José Roca,?o jovem curador da 8ª Bienal do Mercosul, me fisgou logo nas primeiras páginas do catálogo ao declarar que, de antemão, toda bienal é uma batalha perdida, pois é impossível incluir todos os países, todas as regiões, todos os meios, todas as orientações sexuais, todas as etnias… Partindo dessa impossibilidade ontológica, aspira-se a um belo fracasso: fracasso que, como bem apontava Harald Szeemann, é uma das dimensões poéticas da arte.
Em meio ao caos da abertura do evento, que se espalhou pelos antigos armazéns do Cais do Porto, pelo Museu de Artes do Rio Grande do Sul (Margs), pelo Santander Cultural e por vários pontos da cidade, Roca, que era solicitado por todas as frentes, encontrou tempo para um ensaio fotográfico e um papo com a ARTE!Brasileiros.
ARTE!Brasileiros: Você tem sido responsável por curadorias de várias exposições de peso na Colômbia, nos Estados Unidos e no Brasil. No entanto, trabalhar à frente de uma bienal é diferente porque nos coloca diante da produção artística de maneira mais holística. Como foi dirigir a 8ª Bienal do Mercosul de Porto Alegre?
JOSÉ ROCA: Trabalho com arte desde meados dos anos 1980, primeiro em um museu e, ao longo dos últimos cinco anos, como curador independente. Nesta longa carreira, fui curador de muitas exposições, incluindo várias bienais, seja como cocurador (a Primeira Trienal Poli/Gráfica de San Juan, em Porto Rico; a 27 ª Bienal de São Paulo; os eventos de intervenções urbanas em Cartagena, na Colômbia; e Valparaíso, com intervenções no Chile) ou como diretor ou curador geral (Guatemala Bienal de arte Paiz; Philagrafika, na Filadélfia; e agora Mercosul). Sei o que funcionou bem nesses projetos e o que não. Quando fui convidado a propor um projeto para Porto Alegre, já tinha claro como queria fazê-lo; a experiência de ter feito outras bienais me ajudou muito, pois sempre se aprende com os erros e acertos, tanto nossos quanto dos outros que vemos e criticamos.
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AB: Hoje as feiras de arte internacionais assumem um protagonismo nunca imaginado em décadas passadas. Ter qualidade era mais importante do que vender. Hoje, não basta que os artistas façam um bom trabalho, eles devem conquistar o mercado e atingir um preço altíssimo para serem reconhecidos pela mídia e virar notícia. Como separar um artista de sucesso comercial de um bom artista, se a mídia não colabora neste sentido?
J.R.: As feiras, como você diz, têm quase a mesma visibilidade das bienais e, algumas vezes, mais recursos, e quase todas têm um programa com curador: salas de exposição, mostras individuais, seminários, conferências etc. Mas não têm um conceito que dá unidade ao que é apresentado, como em uma galeria, onde o tema é ditado pelo mercado. Assim, uma bienal deve olhar a arte sem olhar para o mercado, caso contrário, cairá, invariavelmente, em nomes conhecidos e não dará a artistas interessantes a oportunidade de apresentar-se, nem ao público de conhecê-los.
AB: Como já declararam alguns ícones da história da arte, como Anish Kapoor e Michelangelo Pistoletto, entre outros, estar numa feira de arte ou em uma bienal parece indiferente aos artistas nos dias de hoje. Seria pelo fato de que as feiras ocupam os espaços críticos das bienais, que hoje pouco provocam e, grande parte delas, reflete apenas experiências já vividas?
J.R.: Não acho que isso seja verdade. A bienal é vista com outros olhos; em uma feira vemos trabalhos individuais, mas não um conceito. Eu sei que muitos artistas preferem estar em uma grande exposição ou em uma bienal a estarem em uma feira, pois o feedback de uma feira é que, na melhor das hipóteses, o trabalho passa a fazer parte de uma coleção pública de prestígio. Em uma bienal existe a oportunidade de maior interação com outros artistas e com o curador, além da possibilidade de (idealmente) estabelecer uma conexão real com a cidade onde você trabalha.
AB: Como você vê três bienais de grande porte num mesmo Brasil – a Bienal de São Paulo, Bienal do Mercosul e Bienal de Curitiba?
J.R.: A de São Paulo tem mais de meio século de tradição e isso pesa na hora de avaliá-la, pois sempre deve ser observada em relação a uma importante história em exposição. Além disso, é verdadeiramente internacional e o tamanho do prédio pré-determina que sempre será uma exposição enorme. Não conheço bem a de Curitiba, apenas por catálogos, mas minha impressão é que ela ainda tem que definir um perfil identificável no exterior (eu, quando estava na Colômbia, ouvia falar muito mais da Bienal Internacional de Gravura de Curitiba do que da Bienal VentoSul). Acho que pode ser um problema de comunicação. A do Mercosul, desde o seu início, teve significado, pelo menos na América Latina, onde todos nós do meio ouvimos falar sobre ela ou a visitamos no passado. E, certamente, foi fundamental para a discussão da arte no Cone Sul. Nas edições recentes, sua lista de artistas tornou-se internacional e seu formato de curadoria mais experimental – e isso pode ser percebido na maneira como o prestígio internacional cresceu. Pelo menos essa é a minha percepção.
AB: Quais os caminhos da arte dentro das esferas institucionais?
J.R.: A institucionalização é uma das melhores formas para desenvolver a arte, pois é capaz de fornecer um marco sério e contínuo. Mas a institucionalização não pode ser o único componente de um campo artístico sólido: deve haver ações fora da instituição para criar um atrito crítico. O problema é que em muitos contextos, ingenuamente, critica-se a institucionalização como se houvesse um mal intrínseco em tudo o que é institucional, quando, na verdade, são as instituições que criam o contexto local por meio de um trabalho contínuo em longo prazo. Para responder à pergunta, há muitas formas de arte, algumas passam por uma instituição, outras não, e é assim que deve ser.
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