Entrevista com Luis Pérez-Oramas
Arte!Brasileiros: Você acredita que a arte latino-americana ocupa hoje um lugar alternativo no circuito internacional de arte?
Luis Pérez-Oramas:Não acredito que a arte latino-americana ocupe algum lugar “alternativo” no circuito internacional da arte. Acho que o tema do “alternativo” latino-americano pode ter servido e ainda serve como uma espécie de slogan para o mercado. Foi utilizada com maior ou menor astúcia a ideia de que a modernidade ou a arte contemporânea latino-americanas eram alternativas. Acho que deveríamos pensar melhor o assunto e encontrar categorias mais sérias, assim como mais eficazes técnicas de marketing cultural e branding. Vou me explicar. A ideia do alternativo se baseia na ideologia da diferença, que no fundo não é outra coisa se não uma nova cara para o velho fascínio europeu pelo “exótico”. Como latino-americanos devemos aprender e entender nossas especificidades históricas, nossa pertinência e nosso aporte transformador no campo da arte da cultura ocidental. Devemos cuidar das generalizações e nos manter alerta, criticamente alertas perante a afirmação de que existiria uma homogeneidade latino-americana na arte, seja na moderna seja na contemporânea.
Felizmente penso que o sentido e o significado precedem e determinam o valor estético, artístico ou econômico das obras de arte. Mas existe uma subestimação quando se trata de interpretar o sentido de nossas múltiplas e variadas histórias quanto à prática das artes moderna e contemporânea latino-americanas.
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Enquanto não construirmos nossa própria “teoria histórica” seguiremos como objeto da fascinação dos europeus e norte americanos pelo exótico. A boa notícia é que, dito isto, a arte latino-americana parece estar cada vez mais presente nos museus, coleções, revistas, galerias, feiras, etc.
AB.: Alguma tendência que lhe chame mais a atenção?
L.P.O.: Pelas mesmas razões expostas anteriormente não devo generalizar. Eu me atreveria a dizer que são os artistas e não os críticos ou os historiadores, com raras exceções, que melhor fazem uma revisão crítica sobre o legado da arte moderna em diferentes países do nosso continente. Finalmente, me interessa observar o que ficou hoje das práticas artísticas, ou talvez meta-artísticas, mais radicais que, no final dos anos 1960 e durante os 1970 e 1980 estabeleceram modalidades de ações simbólicas que questionavam radicalmente a própria ideia de arte como algo encarnado em um objeto ou em uma ação. O que fazem hoje os artistas contemporâneos com esse legado? Aí vejo duas tendências: uma é claramente conservadora e trata de negociar com as instituições uma reobjetivação dessas práticas radicais, tornando possível sua inserção no espaço disciplinar do museu e da arte, há aí gestos excelentes, na medida em que isso serve para inserir a crítica da instituição artística em seus espaços de capitalização, e há aí, também, gestos decepcionantes, na medida em que, adequando práticas radicais híbridas e nômades à ideia tradicional de meios e objetos artísticos isso as neutraliza e as fetichiza. Em geral, me interessa observar o que existe hoje de práticas artísticas como a pintura, a gravura, ou mesmo o vídeo, em sua relação com a história moderna das artes como “deformação coerente” do mundo.
AB.: Entre os países emergentes do BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) qual está mais próximo do alvo da programação do MoMA?
L.P.O: Obviamente existe uma vinculação muito forte com o Brasil, afinal é uma nação que pertence à mesma área simbólica e cultural do Estados Unidos, e o MoMA, desde sua fundação, colecionou e exibiu arte brasileira. Portinari, por exemplo, foi um dos primeiros artistas a ganhar uma individual em nosso museu, junto com Rivera ou Matisse. O museu colecionou algo de arte moderna da Índia, desde o final dos anos 1950 e durante os anos 1960, e arte da China só depois que terminou a Revolução Cultural e no começo da abertura diplomática da China ao mundo. Mas, evidentemente, não existe comparação. Por outro lado, essas categorias de desenvolvimento econômico, que eu considero muito duvidosas em sua coerência intelectual interna, não podem ser projetadas para entender os problemas culturais. Na realidade, não servem. É ridículo pensar que culturas como a Índia ou a China, incalculavelmente ricas e milenares, possam ser chamadas de emergentes. Isso seria o cúmulo do neocolonialismo europeu, para não dizer que é o cúmulo da ignorância.
AB.: Nelson Rockefeller foi muito importante para a criação da Bienal de Arte de São Paulo, que era uma programação do MoMA de SP. Hoje como os mecenas americanos atuam fora das fronteiras dos Estados Unidos?
L.P.O: Não creio que se possa generalizar. O mundo é hoje radicalmente diferente do que era durante a Guerra Fria e o pós-guerra. Por outro lado, as iniciativas da Fundação Rockefeller não podem ser historicamente simplificadas. Pode-se dizer que para a cultura e para a política do século XX os Rockefeller são uma família equivalente aos Médici. E há nela diferenças tão complexas quanto as que havia entre Lourenço, o Magnífico, e Maria de Médici. E quanto aos mecenas atuais, entre os quais os Rockefeller continuam ocupando a primeira linha, sua atividade é muito diferente e não me compete – nem tenho conhecimento suficiente – para dar uma opinião específica. Mas eu sublinharia algo: existe uma cultura do mecenato e do patronato cultural nos Estados Unidos que é única e incomparável no mundo. E na America Latina aprenderíamos muito – há casos brilhantes, principalmente no Brasil – seria interessante que encontrássemos uma maneira para construir, em nosso países, algo equivalente.
AB.: De que maneira o MoMA pode dar mais espaço para a arte brasileira contemporânea?
L.P.O: O Brasil é prioridade no MoMA. Temos adquirido e exposto arte brasileira. Temos organizado grandes exposições com artistas brasileiros: Tangled Alphabets, de León Ferrari e Mira Schendel é um exemplo. E há muitos projetos futuros com arte brasileira. Entre eles, nosso Programa Internacional vai publicar, por exemplo, uma antologia em inglês dos escritos de Mario Pedrosa.
QUANDO
foi inaugurado, em Nova York, o Museu de Arte Moderna – mais conhecido por MoMa – tinha em seu acervo 8 pinturas e 1 desenho. Poucos dias depois, deu-se o Crack da Bolsa, em 1929. Hoje, o prédio, várias vezes remodelado, abriga uma coleção de mais de 150 mil obras, contando Demoiselles D’Avignon, de Picasso; um dos ready-mades com roda de bicicleta de Marcel Duchamp e Noite Estrelada, de Vincent Van Gogh. Por traz dessa história estão três mecenas, Lillie Bliss, John Rockfeller Jr. e Cornelius Sullivan.
Luis Pérez-Oramas é curador do The Estrellita Brodsky e Curador de Arte Latino Americana do Museum of Modern Art, de Nova York
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