Estou sofrendo de depressão?

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Vista da instalação com diversas obras de Guan Xiao. Crédito: Timo Ohler


Incumbido pela primeira vez
de organizar uma exposição, essa é a primeira Bienal organizada por um website. Autointitulado DIS, o coletivo fashionista de Nova York, formado por Lauren Boyle, Solomon Chase, Marco Roso e David Toro, tem em seu nome a incongruência também encontrada na mostra: um prefixo – dis – que tudo altera, que subverte e inverte qualquer significado. Cinco lugares diferentes foram escolhidos na cidade de Berlim para apresentar trabalhos, em sua maioria novos, feitos por inúmeros participantes, dentre eles também artistas: a Akademie der Künste (AdK, Academia de Artes), o Kunstwerke – Instituto de Arte Contemporânea (KW), a Escola Europeia de Tecnologia e Gestão (ESTM), um antigo bunker da Segunda Guerra Mundial e uma viagem de barco no rio Spree; aparentemente arte tornou-se um produto interessante: arte como turismo, turismo como arte.

Todos os cinco espaços estão em conflito direto com seu entorno. A AdK era ainda uma ruína durante a primeira Bienal de Berlim, em 1998, então também usada como um dos locais expositivos. Ela é hoje em dia um sopro de esperança na Pariser Paltz, que, apesar de estar cheia de turistas tentando tirar selfies em frente a um portão antigo – também conhecido por Portão de Brandemburgo –, é um vazio de convivialidade, principalmente por causa das restrições impostas pelas embaixadas e bancos que demarcam a praça. Localizado no bairro Mitte, o KW pode ser visto como propulsor do processo de gentrificação, não apenas da rua onde fica, mas da área como um todo. Depois de o instituto ser estabelecido no início dos anos 90, galerias, cafés e concept stores inundaram a área que um dia foi o coração da Berlim Oriental. O edifício onde hoje está a ESTM era sede do Conselho de Estado da Alemanha Oriental e abriga a única parte que restou da fachada original do palácio barroco do século XV destruído pela República Democrática Alemã nos anos 50. Uma cópia desse mesmo antigo palácio é erguida exatamente no mesmo lugar de antes, como uma tentativa da população de recuperar qualquer conexão com seu passado – bem-vindos ao Presente em Drag. O quarto edifício, um antigo bunker de telecomunicações, onde hoje em dia está a Feuerle Collection, é o mais próximo de uma exposição convencional que os visitantes podem experienciar, com esculturas da artista chinesa GUAN-Xiao, que valem a pena ser vistas. Por último, um passeio num barco turístico pelo rio Spree mostra vídeos e performances que acontecem em apenas certos horários.

Vídeo é o formato dominante, seguido de performances que aparentemente um número muito reduzido de pessoas teve a chance de ver e que deixaram nada além de um cenário vazio e a sensação de alívio de as ter perdido. Como visitante, vai-se de sala vazia para sala vazia – ainda bem, menos duas salas para ver, check! – e depois se depara com vídeos de altíssima definição que “são tão cool que você pre-ci-sa ver”. O engraçado é que ao visitar a exposição fui o único a sobreviver à instalação da Cécile B. Evans de 40 minutos e depois passar para a próxima sala (também às moscas) com outro vídeo, agora com 56 minutos de duração – e que é provavelmente de algum outro coletivo fashionista de NY. Apesar dos mega- ambientes tecnológicos feitos em torno desses vídeos, não atraem muitos espectadores.

