, de amor e ódio. Enquanto alguns consideram Dançando no Escuro e Melancolia geniais, outros vêm ali fraudes pretensiosas, engodos intelectuais. Sua obra-prima, Dogville, é, sem dúvida, um grande trabalho, original em sua narrativa quase mímica e teatral. 

Agora, Lar Von Trier recorreu à temática sexual para provocar. E logo se fez notar. A edição final que ele montou de Ninfomaniaca tem cinco horas e trinta minutos de duração, dividida em duas partes. O distribuidor, porém, cortou 90 minutos de cenas de sexo explícito por considerá-las chocantes demais. Há um tom de golpe publicitário na história, porque na abertura de Ninfomaníca – Volume 1 é confessado que a cópia foi “censurada”, o que abre expectativa para a versão extendida em DVD e Blu-ray. Uma afirmação nada convencional na história do cinema. Com estréia prevista para janeiro no Brasil, a primeira sequência é forte e impactante, com uma história que não chega a flertar com a pornografia. Nesse aspecto, aliás, o diretor consegue um equilíbrio inquestionável.

 Narrado com recursos de interferências gráficas sobre as imagens e dividido em capítulos (oito), duas das características do diretor, o longa começa numa madrugada fria de inverno, quando o velho e charmoso solteirão Seligman (Stellan Skarsgård) encontra num beco uma quarentona, Joe (Charlotte Gainsbourg), que é encontrada desmaiada e com o rosto deformado provavelmente por socos e chutes. Ele a acorda e a leva para casa, onde lhe serve chá com leite. Ela, então, inexplicavelmente, passa a lhe contar a história de sua vida e sua singularidade de ser ninfomaníaca. Tenta explicar as causas – sugere que tudo começou quase como uma brincadeira com uma amiga – e filosofa sobre seu comportamento moralmente condenável. Ela admite que tem compulsão sexual incontrolável e, já na adolescência, estabelece uma meta diária de transar com oito homens, cada um com hora marcada.

 É, de longe, seu mais digerível filme, cuidadosamente construído com diálogos explicativos uma narrativa quase didática. A intenção parece clara: explicar como funciona a cabeça de uma mulher obcecada por sexo. Inclui também uma colagem com dezenas de pênis em repouso para representar sua diversidade de parceiros. Mas não é um filme pornográfico. Está mais para a morbidez de Lolita, romance de Vladimir Nabokov sobre um homem de meia idade obcecado mortalmente por uma adolescente e que alguns teimam em atribuir caráter erótico. Mas o que choca de fato são as cenas sem sexo. Como a da esposa abandonada – Uma Thurman, numa breve e brilhante participação – que invade o apartamento da protagonista, onde está seu marido, e causa um constrangimento devastador.

 


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