Crítica – Manifesta 11

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O modelo arquitetônico do Pavilhão de Reflexões. Crédito: ETH Studio Emerson


Enquanto o mundo se polariza
cada vez mais em confrontos – contra imigrantes, contra pobres ou mesmo contra quem apenas discorda de alguém –, a 11a Manifesta, a Bienal que a cada edição ocorre em uma distinta cidade europeia, teve como questão central o diálogo. Com curadoria do artista alemão Christian Jankowski, a exposição  intitulada O que as Pessoas Fazem por Dinheiro – Algumas Parcerias reúne obras de 130 artistas, mas tem em sua seção central 30 duplas formadas entre artistas e habitantes de Zurique, sede desta edição do evento.

O sugestivo título não tinha um caráter sarcástico, já que a intenção do curador era investigar o trabalho cotidiano de cada um, ou seja, o que as pessoas fazem para sobreviver, como profissão. Assim como a arte tem na representação uma de suas questões centrais, o curador refletiu sobre como profissões acabam elas mesmas também se tornando uma representação.

A partir desse conceito, 30 artistas foram convidados a escolher um trabalhador da cidade suíça – a partir de uma lista com mil profissões – para juntos criarem algo. Essas parcerias, e aí está um dos trunfos da mostra, puderam ser vistas tanto no local de trabalho de cada um desses profissionais, chamados “Satélites”, como nos dois espaços centrais da Bienal: a Löwenbräunkunst (um imenso centro cultural construído em uma antiga fábrica de cerveja) e a Helmhaus. Com isso, a Manifesta deu cara e cor local à exposição, radicalizando uma ética do espaço que tantas outras mostras, como a Bienal de Istambul no ano passado, vêm procurando criar. Em Zurique, isso ocorreu de forma absolutamente lógica, através dessa simples proposta de Jankowski.

Entre as obras icônicas expostas estava a criada a partir da parceria entre o italiano Maurizio Cattelan – que retornou ao trabalho artístico depois de renunciar à atividade em 2011, após sua retrospectiva no Guggenheim de Nova York – e a esportista paralímpica Edith Wolf-Hunkeler, campeã mundial de corrida. Por meio de uma série de traquitanas, a esportista caminhou com uma cadeira de rodas sobre o lago de Zurique. A documentação do projeto pôde ser vista na Löwenbräunkunst. Outro encontro exemplar ocorreu entre a artista mexicana Teresa Margolles e a transgênero, que trabalha como garota de programa e massagista, Sonja Victoria Vera Bohórquez. Durante a mostra, ela se fez disponível para jogar pôquer com qualquer visitante no Hotel Rothaus, outro dos satélites da mostra. No Löwenbräunkunst, por outro lado, estava o vídeo de um jogo entre a transgênero e suas amigas, assim como trabalhos antigos de Margolles e uma incisão na parede, que lembrava tanto um gesto contra o cubo branco como a genitália feminina.

As 30 parcerias foram ainda subdivididas em 11 categorias, como Break Hour, Autorretrato e Autopromoção, ou Profissões Performáticas na Arte, sendo que em cada uma delas eram acrescentados trabalhos históricos que contextualizavam o agrupamento. Em Break Hour, por exemplo, estava uma foto da obra A Família Trabalhadora, do argentino Oscar Bony (1941 – 2002), que em 1968 contratou um operário pelo dobro de seu salário para permanecer com sua família em um pedestal de uma exposição, no Instituto Torcuato di Tella, em Buenos Aires. Já em Profissões Performáticas na Arte, uma das obras exibidas foi Detective, da francesa Sophie Calle, realizada em 1980, quando a artista pediu à sua mãe que contratasse um detetive para segui-la e apresentou, posteriormente, toda a documentação do investigador entregue à sua mãe.

Com essas obras históricas, Jankowski proporcionou um outro diálogo, dessa vez entre as novas obras e outras já conhecidas, mas agora revistas dentro do conceito da mostra O que as Pessoas Fazem por Dinheiro – Algumas Parcerias. O curador potencializou, assim, os trabalhos novos e atualizou os antigos, em um jogo sensível e inteligente.

A Bienal ainda se valeu de outros dois espaços: o Cabaret Voltaire e o Pavilhão das Reflexões. Esse último se tornou o emblema da mostra, por se tratar de uma intervenção radical na cidade: uma grande estrutura em madeira projetada e construída por alunos do estúdio Tom Emerson da Universidade ETH, em Zurique. O pavilhão foi concebido como uma mistura de espaço de lazer, com piscina, bar e uma imensa tela na qual foram projetados desde pequenos curtas sobre as obras da mostra, durante o dia, até filmes, durante a noite. Finalmente, o Cabaret Voltaire, onde há exatos cem anos teve início o movimento Dada – uma das razões de Zurique ter sido escolhida como sede dessa edição da Manifesta –, foi transformado em um grêmio para artistas. Há 23 agremiações na cidade que remontam aos tempos medievais, quando artesãos se reuniam em torno de suas atividades. Durante os cem dias da Manifesta, há uma programação de performances, organizada por meio de edital.

Com uma temática chamativa, O que as Pessoas Fazem por Dinheiro, e um conceito claro e inteligente, Jankowski criou não só uma mostra instigante para o público como um desafio para os artistas. E mais: envolveu os habitantes de Zurique, criando retratos e narrativas da cidade raros em uma mostra que costuma ter grandes dimensões. Em tempos de conflito, pequenos diálogos se revelam como potentes ferramentas para a renovação do circuito da arte.

Serviço – Manifesta 11
Até 18 de setembro
Zurique, Suíça


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