Sob as bênçãos de Vargas

Inovador, Samuel Wainer, de olho no prelo, lançou o único jornal governista dos anos 1950. Fvoto: Arquivo público do Estado de São Paulo/Produção original dos fotógrafos do "Última Hora"
Inovador, Samuel Wainer, de olho no prelo, lançou o único jornal governista dos anos 1950. Fvoto: Arquivo público do Estado de São Paulo/Produção original dos fotógrafos do “Última Hora”

Em um país em que expressões como “regulação da mídia” causam arrepios em meia dúzia de empresários do setor, uma exposição com 90 fotografias resgata parte da história dos 20 anos de um dos veículos de comunicação mais inovadores e polêmicos do Brasil: o diário carioca Última Hora. A primeira edição do jornal chegou às bancas em 12 de junho de 1951 sob artilharia da concorrência, ou seja, surgiu para dar sustentação ao segundo mandato presidencial de Getúlio Vargas (1951-1954) e se contrapor ao discurso de seu principal antagonista, o jornalista Carlos Lacerda.

Seu fundador, o jornalista Samuel Wainer, aproveitou a intimidade com o então presidente para lançar o único periódico governista daquela época. Ele conquistou a simpatia de Vargas um ano antes, às vésperas das eleições presidenciais, durante entrevista exclusiva para os Diários Associados, de Assis Chateaubriand, onde trabalhou. Dessa vez, eleito democraticamente, Vargas garantiu o financiamento estatal para o Última Hora.

A afinidade com Vargas se estendeu nos anos seguintes a Juscelino Kubitschek e João Goulart, o presidente deposto pelo golpe militar. Foi quando a maré virou. O jornal foi perseguido e Wainer, que se exilou em Paris até 1968, viu a ditadura confiscar seu patrimônio. Então, precisou vender a publicação – que chegou a ter sucursais em São Paulo, Porto Alegre e Belo Horizonte – para a Folha de S.Paulo, onde depois passou a trabalhar como assalariado até o dia de sua morte, em 2 de setembro de 1980.

Para além das polêmicas, a exposição e a digitalização de 166 mil fotografias, 600 mil negativos e 2.223 ilustrações celebram as inovações trazidas pelo jornal para a imprensa escrita. De olho nas classes populares, é do Última Hora a criação da seção de leitores. O diário também montou uma editoria só para tratar dos problemas locais nos bairros do Rio de Janeiro. Mas talvez a grande novidade do jornal tenha sido o espaço inédito que o futebol passou a ocupar, com fotografias de meia página e jornalistas especializados no assunto. “Ele antecede as reformas dos jornais brasileiros a partir da segunda metade dos anos 1950. Dizem que o logotipo azul era uma homenagem à cor dos olhos de Samuel Wainer”, conta o jornalista Vladimir Sacchetta, curador da mostra.

O acervo foi adquirido pelo Arquivo em 1989, mas a mostra e o início da catalogação e higienização dos itens começaram só em 2014, graças a um edital da Petrobras ganho pela Associação de Amigos do Arquivo do Estado de São Paulo, que foi presidida por Sacchetta. A estatal investiu R$ 584 mil e a associação desembolsou outros R$ 440 mil. “A escolha das fotografias foi subjetiva. Se selecionássemos mais de 90, elas ficariam muito pequenas”, conta Sacchetta. “Estabeleci alguns recortes: política, uma das marcas mais evidentes do jornal, cultura e arte, personalidades, futebol e cotidiano.”

A conclusão dos trabalhos está prevista para o início do ano que vem, quando todo o acervo estará disponível para consulta popular.


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