Adriana Varejão e suas histórias às margens

No final do ano passado, a carioca Adriana Varejão virou matéria de jornal por ter uma pintura arrematada por R$ 2,971 milhões em um leilão da Christie’s. O quadro não pertencia mais a ela. A obra é Parede com Incisões a la Fontana II, da série Ruínas de Charque. Foi a maior transação envolvendo um artista brasileiro e a segunda maior latino-americana, perdendo apenas para o colombiano Fernando Botero, que teve uma de suas rechonchudas criações amealhada por R$ 3,38 milhões. Varejão é conhecida por sua narrativa plástica, singela e potente, brasileira e universal, simples e inteligente.

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Em pleno período da 30a Bienal de São Paulo, Adriana Varejão apresenta suas Histórias às Margens, até 16 de dezembro, no MAM, ao lado do Pavilhão Ciccillo Matarazzo, também no Parque Ibirapuera. Trata-se de uma retrospectiva, com trabalhos produzidos desde 1991. São 42 obras, a maioria inédita no Brasil, algumas vindas de instituições de grande prestígio, como a londrina Tate Modern, a nova-iorquina Guggenheim e a madrilenha Fundación “La Caixa”. O curador Adriano Pedrosa escolheu exemplos significativos das séries Pratos, Ruínas de Charque, Mares e Azulejos, Línguas e Incisões, Irezumis, Acadêmicos, Proposta para uma Catequese e Terra Incógnita. A artista plástica criou ainda, especialmente para essa mostra, um painel de 18 m de extensão, em que representa sua já famosa azulejaria, das entranhas da qual saltam, desta feita, plantas carnívoras. Também estão presentes duas outras obras que acabam de sair de seu ateliê: uma visão em estilo chinês da Baía de Guanabara e um prato igualmente à oriental. Ambas se inscreveriam na série Terra Incógnita iniciada em 1992, mas com elementos de sua produção atual.

Impregnadas de algumas ideias centrais, Varejão passeia sem cerimônia por vestígios do barroco ocidental e da iconografia oriental para expor o passado violento, que não passou nem vai passar. Algumas ideias capturaram Adriana Varejão e orientam o seu trabalho. Uma de suas ideias-força é a de “duração”, uma forma de designar o tempo não marcado pelo relógio (pois não pode ser dividido), que guarda e atualiza os acontecimentos passados. Em uma entrevista ao escritor e tradutor Eric Nepomuceno em um programa de televisão, ela comentou que, como no filme Stalker (1979), do russo Andrei Tarkovsky – no qual três pessoas exploram um lugar chamado Zona, um “campo puro de memória, onde as lembranças são detonadas constantemente” –, ela lida com a “memória como se o tempo não existisse, vou costurando várias hierarquias de assuntos em um único assunto”.

Daí a importância das coincidências em suas obras. “Elas são bússolas que nos orientam no mar de possibilidades em que vivemos”, diz. Assim é que uma casual olhada em um livro de fotos em uma livraria de Lisboa a despertou para as possibilidades plásticas da azulejaria. A publicação em questão mostrava imagens de um canto prosaico, coberto por azulejos da longínqua cidade de Macau, ex-enclave português na costa da China e hoje uma espécie de Las Vegas oriental. Esse lugar, por sua vez, a remeteu a antigos botequins e açougues de sua cidade natal, o Rio de Janeiro. Insuflada pelos azulejos, quando estava em Paris, percorreu saunas femininas muçulmanas, especialmente uma em um porão profundo. Os azulejos eram portugueses, brasileiros, franceses, europeus, chineses, orientais e árabes. Globais, enfim. Adriana Varejão esteve nas bienais de São Paulo, de 1994 e 1998, e nas de Johanesburgo (1995), Praga (2003), Mercosul (2005), Liverpool (2006), Bucareste (2008) e Istambul (2011). Fez individuais em lugares importantes, como o Centro Cultural de Belém (Lisboa, 2005), Fondation Cartier (Paris, 2005), Hara Museum (Tóquio, 2005). É uma artista em ascensão. Sua evolução acompanhou o reposicionamento do Brasil na economia mundial e a valorização dos BRICs.

Há uma curiosidade do mercado internacional pela arte realizada aqui e se depararam com essa figura que, na contramão da corrente majoritária, valoriza a pintura e certo figurativismo.

É sempre bom conferir o universo de Adriana Varejão, que nos transporta no tempo e nos faz refletir. Usando a representação de azulejos ou outros materiais como suportes, ela “liberta” vestígios de outras épocas. Como na música de Chico Buarque, Futuros Amantes, também citada por ela, escafandristas no futuro exploram a cidade do Rio de Janeiro submersa e encontram “o eco de antigas palavras/fragmentos de cartas, poemas mentiras, retratos/vestígios de estranha civilização”.


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