O tempo não muda Cauby Peixoto e Ângela Maria

Cauby e Ângela em São Paulo/ Foto: Ana Beatriz Elorza
Cauby e Ângela em São Paulo/ Foto: Ana Beatriz Elorza

Cauby Peixoto anda quieto. Não é mais o falador brincalhão e cheio de frases sobre sabedorias da vida. E parece ter abandonado seu jeito de dar dicas sobre interpretação que lhe renderam a fama de “professor” entre os colegas. Famoso por sua voz de timbre grave e aveludado e um estilo “dândi” de levar a vida e de se vestir, marcado por figurinos e penteados excêntricos, o intérprete de “Conceição” leva agora um modo mais formal e discreto de vida. Em atividade desde a década de 1940, quando começou a cantar ainda adolescente, Cauby passa a impressão de ser apenas um observador atento e curioso de tudo à sua volta. Ouve bem e seus olhos são vivos e atentos, têm um brilho que encanta. Procura com atenção os olhares à sua volta, em busca de um sorriso de simpatia que ele responde de imediato. Está feliz, cercado de jornalistas, fotógrafos e cinegrafistas.

Os 83 anos de idade bem vividos, claro, fazem com que não tenha mais a agilidade de antes. Mas basta que Ângela Maria, sentada a seu lado, dê o pontapé em uma canção antes que comece a coletiva sobre os dois shows que fará com Cauby esta semana no Rio (dia 8) e em São Paulo (dia 11), para que algo de especial aconteça. Ele, então, entra em cena. Dos lábios de um dos maiores ídolos populares da música brasileira de todos os tempos, sai uma vozeirão descomunal, afinadíssimo, em forma. Como sempre e para sempre, pelo visto. O tempo muda o corpo, os movimentos, mas não a voz de Cauby. Nem de Ângela, esses dois monumentos de interpretação da música popular há quase 70 anos. Em um estúdio no bairro de Perdizes, em São Paulo, antes da série de entrevistas, os dois interpretam “Molambo” e “Ave Maria do Morro”, dois clássicos eternos de seus repertórios. A segunda, então, não são poucos os mortais que conseguem cantá-la a contento.  Cauby dá um show.

capaEnquanto fotógrafos e câmeras se preparam, Ângela mostra um humor invejável. Queixa-se ao repórter de Brasileiros que precisa retocar a maquiagem. Quer cuidar dos lábios, pois almoçara havia pouco tempo. E pergunta: “Você não tem um batom aí, né?” E solta uma gargalhada. O repórter, cabra macho, entra na brincadeira e diz que deixou o seu em casa. Ela dá outra uma sonora gargalhada, seguida de tosse. Está meio gripada. Mas está pronta para cantar. “Vou completar 85 anos no próximo dia 13 de maio e estes shows vão ser a minha festa de aniversário. Quero comemorar com meu público maravilhoso da terra onde nasci (Rio de Janeiro) e da terra que eu escolhi para viver há 40 anos (São Paulo)”, observa ela. Cauby acrescenta, com uma promessa: “Vamos fazer um show muito especial, sobretudo para as mães. Estamos preparando uma surpresa no repertório que o público vai gostar muito”.

Para celebrar esse reencontro, a dupla se apresentará no Dia das Mães em São Paulo com um show que, além das músicas do novo trabalho, trará outros grandes sucessos como “Vida da Bailarina”, “Bastidores”, “Babalú” e, claro e sempre, “Conceição”. “São 64 anos de amizade sem parar”, diz Ângela, terna e carinhosa, enquanto Cauby a observa, atentamente e sereno. Está empolgado com a repercussão do novo disco dos dois, lançado no final do ano passado e finalista do Prêmio da Música Brasileira nas categorias melhor disco e melhor cantora.

