Diálogos cartográficos

Obra de Manoel Veiga: fotografia produzida pelo telescópio Hubble,
Obra de Manoel Veiga que é parte da exposição

Se para muitos as representações cartográficas se resumem a um viés pragmático e utilitário, para artistas nem sempre elas são lidas dessa forma. Situada na Sala de Arte Santander, a exposição Mapas, Cartas, Guias & Portulanos apresenta alguns dos mapas antigos da coleção Santander e procura estabelecer um dialogo entre estes e trabalhos de artistas contemporâneos, como Vik Muniz, Marcelo Brodsky, Nelson Leirner e Ana Bella Geiger.

Os mapas que dão nome à exposição, são representações do continente americano executados entre os séculos XVI e XVIII por cartógrafos holandeses, italianos e franceses. Embora carregados de um viés pragmático (conhecer, dominar, controlar e colonizar), tais criações também eram objetos de luxo e exotismo, fazendo parte de coleções nobres e até mesmo reais da época. A dimensão artística dessas representações geográficas também era importante: a forma como se representavam habitantes, cidades, animais e mesmo as partes desconhecidas das terras retratadas permitem uma leitura dos mapas que extrapola o âmbito da Geografia e dialoga com várias outras áreas do conhecimento: a História da Arte, a Antropologia, a Sociologia, a Literatura, por exemplo. Foram essas inúmeras possibilidades de se ler um mapa que motivaram o crítico de arte e curador da exposição, Agnaldo Farias. “A cartografia é um tema que fascina não só a mim, mas a muitos outros artistas contemporâneos. A ideia de se controlar um território, conhecê-lo, dominá-lo e inclusive imaginá-lo se manifesta de diversas formas nos trabalhos dos artistas” explica ele.

A linguagem cartográfica é apresentada a partir de múltiplas formas e linguagens. Um que chama atenção é o do artista Rafael Assef. Intitulado Cartografia aos 27 anos, seu trabalho é uma fotografia da pele do artista, marcada por uma tatuagem quadriculada, uma ferida e uma cicatriz. Trata-se aqui, conforme explica Agnaldo Farias, de uma dimensão pessoal e íntima da cartografia. O mapa em questão fala de um território pessoal, dos percursos realizados por uma pessoa representados a partir de sua pele. Outra dimensão interessante que a mostra trata é a do mapeamento interno. O corpo humano como objeto cartográfico, também aparece na obra de Ângelo Venosa. Através de tomografias, o artista realiza um mapeamento do interior do corpo humano, que não deixa de ser aos nossos olhos um “território desconhecido”.

Trabalho de Vik Muniz. Foto: Divulgação
Trabalho de Vik Muniz. Foto: Divulgação

Como era e ainda é característico da cartografia, a representação de territórios longínquos não fica de fora do escopo da exposição. Assim como os mapas antigos representam mundos distantes (a América), alguns trabalhos recentes também o fazem, a exemplo das obras de Feco Hamburger e Manoel Veiga. O primeiro traz algumas imagens do maior telescópio terrestre do mundo, o ALMA, localizado no deserto do Atacama, enquanto que o segundo expõe uma fotografia produzida pelo telescópio Hubble. “O que interessa aqui não é apenas a representação cartográfica em si, mas o processo que a cria, e é por isso que os trabalhos de Hamburger e Manoel Veiga são interessantes. O primeiro apresenta o meio de produção dessa cartografia de um espaço distante, ao passo que o segundo traz o produto final”, explica Farias.

A política também é abordada através de questões como imigração, autoritarismo e capitalismo. Ao lado dos antigos mapas e realizado a partir de um deles, está, por exemplo, um trabalho do artista argentino Marcelo Brodsky, exilado pela ditadura que vigorou em seu país entre 1976 e 1983. Intitulado Mito Fundacional, a obra foi realizada sobre o mapa seiscentista de Jodocus Hondius, sobre a qual o artista realizou uma série de colagens com imagens de militares e cenas de guerrilha, além de rabiscos que remetem ao período autoritário vivido na America Latina. Diáspora, da artista sino-brasileira Chang Chi Chai, tem também conotações fortemente políticas. Seu vídeo traz um mapa mundi em que as fronteiras são desenhadas com pólvora, sendo eventualmente queimadas. Inventado pelos chineses para celebrar a vida, o explosivo acabou associado à guerras, mortes e a violência.

Também importante é a dimensão simbólica, representada no trabalho da série Assim é se lhe Parece, do artista Nelson Leirner. Também realizada sob um mapa antigo, o quadro consiste em uma série de stickers colados sobre a obra, sendo cada tipo associado a um país ou continente. “Todos os países fabricam produtos a eles associados, e os infantis não fogem à regra. Os stickers de Leirner são, além de objetos de entretenimento, dispositivos ideológicos” explica Agnaldo Farias.

Serviço – Mapas, Cartas, Guias & Portulanos
Até 30 de junho
Sala de Arte Santander – Av. Juscelino Kubitschek, 2235, térreo – São Paulo/SP
De segunda a sexta, das 8h às 19h


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