Exposição reúne obras de Jiří Kolář, artista tcheco perseguido pelo regime soviético

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Sorriso Misterioso, Jiří Kolář. Foto: Divulgação

“Compare com suas lembranças: o primeiro dos meus amigos foi atropelado por um trem, o segundo se afogou, o terceiro se enforcou”.  Assim o artista tcheco Jiří Kolář começa um dos tantos poemas que escreveu para criticar o regime soviético. Expoente da cultura tcheca no século XX, o artista ficou conhecido por suas colagens fragmentadas e poemas que tratavam de temas como a história e a cultura popular.

A produção múltipla do artista pode ser conferida na exposição As Descobertas de Jiří Kolář: Colagem e Experimentação, em cartaz no Instituto Tomie Ohtake. A mostra é a primeira individual do tcheco organizada no País. São exibidos cerca de 70 trabalhos do artista que, em 1967, foi premiado na 10ª Bienal de São Paulo. O curador da instituição, Paulo Miyada, afirma que um dos objetivos da mostra é apresentar a produção de Kolář ao público brasileiro.

“Ele é um artista central da vanguarda tcheca que nós, aqui no Brasil, ainda conhecemos muito pouco. Suas obras quase não fazem parte do nosso repertório de história da arte. Por isso, quisemos mostrar um amplo panorama da sua produção”, afirma.

Nascido em 1914, Kolář trabalhava inicialmente como poeta e tradutor. Ele foi um dos fundadores do famoso Grupo 42, movimento de orientação surrealista que reuniu diversos artistas do país. Em 1953, Kolář foi preso por conta de seus textos considerados ofensivos ao stalinismo.

Como estratégia para poder se expressar, o artista passou a produzir apenas trabalhos de artes visuais. Carolina de Angelis, que também faz parte da equipe de curadoria do instituto, comenta essa virada na carreira do tcheco: “Quando as poesias de Kolář foram censuradas, ele percebeu que ainda podia usar as palavras, mas precisava ser de uma outra maneira, mais velada. Então, começou a fazer colagens que empregavam princípios literários. Cada fragmento de imagem que ele utilizava nas colagens funcionava como versos na poesia”, afirma.

 

Para Miyada, o tcheco levou a colagem ao extremo, ampliando cada vez mais seus limites: “Em seu trabalho, ele demonstrou que existem vinte, trinta linguagens dentro da colagem. Algumas são irônicas, outras relacionadas à cultura popular e os veículos de massa; e ainda há aquelas introspectivas e próximas do desenho. Em sua produção, ele abriu todo esse leque que nos ajuda a olhar para o conceito de colagem de uma maneira mais ampla”.

Essas várias linguagens estão presentes na exposição que apresenta as técnicas adotadas por Kolář . Na rollage, por exemplo, o artista cortava reproduções de imagens consagradas em tiras e as reordenava. O artista dialogava com a própria história da arte misturando imagens de épocas distintas, como na obra Sorriso Misterioso (veja no topo desta página), na qual ele une a imagem de Mona Lisa, de Leonardo Da Vinci, com as de outras pinturas.

Miyada comenta que, como um bom colagista, Kolář  brincava com os significados prontos: “Ele utilizava fotos de obras consagradas, que todo mundo conhece e já tem uma espécie de bula, e intercalava com imagens de outras produções, abrindo caminhos para enxergarmos novos sentidos, paisagens e justaposições”.

Outra técnica empregada pelo tcheco era a froissage, na qual o artista deformava os temas originais das imagens por meio do ato de amassar o papel. Essa técnica, que ele inventou sem querer ao amassar um poema e gostar do resultado, foi muito utilizada por Kolář  para realizar seus autorretratos, que lembram um estilo cubista. Outra obra feita dessa forma é oh liberdade sentido de tudo, que mostra a estátua da liberdade cerceada por tábuas, numa clara alusão à opressão do regime socialista.

Essa crítica política está presente, ora de forma sutil ora velada, ao longo de toda exposição. Na entrada, por exemplo, uma série de colagens retrata a aristocracia tcheca. “Nesse primeiro conjunto, ele alfineta um senso burguês que, embora o país tivesse passado por uma revolução, ainda existia”, afirma Miyada.

O curador comenta que as obras do artista só foram adquiridas pelos museus tchecos após o fim da União Soviética. “Somente no fim do século, as instituições culturais o reconhecem como um artista maior. Antes, isso era impossível por ele divergir ideologicamente e conceitualmente de uma pergunta muito básica: “Qual a função da arte?” A arte para ele era poesia, liberdade, e não propaganda”.

Serviço – As descobertas de Jiří Kolář: colagem e experimentação
Até 2 de abril
Instituto Tomie Ohtake
De terça a domingo, das 11h às 20h – entrada franca
Av. Faria Lima 201, complexo Aché Cultural, 11 – 2245 1900

 


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