Luis Felipe Noé no MAM do Rio

Ver a retrospectiva de Luis Felipe Noé, o Yuyo Noé, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, acompanhada por ele, foi muito mais do que reviver as turbulências políticas e sociais que sacudiram a Argentina nas décadas de 1960 e 70. A seleção pontual das 55 obras que marcaram sua trajetória, feita pelo curador Franklin Pedroso e pelo próprio Noé, permitiu uma leitura linear, colocando foco sobre os trabalhos que provocaram rupturas na história profissional do artista, entre 1960 e 2009, incluindo as obras expostas na Bienal de Veneza de 2009.

Um dos marcos na vida de Yuyo Noé foi a coletiva do grupo denominado Outra Figuração, em 1961, na galeria Peuser, em Buenos Aires, junto com Ernesto Deira, Rómulo Macció e Jorge de la Vega, quando deixaram com que todos conhecessem seus objetivos: “Somos um conjunto de pintores que, em nossa liberdade expressiva, sentimos a necessidade de incorporar a liberdade da figura”. Com esse enunciado, eles passaram a criar uma arte que expressava suas visões pessoais sobre o clima político da Argentina, fazendo conviver, no mesmo processo, a vanguarda estética e a vanguarda política.
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Essa forma de pensar a arte derivava da nova subjetividade que, na Europa, se afirmou a partir da tradição expressionista e, na Argentina, com experiências levadas a cabo por esses quatro artistas.

Noé lembra da efervescência cultural da Argentina na época, quando o Instituto Di Tella, dirigido pelo crítico Romero Brest, eclipsava os demais centros de arte da época. O que difere a produção artística de hoje e a daquele momento?: “Havia uma leitura linear dos processos históricos e hoje as coisas ocorrem simultaneamente, como uma orquestração da experiência”. Noé acredita que a arte feita no começo de cada século acaba por definir a produção daquele século. “Se pararmos para pensar vamos ver que foi sempre assim”, afirma ele.

Quando perguntado se o expressionismo influenciou seu trabalho, especialmente por meio do grupo CoBrA, integrado por artistas de Copenhague, Bruxelas e Alemanha, não só pela proximidade da pintura, como também pelas atitudes políticas e de rupturas, ele é enfático: “Na Argentina sempre estão procurando influências de outros pintores em minha obra. Não tenho proximidade com os artistas do CoBrA. Se tivesse que dizer quem me influenciou mesmo, diria que foi Perón”. O Presidente argentino operou uma marca indelével na história política argentina e abriu caminho para indagações dessa geração. Em 1961, Noé realiza a série Federal.

Na década de 1960, a palavra de ordem era “o ser nacional“, conforme a propaganda política da época. “Não se falava em outra coisa, tudo era relacionado com o ser nacional, como se fosse um bordão. Então, em 1965, decidi fazer um trabalho que traduzisse a ideia argentina de ser nacional“. Com a ousadia de sempre, Noé criou uma escultura, algo que se assemelha ao que hoje chamam de instalação. Um amontoado de fragmentos de quadros, madeiras, promovendo uma grande desconstrução, um caos visual a que ele deu o título de El Ser Nacional. “Eu retratara o caos político social da Argentina da época, sob este título”. Três anos antes, ele já havia experimentado a compartimentação da superfície pictórica, no quadro Introducción a la Esperanza.

Após a experiência da Outra Figuração, ou Nova Figuração, o grupo se dissolve. “Foi uma morte natural porque, bem próprio de todo agrupamento juvenil, havia a necessidade de formular novos postulados, para logo cada um seguir o caminho individual”, lembra.

Noé ganha a bolsa Guggenheim e vai viver em Nova York. Foi lá que ele radicalizou sua pintura ao, supostamente, destruir um trabalho. “Na verdade eu não o destruí. Eram apenas molduras sem tela, mas isso pouca gente sabe. Em Buenos Aires diziam que eu tinha destruído um quadro e lançado ao rio”.
Na ocasião, Noé publica um texto, também controvertido, o Antiestética, 1965, em que desenvolve sua teoria do caos. Tudo isso antes de retornar a Buenos Aires e fazer nove anos de pausa na pintura.

Artista múltiplo, Noé já participou da Bienal Internacional de São Paulo, em 1985. Pintor, teórico de arte e escritor – com 12 livros publicados e mais uma dezena de escritos teóricos -, ele é um intelectual que nunca deixou de considerar o seu entorno. Centrou sua produção em temas históricos, míticos e relacionados à natureza, sempre com uma visão profunda e ousada. Foi assim que ele desembarcou no Rio Amazonas, onde se hospedou na casa do amigo e poeta brasileiro Thiago de Mello. “Foi ele quem me levou, incentivou e me introduziu nos mistérios da Amazônia.” Dessa experiência surgiu a série Amazônica, uma obra ecológica, poética, que traz na matéria a ideia de América.

Depois do exílio em Paris, fugindo do violento golpe militar de 1976, ano em que marca seu retorno à pintura, Noé volta para Buenos Aires em 1987, onde dá continuidade aos trabalhos em lona. Quando perguntado sobre o que significa para ele contemporaneidade, ele responde: “Dizer que um tipo de arte é contemporânea é não saber do que se trata. Hoje acontecem muitas coisas ao mesmo tempo; é a orquestração das experiências. Como dizer que um trabalho de 20 anos atrás, por exemplo, é contemporâneo ou não?”

Aos 77 anos, Luis Felipe Noé continua a produzir regularmente e com muita energia, em seu ateliê portenho. Suas obras fazem parte do acervo de museus na Europa, Estados Unidos e América Latina, incluindo o MAM do Rio de Janeiro.Quando convidado para expor na 1ª Bienal do Fim do Mundo em Ushuaia, na Argentina, não se importou com as baixíssimas temperaturas da cidade mais austral do planeta. Em vez de escolher um local interno para sua obra, protegido com calefação, optou por fazer uma pintura mural sobre um dos edifícios da cidade. Vento, chuva e frio não o afastaram da obra, que se tornou um marco da 1ª Bienal patagônica.


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