A escolha de um colecionador excêntrico

"Crying Girl", de Roy Lichtenstein
“Crying Girl”, de Roy Lichtenstein

Ter muito dinheiro em mãos e interesse por artes plásticas pode até bastar para que um colecionador forme um importante e valioso acervo de obras de arte. São muitas as coleções pessoais que, por seu interesse público, mereciam sair das salas de estar de residências e frequentar mais os museus mundo afora. Menos numerosas, no entanto, são as coleções pessoais com a importância histórica, a excentricidade e o potencial questionador daquela formada por Sylvio Perlstein.

Nascido em uma família de lapidadores e comerciantes de diamantes, o belga crescido no Brasil mostrou ter, muito além de dinheiro e interesse por arte, um olhar vanguardista raro, e um gosto ímpar pelo que houve de mais inovador nas artes na segunda metade do século XX. Isso, além de uma enorme desenvoltura para passear pelos círculos íntimos de alguns dos principais artistas do período.

Intuitivo e pouco afeito a modismos, Perlstein formou ao longo das décadas – circulando entre Europa e EUA – uma coleção que sintetiza parte importante do que foi a arte do século passado, ou ao menos de algumas de suas principais correntes. E o fez, possivelmente, sem perceber, já que comprou (ou trocou por diamantes) a maioria dessas obras antes mesmo que se tornassem consagradas ou valiosas no mercado. Salvador Dalí, Kandinsky, André Breton, Picasso, Sol LeWitt, Man Ray, Max Ernst, Basquiat, Yves Klein, Andy Warhol, Roy Lichtenstein, Richard Serra, Nan Goldin e os brasileiros Tunga e Vik Muniz, entre muitos outros, estão ali. E é uma parte dessa coleção – cerca de 150 das mais de mil obras que estão na mansão do colecionador em Garches, na França – que ocupam agora as salas do MASP, após passar pelo MAM Rio, na exposição A Inusitada Coleção de Sylvio Perlstein.

“Eu não sei o que é arte. Eu não sei o que é bom ou não. Eu passeio. Eu flano. Eu não quero nada em particular. Eu não sei exatamente o que eu fiz. Eu não sei exatamente como tudo começou. Há coisas que me intrigam e me perturbam. Para que algo se ative, é preciso que seja enigmático. E difícil, também. Senão não é interessante. Não é excitante”, afirma Perlstein em texto para a mostra.

Segundo Teixeira Coelho, que divide a curadoria com Luiz Camillo Osorio e Leonel Kaz, o colecionador de fato partiu de um olhar bastante livre e pessoal para adquirir as obras. O resultado, um acervo eclético e diverso, está longe, no entanto, de ser desconexo ou reflexo de escolhas aleatórias: “Existe um viés claro, que tem a ver com o conceitual. E também com o que era experimental e contestador”, explica Coelho. 

A palavra “inusitada” do título da exposição não demora a fazer sentido para o visitante que circula pelas salas do MASP: seja ao se deparar, logo na entrada, com a obra Obstruction, de Man Ray, formada por 63 cabides; seja ao dar de cara com a releitura de Duchamp da Mona Lisa, de Da Vinci (agora com um bigode); ao ver o Mickey Mouse (com uma vagina pintada no focinho), de Keith Haring; ou ainda observar a instalação luminosa de Bruce Nauman. “É que eu sou um grande curioso, mas só no que diz respeito às coisas curiosas e cheias de humor. Além do mais, se Nauman me agrada tanto, é talvez porque ele explora todos os territórios de maneira notável: o néon, o desenho, a escultura, o vídeo”, coloca Perlstein em outra frase que ganha as paredes da mostra.

O humor do qual fala o colecionador surge na mostra ao lado do insólito, do irônico, do surpreendente e, também, do belo. Se em sua mansão francesa as obras se espalham pelas paredes e salas de acordo com gostos pessoais, não classificações, na montagem do MASP os curadores dividiram a coleção em sete espaços: dadaísmo e surrealismo, novo realismo e pop art, pintura americana, minimalismo, arte conceitual/landart e arte povera, fotografia vintage e contemporâneos.

São 70 artistas ao todo, incluindo obras clássicas – frequentemente presentes em livros de história da arte – como Crying Girl, de Lichtenstein, e Violin d’Ingres, de Man Ray (com a imagem de uma mulher nua com as costas pintadas como um violino). Este último, nome fundamental do dadaísmo e do surrealismo americanos, é um dos destaques da mostra, com 14 obras ao todo. Ele é um dos que trocavam obras por diamantes com Perlstein. O surrealista espanhol Salvador Dalí, por outro lado, é um dos poucos com obras no acervo que o colecionador não conheceu. Dele, está exposta no Masp Femme-tiroir, pintura com a figura de uma mulher com uma gaveta no lugar dos olhos.

Nas palavras de Leonel Kaz: “A exposição prova que vale a pena olhar com outro olhar para o que existe à nossa volta, fazendo escolhas próprias, singulares. Se você for capaz de reunir suas escolhas, sem ouvir demais o que se tagarela, faz com elas uma coleção que, um dia, pode até ganhar ares de história, como esta”.

Serviço – A Inusitada Coleção de Sylvio Perlstein
MASP (av. Paulista, 1578)
Até 10 de agosto
R$ 15



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