Autor cubano de maior destaque no cenário mundial desde José Lezama Lima e Alejo Carpentier, Pedro Juan Gutiérrez é um completo desconhecido em seu país, apesar de viver em Havana. Lá, seus livros não são vistos com bons olhos pelo regime de Fidel Castro. Porém, em países como Espanha e Brasil, Pedro Juan e sua literatura de corte autobiográfico são bastante aceitos. Com seis livros – entre romances e contos – publicados por aqui, o autor angariou um séquito fiel de leitores, que aguardam ansiosos suas novas histórias.

Sua fama se estende, também, a outros lugares. Só Trilogia suja de Havana, livro que lhe rendeu exposição internacional, já foi publicado em cerca 20 países. Além disso, a obra tem rendido estudos e ensaios no mundo acadêmico, principalmente nas universidades norte-americanas.

Cronista do difícil cotidiano cubano, em seu último livro lançado no Brasil, Nosso GG em Havana, Pedro Juan foge um pouco de suas características mais marcantes e constrói uma história cheia de mistério, que tem como personagem principal o escritor britânico Graham Greene, e que envolve agentes do FBI e espiãs da KGB. Um livro com pano de fundo bastante político para um escritor que diz desprezar a política. “Tento contar histórias com força, nada mais. Não sou político, nem jornalista. Apenas um escritor.” E é sobre literatura, seu assunto preferido, que Pedro Juan Gutiérrez fala a seguir.

Brasileiros – Quando Trilogia suja de Havana foi lançado no Brasil, os críticos se apressaram em associar sua literatura a nomes como Charles Bukowski e Henry Miller. Aos poucos essas comparações foram se dissipando. A sua literatura mudou ou a crítica passou a entender melhor sua escrita?
Pedro Juan Gutiérrez – Essa foi a maneira utilizada por meu editor para atrair o olhar sobre um escritor completamente desconhecido e que estreava com um livro forte, mas ao mesmo tempo muito polêmico. Depois de ter sido publicado em cerca de 20 países, com 11 edições só na Espanha, e com versões de bolso em toda parte, o livro é hoje estudado em cerca de 50 universidades dos Estados Unidos. No Brasil, por exemplo, acaba de sair um livro sobre Trilogia. Tudo isso tem contribuído para que se estabeleça a exata distância entre minha literatura e a de Bukowski e Henry Miller. O que me deixa muito feliz, porque não tenho nada a ver com esses escritores, que, por sinal, admiro muito.

Brasileiros – No seu último livro, Nosso GG em Havana, o senhor apostou em uma história de suspense, um romance noir. Por que resolveu escrever esse tipo de literatura?
P.J.G. – É muito simples: um dos meus editores pediu para que eu escrevesse um livro policial, de apenas cem páginas, com um escritor famoso como protagonista. Levei um ano e meio ou mais estudando e relendo os muitos livros de Graham Greene. Quando, finalmente, encontrei as chaves, escrevi o romance em dois meses. E me diverti muito.

Brasileiros – Em Nosso GG em Havana as histórias curtas e secas dão lugar a uma narrativa mais engenhosa. O senhor pretende seguir esse caminho ou foi apenas uma experiência?
P.J.G. – Foi apenas uma experiência. Nunca pensei em seguir escrevendo esse tipo de história, mas nunca se sabe. Talvez até escreva mais alguma coisa com esse viés, porque me sobram ideias e projetos. E Havana é uma fonte infinita de boas histórias.

Brasileiros – Além de jornalista, o senhor também foi sorveteiro, salva-vidas e cortador de cana. De que maneira essas experiências ajudaram sua literatura?
P.J.G. – E muitos outros. Meu primeiro emprego foi de vendedor de histórias em quadrinhos, depois vendi sacos de papel e, em seguida, sorvetes. Na verdade eu tive uma vida intensa. E isso é essencial para um escritor. Quando tinha 18 anos e decidi ser escritor, disse a mim mesmo: “Não quero estudar literatura para que o conhecimento não diminua minha ousadia e criatividade. Tenho que ler muito, viajar, conhecer muita gente – de todos os tipos – e ter umas mil mulheres”. E foi o que fiz. Agora estou com 59 anos, mas parece que já vivi 150. Estou um pouco esgotado. Mas isso é imprescindível para se escrever uma literatura forte e intensa.

Brasileiros – Charles Bukowski dizia que 93% de sua obra eram autobiográficos. E sua narrativa, o quanto é autobiográfica?
P.J.G. – 150%.

Brasileiros – Como é sua rotina de trabalho? Consegue viver com os direitos autorais de seus livros?
P.J.G. – Sim, totalmente. Mas só escrevo quando sinto necessidade interior. Sou incapaz de escrever “como um profissional”. Sinto pena desses escritores que escrevem sem parar todos os dias porque precisam de dinheiro. Isso é lamentável. Acabam escrevendo muitas sandices. Eu ainda sou uma criança brincando. Um amador. E não vou mudar.

Brasileiros – O senhor é bastante lido no Brasil. Mas sua poesia ainda é desconhecida no País. Como é o Pedro Juan Gutiérrez poeta?
P.J.G. – Já está sendo feita a tradução de um dos meus livros de poesia. Talvez o livro seja publicado ainda este ano no Brasil. Escrevo poesia entre um livro e outro de prosa. Isso me ajuda a pensar, refletir e a contrastar ideias. É um processo subconsciente. Na verdade não penso os poemas, eles fluem naturalmente.

Brasileiros – O senhor despreza a política, mas seus livros mostram o lado sórdido e pobre de Cuba. Não teme que sua literatura seja utilizada como panfleto político?
P.J.G. – Não, não temo nada. Na realidade, cada leitor faz a sua própria leitura. Um livro pode se desdobrar em muitos outros livros, depende do número de leitores que tem. Então há aqueles que veem política, outros que veem sexo, outros que veem antropologia, etc. Tento contar histórias com força, nada mais. Não sou político, nem jornalista, nem nada. Apenas um escritor.

Brasileiros – Cuba está impregnada em sua literatura. Poderia escrever algo que não tivesse o país como personagem?
P.J.G. – Todos os escritores escrevem sobre o assunto que têm mais conhecimento, aquilo que amam ou odeiam. O que lhe é mais próximo. Soa-me falso escrever sobre coisas que não conheço bem. A literatura precisa ser convincente. Essa é a condição indispensável. E, para ser convincente, é preciso conhecer aquilo que se escreve.

Brasileiros – Como será Cuba sem Fidel?
P.J.G. – Suponho que Cuba continuará sendo Cuba.

LIVROS PUBLICADOS NO BRASIL

Trilogia suja de Havana
(1999, Companhia das Letras/2008, Objetiva/Alfaguara) – Coletânea de contos que apresentou Pedro Juan ao público brasileiro.

O Rei de Havana
(2001, Companhia das Letras) – Romance em que o autor conta as desventuras doanti-herói Reynaldo.

Animal tropical

(2002, Companhia das Letras) – Repletode sexo, o livro apresenta o contraste entreCuba e Suécia.

O insaciável homem-aranha

(2004, Companhia das Letras) – Contoscujos personagens são movidos a sexo e rum.

O ninho da serpente

(2005, Companhia das Letras) – Retratoda adolescência do autor na cidadede Matanzas.

Nosso GG em Havana
(2008, Objetiva/Alfaguara) – Novela noir que tem Graham Greene como personagem.


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