O Mosteiro de São Bento, em São Paulo, local histórico cravado no centro da cidade com 400 anos, abre suas portas para eventos culturais. Agora, é a vez da segunda edição do projeto de ocupação de dependências do Mosteiro de São Bento. A mostra Itinerário da Mente para a Luz (Parafraseando São Boaventura) tem curadoria da portuguesa Fátima Lambert e a participação dos artistas José Rufino e Cristina Ataide, também de Portugal.
Projeto idealizado como uma residência de duas semanas no próprio mosteiro tem como ponto de partida, segundo a curadora, princípios de deslocamento e inserção à busca da luz. Esse desafio foi abraçado por José Rufino e concretizado em obras, que remetem à usual pesquisa e criação do artista ao lidar com a temática da memória, desdobrando-se para contextos específicos – sociais, políticos, trabalhistas ou humanitários –, a exemplo de obras já executadas anteriormente.
[nggallery id=16011]
José Rufino nos revela que, no caso do Mosteiro, a história iconográfica, a indumentária, o mobiliário, os ritos e a nomenclatura religiosa serviram como motivos conceituais para o desenvolvimento de seu trabalho. Surgem aí duas obras esculturais individuais que levam em seu título uma referência da relação entre o corpo e a noção de alma – Intentio Animae e Ita Sunt Animae. O resultado, porém, deve ser visto como uma metáfora, não se apegando ao uso direto de objetos do universo e conceito religioso, com exceção de um crucifixo inserido no centro de um dos objetos. Os trabalhos são intencionalmente expostos em salas individuais que demarcam espaços físicos extremos do labiríntico mosteiro, como a dificultar o percurso da mente para a luz.
Em uma saleta no andar térreo está instalada Ita Sunt Animae. O ambiente aí é sereno, quente, pontuado pela luz do jardim interno do mosteiro, vinda de uma única janela da sala. Eis no centro esse ser desprovido de todo e qualquer vestígio de vida, pois se trata de um esqueleto de madeira suspenso do piso por uma construção, tendo como elemento central a foice da morte em forma de cruz. Como contrapartida ao esqueleto, tem-se no outro extremo do suporte uma cadeira isolada de sua função original, tendo sido esfacelada e prostrada com suas partes isoladas delicadamente sobrepostas de forma retilínea a criar um novo ser. Ambos, esqueleto e cadeira, se apresentam como oferendas, oscilando entre a vida e a morte.
Já em uma sala no último andar do prédio, ao lado da capela encontra-se Intentio Animae, exposta em um ambiente branco, estéril e sublime, desprovido de ornamentos e aconchego. Duas cadeiras unidas pelas costas representam corpos inexistentes. Estas estão interligadas por tubulações de máquinas a vapor desgastadas e anexadas no encosto dos objetos, gerando nos mesmos orifícios abertos. Nesse emaranhado tubular estão acoplados aparelhos de medição de pressão. Na parte central encontra-se um crucifixo resguardado em um velho recipiente de vidro. Essa assemblage desconfortável, dramática e intrigante induz a uma troca verbal, corporal, entre dois seres ausentes, cujo longo e árduo itinerário mental se diluiu na luz espacial.
Deixe um comentário