O Presente em Drag (The Present in Drag) é o tema perfeito para a geração pós-internet, uma geração que vai às aberturas ­– a todas elas, sempre informados, postando tudo em todas as redes sociais possíveis – mas será que vê alguma coisa? Como conceito, o coletivo acertou em cheio. A internet e a tecnologia nos conectaram ao mundo todo, mas também nos distanciaram e serviram como substitutos do contato humano direto. Em muitos trabalhos expostos, como os da Josephine Pryde, não são mais mãos dadas o que se vê, mas a mão apenas como ferramenta para uma tela sensível ao toque. Paisagens de uma viagem de trem são substituídas por qualquer outro motivo na tela do smartphone ­­– é a supremacia da janela virtual diante da experiência real. Esse é o presente em drag. Um presente em que contato humano é trocado por realidades alternativas, produzidas por meio de uma quantidade imensa de imagens e sons que nos confundem e nos desgastam. Em algumas obras da Bienal vê-se a procura pela felicidade – mas o que significa mesmo felicidade? –, traduzida em produtos ou sexo e não em emoções ou relações. Esse esvaziamento de tudo é produto de um modo de vida que foi vendido a nós num momento de completo desespero causado pela dependência – e não independência – que a maior parte das tecnologias causou. Essa é a Bienal do medo contemporâneo de perder alguma coisa – um fear of content – que aparenta evidenciar que, na busca de alcançar a tudo, nos tornamos rasos.

Nesse sentido, a nona edição da Bienal de Berlim confunde os visitantes, que ou não têm tempo para ver todos os longos vídeos ou não têm mesmo interesse nenhum em fazê-lo. O presente em drag é o presente dos não interessados, mas que agem como se estivessem. E não seria esse um tema urgente? Somos então confrontados no texto introdutório de repente e de novo com questões à primeira vista menos importantes como “Is wheat poisonous?”, “Do I like Shakira?” e “Is Iraq a country?” (Trigo é venenoso?; Eu gosto de Shakira?; Iraque é um país?). Isso é tudo realmente muito sério, mas ei!, dá uma risada! Eu digo não, DIS, não é um bom momento para isso. Estamos em 2016 em Berlim, existe uma guerra na Ucrânia que ninguém está comentando, milhares de pessoas estão se afundando no Mar Mediterrâneo, existe um ataque à democracia no Brasil em curso, o Reino Unido esta tentando sair da União Europeia e ainda existem pessoas sendo mortas dentro de nighclubs em Orlando. Será que estão nos fazendo essas perguntas aparentemente sem importância porque a chamada geração pós-internet é medrosa demais a ponto de evitar qualquer tipo de confrontação direta? Será que precisamos mesmo rir de tudo, curtir tudo e fazer um evento de toda e qualquer ocasião? Essa geração pós-internet (é assim que o coletivo DIS gosta de se autoproclamar) é, de acordo com essa Bienal, uma geração mimada, triste e egoísta. A resposta à “Am I suffering from depression?” (Estou sofrendo de depressão?) é: é claro que vocês estão.

É difícil julgar se o coletivo tem completa consciência do que eles estão propondo ou se tudo isso não passa de mais uma das piadas mal colocadas deles. Quando eles nos perguntam “Is Iraq a country?”, eu respondo: tentem sair da sua zona de conforto e convidem artistas que não sejam homens brancos que moram no eixo L.A.-NY-Berlim. Má notícia: a sua comida vegana, seu suco detox e sua camiseta de 90 euros – que está, aliás, sendo vendida pelo artista/designer/marca Telfar como parte da Bienal por esse preço absurdo – não têm nada a ver com a realidade fora dessa exposição-website. Infelizmente, o resto do planeta não goza da mesma realidade dos EUA e da Europa, no que diz respeito ao meios técnicos e de qualidade de vida – teríamos de ser incrivelmente etnocêntricos para pensar o oposto. DIS teve a grande oportunidade de revolucionar o jeito que exposições são feitas hoje em dia, talvez como uma mostra completamente online, como a própria revista deles, mas caiu no erro de usar meios tradicionais e conservativos do espaço físico como maneira de tematizar fluidez e interconexões em forma de vídeos, que poderiam ser apresentados em qualquer outro lugar. Esse é o presente em drag, um mundo fadado a não ter um futuro cultural e plural, se insistir em ignorar todo o resto. Que “dis-graça”.

Assista abaixo o vídeo sobre o tema da Bienal:

 


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