A urgência do momento

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César Lacerda e Romulo Fróes lançam “O meu nome é qualquer um”. Foto: Luiza Sigulem

Encontros musicais inesperados e que ainda trazem mais de 20 composições não acontecem todos os dias. Em 2015, César Lacerda conheceu e entrevistou Romulo Fróes na mostra Cantautores, em Belo Horizonte. Já em 2016 e em São Paulo, Romulo foi convidado a dividir o palco com César e propôs que eles criassem juntos músicas para a apresentação. Mesmo não gostando das canções criadas para a noite, a dupla insistiu e seguiu na parceria, que culminou nas duas dezenas de músicas escritas em dois meses.

Conversas sobre o atual momento do País, angústias e tristezas diante dos acontecimentos do ano e reflexões sobre nossa sociedade foram os temas base para a criação de O Meu Nome é Qualquer Um, recém-lançado pelo selo YBMusic. A vontade e, mais ainda, a necessidade de expressar o que pensavam e sentiam tornaram o processo urgente e em menos de seis meses o disco estava pronto.

“O Brasil, o feminismo, o Trump, a Samarco… A gente foi tratando isso nas canções, que foram nascendo dessas conversas. Pela urgência, nosso projeto não foi pensado, foi acontecendo. Tudo tinha uma pressa que pode parecer descuido, mas era certeza. Aconteceu um assunto na vida e ele é deste ano. Ainda que essas canções venham a ser ouvidas daqui a dez anos, a gente queria que elas fossem ouvidas neste ano. As músicas falam de agora e durarão, mas queríamos que elas fossem colocadas sob o prisma do Brasil de 2016”, conta Fróes.

“De fato, apesar de não terem uma característica específica, no sentido de que só possam ser ouvidas em 2016, essas canções não são perecíveis, mas têm essa necessidade de tempo. Elas falam de assuntos que vinham para nós e são de agora. Se a gente queria falar de transexualidade ou da experiência de uma nova masculinidade, tinha que ser agora. O que vai ser no ano que vem? Eu não sei. Não sabemos se ele (o álbum) teria em outro ano a potência que ele tem sendo lançado este ano”, reitera Lacerda.

O problema racial, o terceiro sexo, as redes sociais, o assassinato de crianças negras nas favelas, o amor e a morte são assuntos expressados nas 13 canções do disco, com arranjos de voz e violão, que foi gravado ao vivo com a participação do compositor paulistano Rodrigo Campos. Apesar do canto delicado, as palavras são fortes e certeiras. Romulo lembra: “O ruído está na letra. A letra é definitivamente a protagonista. As canções foram feitas para ela. O ruído entre o amor que nasce entre dois homens, o ruído da morte de uma criança negra, de um menino trans que passa na rua e gera um encantamento, de um cara que está procurando um lugar para morrer… Esse é o ruído que queríamos apresentar”. 

Empatia certeira e criativa

O encontro de César Lacerda – cantor, compositor e multi-instrumentista mineiro, de Diamantina, que já lançou dois álbuns e tem parcerias com Matheus Nachtergaele, Eucanaã Ferraz e Roberta Campos, entre outros – com o cantor e compositor paulistano Romulo Fróes (sete trabalhos autorais e parcerias com Kiko Dinucci, Rodrigo Campos e Marcelo Cabral, entre outros) é visto pelos dois como um acontecimento de influência recíproca para o processo de composição, no modo de se tocar e na forma de ambos colocarem a voz nas canções. Encontro que, asseguram, impactará os trabalhos individuais de cada um daqui para a frente.

“Nisso tudo o mais importante foi que ‘aconteceu um negócio mesmo’. Ao menos na minha vida, não é todo dia que encontro um cara com quem quero fazer 20 músicas. 2016 foi um ano muito complicado, mas, de alguma maneira, aconteceu essa coisa nas nossas vidas, uma espécie de língua artística foi criada entre nós, em meio a este ano caótico. Além disso, este disco resgatou um jeito que eu tinha perdido por conta de trabalhos muito conceituais que eu vinha fazendo, em que o conceito vinha antes da composição. Com César, voltei a compor como quando comecei. Canção pela canção”, explica Fróes.

“Minha chegada na vida do Romulo e a dele na minha foi uma espécie de bote salva-vida. Aconteceu bem no momento em que o Brasil caiu, que o mundo caiu. A criação é algo que está disposto a ser um carrinho bate-bate. No momento em que me choquei com Romulo foi necessário fazermos essas músicas. Este disco só foi assinado como de César e Romulo pelo fato de uma terceira via ter sido gerada. Eu precisava chegar na voz dele e ele na minha”, diz Lacerda. Para ele, Meu Nome é Qualquer Um também é um convite às reflexões sobre o tempo de fala e o tempo da escuta. Como um chamado para o coautor, o álbum diz: “Ouça isso aqui que temos a dizer. Este disco vai te obrigar a sentar, ouvir e digerir tudo”.


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