A fantasmagoria visual de Christian Boltanski

Detalhe da instalação A Roda da Fortuna (La Roue de La Chance), composta por uma longa fita com fotografias de recém-nascidos poloneses que desliza por roldanas

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

POUCOS artistas contemporâneos orgulham-se em pertencer a uma época como a atual. Caso de Christian Boltanski (Paris, 1944). A sua identidade e ideário parecem pertencer mais a um território imaginário entre épocas que a uma senha moderna, tanto pela forma como resgata questões universais, como pela sintonia com aspectos do barroco e de certa gravidade existencial (o trauma do humano, da fragilidade), além da densidade visual (sombras, claro-escuro, instalações em igrejas). Aliás, em sua fantasmagoria artística pode-se reconhecer certo ofício das trevas e, neste sentido, suas mostras têm algo de ritual, de experiência perceptiva transformadora (do artista e para o público). Nesse sentido, conceber a “arte como um artifício” não impede, precisamente, reconhecer um lado trágico onipresente, em que a fragilidade de muitos elementos utilizados – luz (lâmpadas, velas), roupas, imagens, retratos – remetem à precariedade existencial (a uma vida entre a luz e as sombras) debatida entre o acaso e o destino.

Por outro lado, a entrada da história em sua obra, da biografia como matéria-prima e, mais especificamente, do valor da memória – a vida do perdido – ocupa um lugar central, assim como oferece um sentimento melancólico sobre a condição humana, incidindo, sobretudo, no papel reflexivo do bem e do mal, no sentido transitório da passagem, do esquecimento, da morte. Todo o seu trabalho aparece carregado de um imenso bastidor de preocupações, de interrogações, de tal forma que não há lugar para uma estética formalista, ensimesmada, mas sim gravitacional, carregada de mundo. Para uma obra contada por meio de histórias visuais, que reconhecem a imortalidade ambígua de tudo e incluída à arte.

Assim, há uso da quantidade, às vezes grandes números de coisas e imagens, mas acontece que em lugar de se atomizar ou diluir tudo, mantém-se um diálogo vivo entre o individual e o coletivo. O acúmulo, de alguma maneira, nunca despersonaliza: há sempre convivência e equilíbrio entre o único e o anônimo. O que conduz muitas vezes a obras-monumentos, ícones socioestéticos, pois a ideia de monumento é sumamente cara em seus trabalhos e, apesar de eles serem feitos com recursos frágeis ou pouco sólidos, mantêm uma escala, um valor de relíquia, uma noção de coletividade.

O caráter alegórico de sua poética, o peso específico que os arquivos têm (de documentos, de imagens ou a atração pelos livros de artista em sua trajetória) e o lugar relevante e emblemático das fotografias – “Eu pinto com fotografias”, chegou a confessar em alguma ocasião – concedem uma capacidade de humanidade maior, de conexão emocional. Não é a primeira vez que suas instalações produzem impressões fortes, quase assustadoras. E não em vão, pois para Boltanski: “A arte tão só permite compreender melhor algumas coisas”.

Há algum tempo (em 1998), o artista falou que: “Quando se é velho, já se constrói a própria tumba”. De alguma maneira, não deixa de ser toda sua obra um monumento funerário, já desde o início pelo grau de implicação pessoal e sentimento temporal que habita nela. Como se a função do artista fosse lutar contra a morte, seguindo um pensamento do artista e, portanto, a finalidade de cada obra fosse postergar essa derrota.

A sua visita ao Rio de Janeiro possibilitou organizar, in situ, a nova montagem que constitui Chance (de obras como La Roue de la Chance), provindo da última Bienal de Veneza em 2011, atendendo às características espaciais e arquitetônicas do local expositivo, como se fosse uma nova interpretação da mesma obra, um novo site specific.
Mesmo de pouca conversa, Boltanski concede entrevista à ARTE!Brasileiros.

Você concebe a sua própria biografia como matéria-prima de seu trabalho artístico, qual é a raiz-matriz-trauma que abre a sua biografia para a arte?
CHRISTIAN BOLTANSKI – Os artistas e a obra são, na maioria das vezes, ligados a um trauma e, para mim, são as guerras de 1939/45 e o conhecimento da Shoá.

Todas as suas obras têm um forte impacto emocional, passam vibrações, vida, e estão além da obra de arte unicamente estética. A sua intenção é que o trabalho seja um espelho para os outros, segundo suas palavras, portanto um lugar onde nos reconheçamos?
A arte está entre o mais pessoal e o mais coletivo.

As perguntas de suas imagens são clássicas, relativas ao gênero humano (morte, acaso, bem e mal, vanitas, identidade, memória, esquecimento…). Você se considera artista do século XX, mas também sem época, pelo menos, não substancialmente moderno, não?
Não existe progresso em arte, são sempre as mesmas perguntas que são feitas.

Vendo Chance, sua mostra no Rio (com trabalhos procedentes da última Bienal de Veneza), se reconhece que cada exposição é como uma partitura. Ela exige uma interpretação diferente de sua parte?
A mesma partitura pode ser tocada com uma grande orquestra ou uma orquestra de câmera.

Também o diálogo e a tensão entre imagens em movimento e imagens fixas, em La Roue de la Chance, assim como Être a Nouveau ganham grande potência e primeiro plano. Considera esse enfrentamento imagético algo epocal importante?
É uma fábrica de bebês, mas é também a respeito do aborto.

Você já fez exposição em lugares religiosos (lembro de Santiago de Compostela, Espanha). O que lhe agrada neles? Recupera-se melhor lá o espiritual que tem a arte, a comunhão com as pessoas?
A arte é perguntar por umas questões e dar emoções.


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