Crítica – Falta a voz do artista em livro sobre Hudilson Jr

Sem Título. Crédito: Filipe Berndt
Sem Título. Crédito: Filipe Berndt


Posição Amorosa – Hudinilson Jr
., escrito por Ricardo Resende e organizado por Roberta Marinho, tem o objetivo de apresentar a obra do artista, morto recentemente com pouca visibilidade. Alguns artistas, como Hudinilson Jr. (1957-2013), são marginais ao mercado de arte por razões complexas e nem sempre só por incompatibilidade com as regras desse sistema, e sua morte poderia representar o desaparecimento do debate sobre sua obra.

Nesse sentido, Posição Amorosa (Martins Fontes, 464 páginas, R$ 75) tem a importância de documentar sua obra de forma ampla – praticamente todas as suas séries estão representadas na publicação de forma generosa – em mais de cem imagens. Além delas, o livro contém ainda um ensaio fotográfico, realizado por Vitor Butkus, na casa-ateliê de Hudinilson, revelando alguns detalhes de seu ambiente cotidiano, importante para a compreensão de sua obra, como Resende afirma ao longo da publicação.

Hudinilson é uma figura-chave das atividades transgressoras na cena paulistana dos anos 1970 e 1980, participando ativamente ora da cena de grafite na cidade, ora em intervenções públicas – através do Grupo 3NÓS3, criado com Mario Ramiro e Rafael França – e ainda nas ações experimentais do Museu de Arte Contemporânea da USP, à época de Waltez Zanini, seja pela mail art, seja pelo uso de novas tecnologias, como as máquinas de xerox.

Tudo isso já é suficiente para inscrever sua presença na história da arte recente, mas é certo que a partir
dos anos 1990 sua presença institucional diminui e falta na publicação algo que dê conta dessa lacuna. Apesar de seguir produzindo, especialmente colagens, elas não alcançam a visibilidade de suas outras ações. Entre 1990 e 2001, por exemplo, Hudinilson não organiza nenhuma mostra individual.

Sem Título. Crédito: Vitor Butkus
Sem Título. Crédito: Vitor Butkus

 

Para se compreender melhor isso, faz falta na publicação a voz do artista. Em muitos momentos, o autor explica a grande dificuldade em entrevistá-lo e mesmo o fato de ter perdido algumas horas de gravação por questões técnicas. Sua forma de compensação, contudo, é completar então a história com contextualizações um tanto óbvias – especialmente o capítulo dedicado aos anos 1970 ou o significado de um arquivo – e uma mitificação do artista e suas temáticas.

“Ele mostra que existe beleza entre dois homens fazendo sexo. Basta deixar de lado o preconceito e orientações religiosas”, chega a afirmar o autor em um trecho, de certa forma até banalizando a obra do artista. Afinal, mostrar beleza poderia dar a indicar que Hudinilson ansiava por uma arte com fins meritórios, quando fazer colagens de vários homens de pau duro está longe de se constituir em uma imagem elevadora moralmente.

A radicalidade e a importância de Hudinilson estavam justamente em não querer construir uma mensagem edificante, mas criar uma obra contundente e afinada com suas opções.

Ao longo de todo o texto, Resende insisti nessa complacência, compreensível em uma fala entre amigos, mas não em um texto que visa olhar para a produção de Hudinilson de forma ampla. Sem a voz do próprio Hudinilson, resta a leitura do curador amigo, por demais generosa e complacente. Como afirmava André Gide, “com bons sentimentos faz-se má literatura”.


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