A síndrome da “caixa de entrada vazia” pode revelar muito sobre você

Notificações “push” no celular, no tablet, no computador, no smartwatch. Whatsapp + Facebook + Foursquare + Instagram. Certamente o cenário não contribui para um dia tranquilo –e muitos sabem. Mas, enquanto muita gente sensata sabe avaliar o impacto negativo das redes sociais sobre a própria vida, a mesma percepção não é aplicada ao e-mail. A mídia está atrelada a funções consideradas “mais úteis e produtivas” e, por isso, possui algumas especificidades nem sempre tão óbvias.  

Nem sempre sentimos a necessidade de curtir a foto de todo mundo que posta no Instagram, mas queremos responder todos os e-mails de trabalho na hora. Há uma sensação de constante “e-mail overload” -quando o volume de mensagens é superior a capacidade que temos tem de lidar com elas.

Ficamos constantemente tentando esvaziar a caixa de entrada para termos a sensação de algum controle sobre nossas vidas, mas o tiro pode sair pela culatra: o volume é tão grande que a missão torna-se impossível e a sensação de descontrole fica ainda maior que antes.

Segundo um levantamento da consultoria Radicati, 196.3 bilhões de e-mails foram enviados em 2014 e, desse montante, 108 bilhões eram relacionados ao trabalho [1]. Tal volume também indica o tamanho do impacto que a mídia pode ter sobre as nossas vidas. Um estudo recente feito pela Future Work Centre [2], prestigiada organização de pesquisa inglesa, atesta isso. De acordo com os pesquisadores, muitos dos nossos hábitos relacionados ao e-mail podem não fazer nada bem para a nossa saúde.

A personalidade também pode mediar a sua relação com o e-mail. Será que você cria situações? Foto: Ingimage
A personalidade também pode mediar a sua relação com o e-mail. Será que você cria situações? Foto: Ingimage

No levantamento, a organização entrevistou cerca de 2.000 pessoas que trabalham em uma variedade de indústrias, funções e setores de trabalho no Reino Unido. O objetivo foi saber a percepção desses indivíduos sobre o uso do e-mail. As perguntas exploraram aspectos da tecnologia, do comportamento e da personalidade que, porventura, poderiam interferir na relação desses indivíduos com a mídia

O resultado sugere que muitos desenvolvem alguns maus hábitos quando se trata de gestão de e-mail. Quase metade dos entrevistados tem e-mails enviados automaticamente para sua caixa de entrada (notificações push) e 62% deixam o e-mail aberto quase o dia inteiro. Esses hábitos, segundo a pesquisa, estão ligados a níveis elevados de estresse e de pressão.

“Nossa pesquisa mostra que o e-mail é uma faca de dois gumes. Enquanto ele pode ser uma ferramenta de comunicação valiosa, é também uma fonte de estresse e de frustração para muitos de nós”, escreveu Richard MacKinnon, psicólogo autor da pesquisa e um dos diretores do Future Work Centre.

“A etiqueta organizacional em torno de e-mail e a resposta rápida combinam uma fonte tóxica de estresse que poderia ser negativamente impactando a nossa produtividade e bem-estar. “

Também nem sempre há uma norma clara sobre e-mails, o que pode aumentar a ansiedade em relação a ele. As pessoas usam diferentes linguagens, algumas são mais próximas; outras, nem tanto. Não há um padrão do quanto é razoável demorar para responder um e-mail ou o quanto seria razoável checá-lo. O fato do e-mail também não permitir uma correção posterior pode ser uma outra fonte de ansiedade.


E-mail e a sensação de pressão

Para conseguir medir o impacto do e-mail na vida das pessoas, os pesquisadores criaram uma “escala de percepção da pressão exercida pelo e-mail”. Ela tem os seguintes nos seguintes critérios:

As pessoas sentem a pressão dos colegas ou clientes para verificar e-mail fora do horário de trabalho?Sentem a pressão da família ou amigos para interromper a verificação de e-mail quando estão com eles? E-mails relacionados ao trabalho são a causa de atrito na vida pessoal? O e-mail permite trabalhar de forma mais eficiente?

E os resultados foram os seguintes: 

– Pesquisadores encontram uma relação forte entre o uso de e-mail ‘push’ e o estresse. Isto significa que as pessoas que recebem automaticamente e-mail em seus celulares, por exemplo, relataram ter uma “sensação de maior pressão associada ao e-mail.

– Pessoas que deixam o seu e-mail aberto o dia inteiro também relatavam se sentir mais pressionados.

– Verificar e-mail no início da manhã ou tarde da noite é também associado com níveis mais altos de pressão.

– Indivíduos no papel de gerência experimentam mais pressão que os não-gerentes.  

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Como a autoestima pode mediar sua relação com o e-mail?

No estudo, a personalidade também foi um fator que pode aumentar ou diminuir a sensação de pressão exercida pelo e-mail. Pesquisadores encontraram que pessoas com baixa autoestima tendem a sofrer mais com a mídia. As pessoas com autoestima mais elevada tendem a se sentir mais em controle da situação e interpretam o e-mail como parte necessária do trabalho, ao invés de algo fora do comum, e permitem que o impacto seja menor.

