Os caminhos do Anjo Torto

img_836Quando em 10 de novembro de 1972, um dia após ter completado 28 anos, o jovem Torquato Neto decidiu dar fim à própria vida em seu apartamento, no Rio de Janeiro, inalando gás até a morte, a mulher Ana, o pequeno filho Thiago, o Brasil e seus comparsas de plás e transas (gírias copiosamente usadas por ele) sofreram golpe duríssimo. Encerrava-se ali precocemente a trajetória de um artista que se tornou símbolo dos dias sombrios daquele início de década, marcados pelos impulsos assassinos da ditadura sob o comando do general Médici.

Como poeta, letrista e jornalista, o piauiense de Teresina – Torquato Pereira de Araújo Neto – foi figura ímpar. No fino trato com a poesia e os fatos, as estrofes e os refrãos, legou criações singulares que poderiam ter resultado em obra de relevo ainda maior, não estivesse ele angustiado a ponto de apagar de maneira trágica seu brilho intenso. Tanto que – com exceção da produção jornalística nas colunas Música Popular, do Jornal dos Sports (1967), Plug, do Correio da Manhã (1971), e Geleia Geral, do Última Hora (1971 e 72) – Torquato nem sequer chegou a ver algum trabalho seu publicado em vida. Somente em 1973, o amigo Waly Salomão conseguiu realizar tal feito, com a organização de sua primeira compilação de poemas Os Últimos Dias de Paupéria (Editora Eldorado).

Os caminhos e descaminhos do letrista de clássicos como Geleia Geral, Soy Loco por Ti América, Louvação, A Coisa Mais Linda que Existe e Go Back foram reconstituídos, em 2005, pelo jornalista Toninho Vaz, no livro Pra mim Chega: A Biografia de Torquato Neto, que acaba de voltar, apenas com o subtítulo, às livrarias do País.

Pesquisador da contracultura brasileira, Vaz também é autor de outros dois livros dedicados às movimentações do udigrudi (corruptela do inglês underground) verde-amarelo: O Bandido que Sabia Latim (Record), biografia de Paulo Leminski, e Solar da Fossa (Casa da Palavra), que reconstitui a história da pensão instalada nos anos 1960 em um casarão colonial no bairro de Botafogo, no Rio de Janeiro. Reduto de dezenas de artistas desbundados, a pensão acolheu, entre outros, Zé Rodrix, Tim Maia, Betty Faria, Gal Costa, José Wilker e o escritor Ruy Castro, que prefaciou o livro. Três títulos obrigatórios para quem pretende entender como essa geração foi fundamental para arejar ideias e resistir à opressão de uma nação comandada com fuzis. 

A Biografia de Torquato Neto 
Toninho Vaz, Editora Nossa Cultura, 402 páginas

FACETAS O poeta atuando como jornalista (acima)e contracenando com Scarlet Moon em Nosferatu no Brasil, de Ivan Cardoso (1970)
FACETAS O poeta atuando como jornalista (acima)e contracenando com Scarlet Moon em Nosferatu no Brasil, de Ivan Cardoso (1970)

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