A volta do Tim Maia “irracional”

tim maiaHá cerca de dez anos, o Brasil do século 21 enfim descobriu que em meio ao discurso monotemático de Tim Maia sobre a redenção mística por meio das crenças do Universo em Desencanto havia pérolas musicais do soulbrother que ficaram obscurecidas por décadas. Para além da inspiração autoral que permeia as composições e arranjos de Racional, nos volumes 1 e 2 (há também um terceiro registro, com sobras dos dois álbuns), claro, não foram poucos os que pontuaram que Sebastião também estava em plena forma vocal, por temporariamente ter aberto mão do que ironicamente chamava de Triatlhon (o consumo simultâneo e regular de álcool, cigarro e cocaína).

Mas ao se dar conta de que Manoel Jacintho – o famigerado líder da seita Universo em Desencanto, que dizia receber mensagens de seres extraterrenos, ou melhor, da entidade chamava por ele de ‘Racional Superior’ – não era o tal “maior homem do mundo”, como o discípulo bradou em O Grão Mestre Varonil, e sim um notório charlatão, Tim e os músicos da banda Vitória Régia, que  também foram obrigados a adotar a indumentária branca e entrar em abstinência da chapação, voltaram em grande forma no álbum homônimo lançado por Tim em 1976.

Com a mesma riqueza musical impressa nos dois biscoitos racionais, Tim Maia fez deste seu sétimo LP, homônimo, mais um título obrigatório de sua discografia. Melhor: o fez dispensando o discurso enfadonho em torno de Manoel Jacintho e seu famigerado livro, de inúmeras reimpressões oportunistas. Como sugere o título deste texto, abordaremos hoje “a volta do Tim Maia irracional” em sua plenitude.

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Veja Tim tocar Imunização Racional (Que Beleza!), ao vivo em agosto de 1974, no Teatro Bandeirantes, em São Paulo


Lançado pela Polydor, com produção executiva da Seroma (gravadora de Tim, que levava as sílabas iniciais de seu nome, Sebastião Rodrigues Maia), Tim Maia (1976) reúne músicos insuspeitos: Tim (bateria, percussão, guitarra, flauta e vocais), Carlos Simões (baixo), Reginaldo Francisco (teclados e voz), Paulinho Roquete (guitarra), Paulinho Batera (percussão e bateria), José Maurício (guitarra), Antonio Pedro (baixo, percussão e voz), Paulo Ricardo, “Paulinho Guitarra” (guitarra solo, percussão e voz), Antônio Claudio, Luis Mendes Jr. e Gastão Lamounier (vocais). Os arranjos, impecáveis, foram divididos por Tim, o maestro argentino Miguel Cidras e o brasileiro Arthur Verocai (leia post sobre o cultuado trabalho autoral de Verocai lançado em 1972), que orquestrou a última canção, The Dance is Over, composta por Tim, Hyldon e o tecladista Reginaldo, também autor de Me Enganei, que abre o lado B do LP.

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Veja o clipe de Rodésia, canção em que Tim também toca flauta transversal

Se esse álbum de 1976 encerra com a sentença de que a dança chegou ao fim, é justamente convocando todos a dançar, com a canção Dance Enquanto é Tempo, que Tim dá início aos quase 30 minutos de deleite musical do sucessor dos dois volumes de Racional. À mensagem hedonista de abertura, Tim sobrepõe discurso diverso, que trata de questões como o amor expresso aos filhos em Marcio Leonardo e Telmo (canção composta em homenagem a Leo Maia, adotivo, e Carmelo Maia, o Telmo, seu único filho legítimo), a nulidade que ele, então, dava aos credos religiosos, em Nobody Can Live Forever e Brother, Father, Sisther and Mother, ou a exaltação sem censura de sua altivez negra (Rodésia). Outro grande momento do álbum é Batata Frita, o ladrão de bicicletastítulo que talvez faça referência a um dos clássicos do neorrealismo italiano, o filme Ladrões de Bicicletas, de Vittorio De Sica (assista a íntegra do filme legendado).   

Em dezembro de 2009, os repórteres Marcio Gaspar e Lauro Lisboa Garcia publicaram na edição impressa de Brasileiros uma entrevista inédita com Tim Maia (leia a íntegra), resultante de um bate-papo com o músico em 1995. Alguns trechos, impagáveis, da conversa foram disponibilizados em streaming (ouça).   

Em setembro de 2012, a repórter Natalia Chiarelli entrevistou Yale Evlev (leia), diretor de marketing da gravadora Luaka Bop, selo criado pelo “talking head” David Byrne, que então havia lançado a coletânea Nobody Can Live ForeverThe Existencial Soul of Tim Maia (veja o teaser do lançamento e ouça a compilação).

Apaixonado por música brasileira, Evlev enfatizou características de ineditismo na obra autoral de Tim e um sujeito que, como ele, ganhou a alcunha de Babulina, o Rei do Sambalanço, Jorge Ben Jor. Segundo Evlev, Jorge e Tim são artistas dotados de artifícios irresistíveis para o público estrangeiro: “O soul brasileiro é soul de uma maneira tão diferente dentro de um gênero em que isso parece ser uma impossibilidade. É justamente isso que é tão refrescante na coisa toda que eles fizeram. Tim Maia e Jorge Ben são cheios de soul, mesmo não fazendo música baseada no blues como fizeram os soulmen americanos, mas, apesar disso, o sentimento e as emoções que dão nome ao gênero (ou seja, alma) estão amplamente representados em suas obras”.   

Ouça a íntegra de Tim Maia. Em 2011, o álbum foi relançado em CD pela Universal, que detêm os direitos sobre a obra de Tim.  

Boas audições e até a próxima Quintessência!


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