Exemplo de relato que indica baixa autoestima

“Quando acordei na segunda, eu não conseguiria parar de pensar sobre o assunto e não sabia como iria resolver isso. Acabei por destratar um colega de trabalho e não conseguia me concentrar. Depois, saí para resolver tudo com o meu parceiro e conversamos. No dia seguinte, consegui me concentrar no trabalho e gostar mais do ambiente.”

Exemplo de relato que indica percepção mais positiva sobre si mesmo

“Quando eu cheguei para trabalhar na segunda, eu tinha muita coisa para resolver. Então, mandei um e-mail para o meu parceiro sugerindo que fossemos jantar para conversarmos mais. Eu, então, fui capaz de ter um dia mais produtivo no trabalho.”


A maneira como você lida com o e-mail pode dizer muito sobre você 

– O e-mail pode servir como uma fonte para você refletir sobre outros problemas. Reflita sobre suas respostas emocionais quando recebe um e-mail. Ele vem de uma pessoa específica? Sobre um tema específico? Você o recebeu durante o dia, ou à noite?

Estamos mais propensos a interpretar mal as mensagens quando deixamos a nossa emoção tomar conta. Desafie o seu próprio pensamento. Pense em quanto do seu pensamento é factual e quanto é impulsionado por suas emoções, expectativas ou pressupostos sobre o que você acha que “poderia acontecer” ou sobre o que “fulano está pensando”. Nós podemos imaginar consequências terríveis sobre nossas ações que não tem nenhuma base na realidade.

 Um exemplo de pensamento que pode ser irreal:

“Eu tenho que enviar esse relatório em cinco horas, caso contrário, posso perder a conta desse cliente. Meu chefe vai pensar que eu não posso fazer meu trabalho se eu não responder esse e-mail agora.”

Ouça a sua “auto-fala” quando se trata de e-mail. Nós todos temos uma voz interior. Ela pode ser útil e servir de suporte(como um treinador de esportes ou um professor) ou inúteis (como um crítico interno).

Troque frases autoritárias por frases mais indulgentes. Atente para falas do tipo: “devo responder a esse e-mail agora para esvaziar minha caixa de entrada”. Troque por “eu gostaria de ver o e-mail agora, mas é melhor que eu termine essa tarefa primeiro.

Pense em como você pode refletir sobre a sua experiência de e-mail ao longo do tempo. Nós não somos muito bons em lembrar de todos os detalhes de nossa vida diária. Então, você pode achar que é útil manter um diário simples e anotar observações importantes.



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Tenha uma relação mais saudável com o e-mail. As dicas do Future Work Centre: 

– Resultados da pesquisa indicam uma correlação entre deixar e-mail aberto o dia inteiro e o estresse. Você talvez queira considerar abrir o programa de e-mail ou o aplicativo só quando for usá-lo ou separar alguns períodos do dia para lê-los.

– A menos que seja absolutamente necessário para a sua função, pergunte-se o quanto notificações de e-mail no celular estão de fato ajudando você. Tende configurar o aparelho para fazer downloads em horários específicos.

Pesquisas anteriores recomendaram desligar completamente as notificações de e-mail em aparelhos. 

– A pesquisa do Future Work Centre também estabeleceu uma relação entre o horário de checagem de e-mail e o estresse. Checar o e-mail logo que acorda ou tarde da noite pode aumentar essa percepção. Também considere o quanto enviar e-mails no final de semana ou tarde da noite pode ter sobre o impacto na qualidade de vida de seus colegas.

Você está checando o e-mail fora do horário de trabalho? Isso contribui para sua sensação de relaxamento? Ou você está checando o e-mail fora do horário de trabalho por medo ou pela sensação de pressão? Se você se sentir relaxado, continue assim. Se não, considere se há de fato um prejuízo em não checar e-mails fora do horário de trabalho. Você pode estar se preocupando desnecessariamente.

– Embora haja uma relação da quantidade de e-mails recebidas e o estresse, considere também quantos e-mails você está enviando. Será que ele é necessário? Tudo poderia ser condensado em um só? Um telefonema ou conferência seria melhor?

– O conteúdo do e-mail também pode ser um fator estressor. Reflita sobre a maneira com quê escreve os e-mails. Se há potencial para ambiguidade ou interpretações errôneas. Se o assunto for complicado, novamente, prefira o telefone.

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Referências:

[1] Radicati, S. & Levenstein, J. (2014). Email Statistics Report, 2014-2018. Disponível em:  http://www.radicati.com/wp/wp-content/uploads/2014/01/ Email-Statistics-Report-2014-2018-Executive-Summary.pdf

[2] Future Centre Work (2016). You’ve got mail! – Research Report 2015 – Disponível em: http://www.futureworkcentre.com/wp-content/uploads/2015/07/FWC-Youve-got-mail-research-report.pdf

 

 

 


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