Naturalizado brasileiro, o italiano Angelo Agostini (1843-1910) ficou mais conhecido ao longo do século XX mais como um abolicionista e editor de revistas do que por um feito que não foi menos notável: ter sido um dos primeiros desenhistas do mundo a adotar a linguagem sequencial dos quadrinhos, que combinava ilustrações e textos para se contar uma história seriada.
Isso aconteceu quase três décadas antes da invenção do cinema. No dia 30 de janeiro de 1869, há exatos 145 anos, portanto, Agostini iniciava na sua revista “Vida Fluminense”, a série de historietas “As Aventuras de Nhô Quim ou Impressões de uma Viagem à Corte”. O artista seria considerado o autor da primeira aparição de um personagem fixo de quadrinhos no Brasil e o terceiro no mundo. Também hoje completam 30 anos que a data foi adotada pela Associação dos Quadrinhistas e Cartunistas do Estado de São Paulo (AQC-SP) como o Dia do Quadrinho Nacional.
Nhô Quim era uma espécie de caipira, criado no mato, e que se muda para a cidade do Rio de Janeiro, então capital do Império do Brasil, e se vê em maus lençóis, ao ter que lidar com diversas situações numa cidade em que a vida econômica, social e cultural estava voltada para a Corte de Dom Pedro II – ou seja, uma minoria endinheirada e influente, servida por pequenos comerciantes e funcionários públicos, além de uma multidão de escravos. Esse rapaz de jeito simples, portanto, passou a viver os contrastes entre os costumes da época, marcada por desigualdades sociais gritantes, falta de saneamento básico, excesso de burocracia e doenças endêmicas. O jovem Agostini, de 26 anos, que chegara ao Brasil com 16 anos de idade, já se destacava como um crítico desse estado de coisas que o levaria a participar com destaque do movimento abolicionista de 1888. Em suas histórias em quadrinhos, o ilustrador e caricaturista inseriu críticas sociais com graça e sutileza, numa época em que a imprensa ainda dava os primeiros passos no Brasil.
Em praticamente todo o mundo, os americanos são considerados os pais das histórias em quadrinhos, por causa do lançamento de “The Yellow Kid”, de Richard Felton Outcault (1863-1928), na revista “Truth”. Durante os anos de 1894 e 1895, o personagem foi publicado esporadicamente, até que teve sua estréia oficial no jornal “New York World”, em 17 de fevereiro de 1895. The Yellow Kid (O Menino Amarelo) era uma criança dentuça com traços e aparência chineses, que sempre aparecia com um sorriso bobo e um pijama amarelo enquanto circulava por uma vila miserável e cheia de estranhas criaturas. O artifício de usar balões para mostrar as falas dos personagens foi usado pela primeira vez em suas histórias, apesar de o próprio garoto só se comunicar através de mensagens que apareciam inscritas em sua roupa. Ele usava um jargão cheio de gírias, numa linguagem típica dos guetos. Seu sucesso acabou estabelecendo o termo “Imprensa Amarela” para definir publicações sensacionalistas. Nada disso, porém, tira o pioneirismo de Ângelo Agostini na invenção de uma nova linguagem que seria marcante no imaginário popular no século XX.
Celebração será sábado, dia 1º, no Memorial da América Latina
Nos últimos anos, celebrar o Dia do Quadrinho Nacional tem ganhado cada vez mais força, graças ao empenho de um grupo de artistas para dar independência e respeitabilidade na escolha dos premiados. Desde o ano passado, o evento é realizado na Biblioteca do Memorial da América Latina, ao lado do metrô Barra Funda. Este ano, será no sábado, dia 1º, a partir das 13 horas, com a abertura da exposição Mestres do Quadrinho Nacional. Em seguida, o lançamento da revista Picles Só Mulherada e Flaviolândia, de Flavio Almeida, com a presença dos autores. Às 14 horas, homenagem a Renato Canini, morto no ano passado, com a exibição do curta Kactus Canini Kid, de Lancast Mota. Em seguida, bate-papo sobre a vida e obra do artista gaúcho, famoso por desenhar Zé Carioca, da Disney, com Fernando Ventura, Lancast Mota, Primaggio Mantovi e Izomar Camargo Guilherme.
Às 15 horas, tem início o debate “30 Anos do Trófeu Angelo Agostini”, com Worney A. Souza, Franco de Rosa, Jal e Eduardo Vetillo. A seguir, a exibição do documentário inédito Desvendando Angelo Agostini – 30 Anos da AQC. Às 16h30, In Memoriam – homenagem aos artistas falecidos em 2013. Por fim, a entrega dos prêmios aos melhores do quadrinho nacional.
Confira os premiados:
Melhor Desenhista – Shiko (Piteco – Ingá, O Azul Indiferente do Céu)
Melhor Roteirista – Gustavo Duarte (Chico Bento – Pavor Espaciar)
Melhor Cartunista – Angeli
Melhor Lançamento – Meninos e Dragões (Editora Abril)
Melhor Lançamento independente – Plataforma HQ
Melhor Fanzine – Quadrinhos Ácidos
Prêmio Jayme Cortez – Sidney Gusman
Mestres do Quadrinho Nacional – Byrata, Lourenço Mutarelli e Paulo Paiva Lima
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