Em 2012, depois de ver as obras de Cícero Alves dos Santos, o Véio, na mostra coletiva Teimosia da Imaginação, no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo, o curador francês Hervé Chandès resolveu incluir os trabalhos do artista plástico sergipano na exposição comemorativa dos 30 anos da Fondation Cartier Pour l’Art Contemporain. As criações de Véio – figuras talhadas em troncos, galhos e raízes, e em seguida pintadas – hoje fazem parte de acervos de importantes instituições brasileiras, como a Pinacoteca de São Paulo, o MAM-RJ e o MAR – Museu de Arte do Rio, mas aquela era sua primeira incursão no cenário internacional.
Passados apenas três anos, Véio volta a ver sua obra reconhecida no exterior. A empresária Consuelo Castiglioni, diretora da marca italiana Marni, viu as criações do artista em Paris e resolveu comemorar os 20 anos de sua empresa com uma exposição de Véio, aberta na mesma semana em que teve início a 56a Bienal de Veneza.
Abrigada na Abbazia di San Gregorio, a mostra reúne mais de cem trabalhos de Véio e teve curadoria do italiano Stefano Rabolli Pansera, que na edição passada esteve à frente do Pavilhão de Angola, vencedor do Leão de Ouro da Biennale. Ele foi apresentado ao universo de Véio por Consuelo. “Eu imediatamente gostei de sua habilidade para subverter associações convencionais a partir de operações simples, com maneiras de esculpir ou pintar muito minimalistas”, diz Pansera.
Após o convite para conceber e montar a exposição, o curador visitou a Galeria Estação, em São Paulo, que no ano passado celebrou seus 10 anos com uma mostra de Véio. Foi também ao ateliê do artista, em Nossa Senhora da Glória, no interior de Sergipe. Lá, Pansera fez uma seleção inicial das peças, tendo em mente os espaços da abadia veneziana: obras de grande porte e bem coloridas para o claustro, esculturas de tamanho médio para os ambientes principais e uma série de figuras pequenas, pretas, para serem colocadas nos corredores. “Enquanto selecionávamos os trabalhos, separamos esculturas bem distintas em pequenos grupos. Essas diferenças produziram associações e cenários inesperados, e começaram a comunicar entre si. Foi assim que a exposição começou a ser montada”, conta o curador.
A Abbazia di San Gregorio foi uma escolha bastante ponderada. Pansera diz que sua ideia era “coreografar uma série de encontros”: da marca italiana com Véio, da cultura brasileira com Veneza, e assim por diante. “Nós escolhemos a abadia por ela não ser um lugar neutro. Queríamos que ela expressasse bem as afinidades de Véio com a sensibilidade da marca. A abadia é um espaço maravilhoso, que tem uma localização espetacular no Grande Canal, e, apesar disso, não é um lugar excessivamente imponente. Além disso, gostamos da possibilidade de dar de volta à cidade uma construção linda, que raramente é aberta ao público.”
O curador ressalta como Véio incorpora “a extraordinária tradição brasileira de arte, habilidade artesanal e arquitetura”, que ele diz reconhecer também na pesquisa e nos projetos de Lina Bo Bardi. “Ele é capaz de produzir trabalhos únicos que dialogam com o ambiente em que foram concebidos, sem serem típicos, que são locais, sem serem folclóricos. Véio nos coloca diante do valor da ‘marginalidade’ como um estado de espírito. Ele traz à tona a necessidade urgente de resistir à tendência a cair na prática ou no discurso uniformes da arte contemporânea.”
A mostra fica em cartaz até 22 de novembro, quando também termina a Biennale. Pansera cita Clarice Lispector para explicar que reações ele espera do público diverso que a exposição deve ter ao longo de mais de seis meses: “Ela escreveu que ‘perder-se também é caminho’. Quero que as pessoas se percam num espaço familiar, ainda que irreconhecível. Do mesmo jeito que as esculturas de Véio subvertem a percepção comum da madeira, a instalação muda a percepção do espaço. A disposição das obras dissolve a distinção entre interior e exterior, articula diferentes maneiras para se movimentar e sugere novos modos de habitar uma construção histórica, no centro de Veneza”.
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