Cauby, segundo a cantora, é muito fiel como amigo e pessoa. “Adoro cantar com Ângela, ela tem melodia na voz, o que faz com que nossa combinação seja única”, diz o artista. Para ela, chega a ser engraçado que, apesar dos modismos musicais que dominam a mídia a cada década que passa, é só anunciar shows dos dois que as casas ficam lotadas e os ingressos esgotados com dias de antecedência. Nesse momento, o parceiro é só galanteios a ela. “Ângela sempre me deu muita atenção, gostamos imensamente um do outro”. A resposta vem de imediato: “Cauby é um irmão muito querido, nunca houve briguinhas entre nós”. Ao comentar a falta de romantismo na música, ela afirma que isso serviu de estímulo para que gravassem o novo disco, que sairá também em LP. O cantor, sem modéstia, ressalta: “É muito difícil encontrar vozes como as nossas”.

Cauby e Ângela em São Paulo/ Foto: Ana Beatriz Elorza
Cauby e Ângela em São Paulo/ Foto: Ana Beatriz Elorza

Os dois se aproximaram na Boate Vogue, frequentada por um público classe A, em Copacabana, no começo da década de 1960. Já eram famosos. Cauby havia juntado dinheiro suficiente para se tornar proprietário da Boate Drink, no bairro do Leme, no Rio. “Ele foi assistir meu show e me convidou para fazer uma temporada na casa dele. Temi, perguntei se haveria público e ele respondeu que sim, que sua plateia era popular”. No palco do Drink, o momento em que a cantora interpretava “Samba em Prelúdio” (Vinicius de Moraes e Baden Powell), ele levantou de sua mesa, pegou o microfone e dividiu o palco com ela. Nas apresentações seguintes, a canja continuou e virou uma série de três discos. “E foi assim que nasceu a primeira dupla sertaneja do Brasil”, brinca Ângela, conhecida por décadas como “Sapoti” (nome de fruta).

Mas o primeiro disco, no entanto, só veio em 1982, com o lançamento de “Ângela & Cauby”, que imortalizou o dueto dos dois artistas na faixa “Começaria Tudo Outra Vez”, de Gonzaguinha. Dez anos depois, um show no Rio de Janeiro serviria como base para um disco ao vivo, que se tornou um dos trabalhos mais vendidos dos artistas. O terceiro encontro de Ângela e Cauby em disco chegou às lojas em dezembro do ano passado. Gravado em estúdio, “Reencontro” (Gravadora Nova Estação) traz o casal interpretando canções conhecidas da música brasileira, porém jamais registradas por eles, sobretudo em dueto, em gêneros como samba-canção, bolero e música romântica.

Entre outras canções famosas, eles interpretam “Como É Grande o Meu Amor por Você” (Roberto Carlos e Erasmo Carlos), “Apelo” (Vinicius de Moraes e Baden Powell), “Alguém como Tu” (Jair Amorim e José Maria de Abreu), “Somos Iguais” (Jair Amorim e Evaldo Gouveia), “Dez anos” (Rafael Hernandez, versão de Lourival Faissal) e “O Mundo é um Moinho” (Cartola). Produzido por Thiago Marques Luiz e com direção musical de Daniel Bondaczuk, o álbum traz Ângela e Cauby em suas essências, cantando tão bem quanto há 50 anos, ou melhor.

Entrevista:

Confira abaixo as duas canjas que eles deram durante a entrevista. Os cantores são acompanhados por um sexteto integrado pelos músicos Daniel Bondaczuk (piano), Ronaldo Rayol (violão), Eric Budney (baixo), Nahame Casseb (bateria) Michel Machado (percussão) e Ubaldo Versolato (sax e flauta). A direção geral é de Thiago Marques Luiz.

OUÇA:
Molambo 

Ave Maria do Morro


Serviço: 
Cauby Peixoto e Ângela Maria
Rio de Janeiro – Vivo Rio, dia 8 de maio de 2014, às 22h
São Paulo – HSBC Brasil, 11 de maio, domingo, 20h
Compra por telefone – Ingresso Rápido – Tel: 4003-1212

 


Comments

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.