Artista investiga relações entre memória e tradição

Karin Lambrecht
Um processo de colaboração entre curador, colecionador e artista resultou na primeira edição do projeto RS Contemporâneo – Pensamentos Curatoriais, do Santander Cultural de Porto Alegre. A mostra traz um trinômio heterogêneo unido pelo campo do conhecimento: eleito curador, o jovem artista visual André Venzon debruçou-se sobre 103 obras da artista Karin Lambrecht e fez sua seleção em parceria com Julio Werlang, dono das obras expostas.

O conjunto faz parte do acervo criado ao longo de quatro décadas e que registra o percurso de oito artistas: Xico Stockinger (1919-2009), Iberê Camargo (1914-1994), Siron Franco (1947) Nelson Felix (1954), Daniel Senise (1955), Mauro Fuke (1961), Félix Bressan (1964) e Karin Lambrecht (1957).

A escolha de rever obras de Lambrecht recaiu no fato de a artista gaúcha ser autora da última obra a entrar na coleção. Cada vez mais, a figura do curador se torna central e é protagonizada por críticos experientes já conhecidos do circuito da arte. Aqui, a responsabilidade ficou nas mãos de um jovem artista. A experimentação do projeto e a opção de mostrar obras de uma única autoria revela o diálogo permanente que Werlang mantém com artistas.

Venzon acredita que as grandes coleções guardam uma particularidade. “Como acontece nesta, há nelas um impulso espiritual que atua como força, diferentemente do que ocorre com as coleções em geral [as menores], conduzidas por impulsos imediatos ou materiais”.

As palavras de Venzon estão em sintonia com o conceito da produção de Karin, cuja mostra recebeu o título de Nem Eu, Nem Tu: Nós, um enunciado escrito nos cadernos da artista como matéria poética. A artista tem consciência de que grande parte de sua obra pode ser vista como uma percepção espiritual, religiosa. Em vários trabalhos aparecem palavras, o que para ela é natural, por ter sido durante toda a vida uma leitora da Bíblia.

Assim como tantos outros artistas que se inspiraram em questões da religião, como Pasolini, Almodóvar, mas de maneira crítica, Karin busca por meio da pintura ressantificar, reaproximar-se do mito, sem estabelecer devoção religiosa mítica. O trabalho Morte: Eu Sou Teu, de 2002, sugere a ideia de um memento mori (lembra-te que morrerás).

Todas as obras de Karin trazem a marca da memória e da tradição. O conjunto tem algo de biográfico, pessoal, íntimo, que autoriza uma visão psicanalista. Quando a artista assiste, passivamente, ao sacrifício de uma ovelha viva, presa pelas quatro patas, apunhalada e colocada para sangrar agonizando até a sua morte (e depois o sangue se torna matéria prima para sua pintura), tudo parece macabro.

Para se construir uma teoria a esse respeito é possível fazer especulações metapsicológicas. “Foi a primeira vez que acompanhei esse processo, que é cultural no Rio Grande do Sul e se reporta ao sangue de Cristo”, defende Karin. Na esteira dessa longa e cruel tradição, deixa-se de antecipar ou de intuir a defesa dos oprimidos e permite-se que o abuso se contamine por outros campos sociais e seja “culturalmente” defendido.

A imagem, ainda que possa ser pensada como projeção mental, não acontece enquanto não se materializa. Segundo Hans Belting, a imagem depende de seu material, portanto aquilo que ela é se depreende do que ela é feita.

Santander Cultural
Rua Sete de Setembro, 1028/ Centro Histórico – Porto Alegre 
Tel. (51) 3287-5500
Ter. a sex., das 10h às 19h; dom., das 14h às 19h (não abre aos feriados)


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