O fenômeno “Sapiens”: uma odisseia no tempo


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Marcas de mãos humanas na caverna de El Castilho, na Espanha. Estima-se que tenham 40 mil anos. Foto: Divulgação

Em um de seus romances, ­W.G.Sebald escreve que a história é algo pré-concebido, repleta de imagens às quais ficamos olhando enquanto a verdade está em outro lugar, esperando ser descoberta. De certa forma, o que Harari faz em Sapiens e Homo Deus é aproximar as imagens que nos distraem inutilmente de uma parte dessa verdade desconhecida.

O ponto principal de Sapiens é um achado.  O homo sapiens teria se tornado realmente uma espécie dominante quando passou a usar a linguagem para criar coisas que não existem. Ficções. A partir do momento em que lendas, mitos, deuses, religiões e, mais para a frente, a ideia de Estado foram imaginados coletivamente, isso representou uma capacidade sem precedentes de fazer com que centenas ou milhares de indivíduos colaborassem por um objetivo comum.

Claro, é faca com dois gumes. À habilidade de construir cidades, obras de arte, de fazer roupas, de cozinhar a caça e armazenar o plantio somou-se também o lado destrutivo. Há grande possibilidade de, como mostra o autor, termos convivido com nossos primos neandertais e os dizimado. O mesmo pode ser dito sobre inúmeras espécies animais, que foram sumindo sintomaticamente do mapa global, à medida que os sapiens avançavam pelo planeta. Hoje, apenas 10% dos seres vivos são selvagens.

O que é legal no livro, e certamente um dos motivos que o tornaram um estrondoso best-seller, com mais de dois milhões de exemplares vendidos no mundo, é que Harari faz com que o leitor sinta que está raciocinando junto com ele. As questões vão sendo lançadas e respondidas em linguagem simples (por vezes excessivamente didática), mas com um número impressionante de dados e informações atualizados com pesquisas de ponta.

Se Sapiens tenta entender quem so­mos, em seu livro seguinte, Homo Deus, o autor é ainda mais ambicioso e busca descobrir para onde vamos. Argumenta, de modo convincente, que, reduzidas significantemente a mortalidade infantil, a fome, a incidência de doenças e a violência das guerras ao longo dos nossos 200 mil anos, o que nos colocou “acima do nível bestial da luta pela sobrevivência”, resta agora nos tornarmos…deuses. A palavra causa estranhamento a princípio, mas explica-se de várias maneiras. 1 – estamos próximos (em termos históricos) de nos tornar imortais (ou amortais); 2 – temos a possibilidade de garantir a felicidade, ou um estado permanente de boas sensações, por meio da bioquímica; 3 – desenvolvemos, com a pesquisa genética, a capacidade de aprimorarmos nossa força, inteligência, sociabilidade, etc. O leque é vasto e um tanto assustador, já que tudo isso pode também representar uma nova divisão social entre os que podem ($) tornar-se “deuses” e os demais humanos, nunca tão propriamente chamados mortais comuns.


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