Manual do perfeito midiota – 68

Foto: EBC
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A semana se encerra sob o signo da discórdia.

O presidente do Tribunal Superior Eleitoral e ministro do STF, Gilmar Mendes, acusa o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, de cometer crime ao realizar uma “entrevista coletiva em off” para promover vazamento seletivo de informações supostamente guardadas sob sigilo, no pacote de delações de dirigentes da Odebrecht.

O procurador responde que o magistrado sofre de “desinteria verbal” e o chama de mentiroso.

Afora o fato de que a palavra “desinteria” não existe em língua portuguesa, deve-se observar também que “entrevista coletiva em off” é uma antiga anedota de jornalista.

Pelo jeito, os assessores do procurador nunca compareceram às reuniões de boteco em que os jornalistas costumavam praticar o saudável desporto da maledicência contra os ausentes.

Ficamos combinados: conversa de fonte em “off” só pode ser feita na presença de um jornalista, talvez dois, no mais estrito nível de confiança.

Entrevista coletiva em off, ou seja, da qual não pode vazar a identidade do entrevistado, é mais uma piada neste país da piada pronta.

Agora, quanto à palavra usada pelo procurador para qualificar, ou melhor, para desqualificar o verborrágico ministro da Suprema Corte, talvez ele tenha se referido à palavra disenteria, do grego δυσεντερία, que quer dizer diarreia, ou o conjunto de sintomas de uma forte dor de barriga.Na origem grega, um tradutor pândego diria que se trata de uma descarga de palavras pelo sistema entérico, intestinal, ou seja, na opinião do procurador-geral o ministro evacuou pela boca, o que não é pouca porcaria em termos de descompostura.

Muitos jornais de papel e portais digitais procuraram revisar a fala de Janot, poupando-o do vexame da pouca familiaridade com o idioma, mas o vídeo com sua declaração não deixa dúvida sobre o ataque ao léxico: ele disse mesmo “desinteria”, e não “disenteria”.

Colunistas, comentaristas e âncoras da imprensa hegemônica ficaram atônitos e apenas alguns poucos deles tomaram partido. Afinal, Mendes tem razão ao dizer que os vazamentos são criminosos, mas se fossem contidos os vazamentos esses jornalistas ficariam sem pauta.

O ministro chegou a afirmar que alguns autores de vazamentos os fazem com intuito político, com intenção de buscar os holofotes com o fim de futura candidatura.Janot sentiu o golpe.

O episódio iluminou de maneira esclarecedora o lamaçal em que foram lançadas as instituições da República depois que o “baixo clero” do Congresso quebrou a ordem democrática e colocou na presidência o sr. Michel Temer.

Mais do que isso, os rojões lançados ao ar pelo presidente do TSE e o chefe do Ministério Público Federal demonstram, até para o mais crédulo dos midiotas, que a suposta cruzada contra a corrupção nada tem de Justiça.

A operação Lava-Jato e suas ramificações se revelam cada vez mais como uma farsa na qual há uma lista de condenados a priori e uma sucessão de acusados para os quais os operadores do sistema buscam uma saída aceitável.

No meio dessa balbúrdia, é natural que alguns oportunistas busquem um canto na luz dos holofotes para marcar presença e, quem sabe, ganhar um tiquinho de celebridade.

Enquanto isso, o presidente enterino e seus aliados no Parlamento fazem avançar a agenda do atraso, buscando desmantelar o sistema de proteção do trabalho e ameaçando quebrar a espinha do sistema produtivo nacional.

A acusação do ministro Gilmar Mendes e a reação do procurador-geral dão um sinal do nível de irresponsabilidade com que é conduzido o arremedo da “operação Mãos Limpas” italiana por aqui.

Segundo os advogados do boletim “Migalhas” (edição 4075), as empresas acusadas na operação Lava-Jato já demitiram 300 mil funcionários nos três anos dessa história, o que, se não as livra de responsabilidades, mostra o estrago provocado pela forma desastrada com que as coisas são feitas.

Não é mera coincidência que escritórios de advogados americanos estão procurando delatores que aceitem acusar empresas brasileiras de capital aberto de práticas comerciais ilegais e corrupção.

O clima em Brasília lembra um episódio em que o espirituoso vereador João Brasil Vita, recentemente falecido, observando um tumultuado bate-boca no plenário da Câmara de São Paulo, atendeu o telefone na mesa diretora com as seguintes palavras: “Casa de tolerância santa izildinha, boa tarde…”


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