A arquitetura na linha de frente

Klong Toey Community Lantern, em Bangcoc (Tailândia), projeto do escritório TYIN Tegnestue Architects, da Noruega. Foto: Divulgação
Klong Toey Community Lantern, em Bangcoc (Tailândia), projeto do escritório TYIN Tegnestue Architects, da Noruega. Foto: Divulgação

À primeira vista, as imagens que ilustram esta matéria não parecem ser de obras que estariam expostas em uma grande mostra internacional de arquitetura. Nada de arranha-céus, edifícios icônicos, grandes complexos habitacionais ou esportivos, audaciosos planos urbanos e outras obras faraônicas. Ao contrário, ilustram estas páginas um espaço revitalizado em uma favela na Tailândia, um abrigo para a proteção da neve no Chile, um micropavilhão feito de pedaços de janelas na Rússia, uma pequena residência em uma periferia do Brasil e uma “cidade improvisada” construída com barracas na Índia. Pois são estas as obras que, entre muitas outras, estarão expostas no maior e mais importante evento da arquitetura mundial, a Bienal de Veneza, em uma edição bastante diferente das anteriores.

Com forte engajamento político e social, intitulada Reporting From the Front, a mostra, que acontece entre 28 de maio e 27 de novembro, se propõe a investigar o papel dos arquitetos na melhoria de vida das pessoas, especialmente em lugares carentes. De modo geral, a edição apresenta trabalhos que lidam com temas como segregação, desigualdade, participação comunitária, desperdício, violência, desastres naturais, carências urbanas, crises habitacionais e migratórias, entre outros.

Assentamento temporário construído na Índia, tema de pesquisa de Rahul Mehrotra e Felipe Vera. Foto: Felipe Vera
Assentamento temporário construído na Índia, tema de pesquisa de Rahul Mehrotra e Felipe Vera. Foto: Felipe Vera

Com curadoria do chileno Alejandro Aravena – vencedor este ano do prêmio Pritzker, espécie de Nobel da arquitetura –, a edição reflete alguns dos debates mais atuais da arquitetura mundial, ao mesmo tempo que procura aprofundá-los. Desde a crise global de 2008, a chamada “arquitetura do espetáculo” ou “arquitetura show”, que predominava no mundo desenvolvido a partir dos anos 1990 – com obras milionárias e extravagantes –, passou a ser questionada e a perder espaço para uma prática com soluções mais econômicas e funcionais. O processo parece culminar nesta 15a edição da Bienal de Veneza, a primeira curada por um sul-americano e que se propõe a travar uma “cruzada contra a indiferença”, nas palavras de Aravena. “Queremos aprender com arquiteturas que, apesar da escassez de meios, intensificam o que está disponível em vez de reclamar sobre o que está faltando”, escreve o curador da mostra.

Com esta ousada proposta curatorial, surgem entre os participantes do pavilhão principal nomes que dificilmente apareceriam em um evento deste porte, de jovens coletivos de arquitetos a profissionais de países com pouca visibilidade no mundo da arquitetura. Dos 88 participantes, 50 estarão no evento pela primeira vez e 33 deles têm menos de 40 anos de idade. Além disso, dos 62 pavilhões nacionais, cinco são de países que nunca estiveram no evento: Filipinas, Cazaquistão, Nigéria, Seicheles e Iêmen. Nomes consagrados da arquitetura, como Tadao Ando, David Chipperfield, Peter Zumthor, Renzo Piano, Norman Foster, Rem Koolhaas e Eduardo Souto de Moura, não deixam de ter espaço na mostra, mas de modo geral apresentam seus projetos menos conhecidos.

Pavilhão para cerimônias da Vodca, na Rússia, de Alexander Brodsky. Foto: Yu.palmin/ Divulgação
Pavilhão para cerimônias da Vodca, na Rússia, de Alexander Brodsky. Foto: Yu.palmin/ Divulgação

Um dos principais debates levantados na mostra, reflexo direto da escolha dos projetos, se refere à necessidade de os arquitetos trabalharem cada vez mais de modo multidisciplinar e próximos das populações, em estreito diálogo com as comunidades para as quais estão projetando. Trata-se de uma visão na qual o arquiteto sai da sala fechada de seu escritório e procura, na vivência com os habitantes, entender os contextos e as carências de cada lugar. “Estamos muito conscientes de que a batalha para um melhor ambiente construído é um esforço coletivo que vai exigir força e conhecimento de todos”, diz o curador. Segundo ele, um dos grandes erros dos arquitetos é a tendência para lidar com problemas que só interessam aos seus parceiros de profissão. A ideia da 15ª bienal, explica ele, é justamente se ocupar de problemas que dizem respeito aos cidadãos como um todo, mesmo que solucionados através das ferramentas da própria disciplina.

Com curadoria do arquiteto e urbanista Washington Fajardo, o pavilhão brasileiro na bienal segue a mesma linha da proposta maior do evento, com foco em obras voltadas para a solução de problemas urbanos. Uma delas é o conjunto habitacional Jardim Edite, dos escritórios MMBB e H+F, projetado para ocupar o espaço da favela que se situava entre as avenidas Roberto Marinho e Berrini, em São Paulo. O prédio abriga mais de 200 famílias de baixa renda e agrega também um “restaurante escola”, uma unidade básica de saúde e uma creche.

Mirador Pinohuacho, no Chile, do Grupo Talca. Foto: Rodrigo Sheward Giordano
Mirador Pinohuacho, no Chile, do Grupo Talca. Foto: Rodrigo Sheward Giordano

Outro projeto que será exposto, e que ganhou enorme destaque após ser premiado internacionalmente, é a pequena casa da diarista Dalva Borges, na Vila Matilde, zona leste de São Paulo. Construída pelo escritório Terra e Tuma com baixo orçamento – apenas o dinheiro guardado por dona Dalva ao longo de três décadas de trabalho –, a casa destoa das construções de seu entorno periférico com suas linhas retas, materiais modernos e acabamento impecável. Integram o pavilhão, ainda, uma residência feita com restos de materiais e que levou mais de 60 anos para ser construída, planos de intervenção urbana em diferentes cidades brasileiras e uma casa projetada por Lina Bo Bardi – arquiteta cada vez mais reconhecida que, ao praticar uma arquitetura sem “caprichos”, de forte cunho social e olhar antropológico, foi precursora de vários dos debates mais atuais da disciplina.

Casa da Vila Matilde, do escritório Terra e Tuma, na zona leste de São Paulo. Foto:  Pedro Kok
Casa da Vila Matilde, do escritório Terra e Tuma, na zona leste de São Paulo. Foto: Pedro Kok

*Após o fechamento desta edição, o arquiteto brasileiro Paulo Mendes da Rocha venceu o Leão de Ouro da Bienal de Veneza. Leia mais aqui.


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