Lyon revê o moderno à luz dos problemas contemporâneos

Homeless (2014), escultura do artista plástico grego Andrea Lolis
Homeless (2014), escultura do artista plástico grego Andrea Lolis

  “Bienal é para colocar questões”, definiu o curador Ralph Rugoff, na entrevista coletiva que abriu a 13a Bienal de Lyon, em setembro passado, com o título A Vida Moderna, inscrevendo a mostra em mais uma a rever o legado modernista, como a Trienal da Tate, em 2009, com curadoria de Nicolas Bourriaud.

“A ideia de vida moderna, obviamente, parte de Baudelaire, e quando procurei no Google e vi que havia apenas uma mostra com esse nome, feita em 1999, achei que seria tudo bem trabalhar com esse título”, justificou o curador norte-americano.
Diretor da Hayward Gallery, um espaço não comercial em Londres, Rugoff parte da ideia de que “várias trajetórias do projeto moderno ainda afetam e modelam diretamente nossa percepção”, para organizar uma mostra que aborda questões atuais e sensíveis, especialmente na Europa atual, como a imigração e o uso da tecnologia.

Além dessas duas temáticas, a exposição possui um eixo mais genérico, que foca a vida cotidiana de forma geral. Trata-se, portanto, de uma bienal que busca encarar o presente. Nesse sentido, a perplexidade dos dias atuais se manifesta já na primeira obra da mostra, na Sucrière, uma antiga fábrica de açúcar, com a instalação do artista chinês Liu Wei, Enigma. A peça é literalmente um labirinto, que simula edifícios de grandes metrópoles em lonas de caminhão que embalam grandes volumes. Assim, em Enigma, nunca se percebe o todo, apontando de início para uma das dificuldades da chamada vida moderna, que perpassam todo o século XX e persistem no século XXI.

Apesar dessa noção de perda logo no início, a 13a Bienal de Lyon acaba se construindo com um discurso bastante claro, com obras dispostas em espaços amplos, sem interferências maiores, mesmo que o som, como nas grandes metrópoles, constitua um fator um tanto desestabilizador em alguns momentos. O melhor caso é a obra do francês Céleste Boursier-Mougenot, o artista que faz árvores andarem no Pavilhão da França da 56ª Bienal de Veneza, em cartaz até 22 de novembro. Em Lyon, Boursier-Mougenot comparece com uma obra que ressoa por toda Sucrière, tornando-se mesmo uma peça que dá tom à mostra. Ela ocupa o vão central do edifício: do alto, em ritmo espaçado, caem sementes de cereja em cima de uma bateria, o instrumento musical, cujo som reverbera por todo o espaço expositivo.

Além da Sucrière, esta edição segue utilizando todo o Museu de Arte Contemporânea (MAC) de Lyon, afinal, a própria entidade criadora da Bienal, e ainda três salas de outras instituições da cidade: o Museu das Confluências, o Parc de la Tête d’Or e a galeria do Instituto Lumière.

A Bienal de Lyon tem uma história muito particular: foi criada pelo diretor do MAC de Lyon, Thierry Raspail, que selecionou os curadores de todas as suas edições, estabelecendo trilogias temáticas a partir de uma palavra: História (1991, 1993 e 1995), Global (1997, 2000 e 2001), Temporalidade (2003, 2005 e 2007) e Transmissão (2009, 2011 e 2013). Com isso, a Bienal se aproxima de uma investigação que está mais relacionada à de um museu, ao constituir questões e investir na formação do público. Por isso, a palavra da trilogia que se inicia com a 13a é Moderno.

“O Moderno descreve tanto o período Neolítico como a Era do Bronze, até o seu colapso, um pouco mais de três mil anos atrás”, explica Raspail, afastando o conceito de sua relação mais óbvia com a arte, que compreenderia o final do século XIX até meados do século XX. “O Moderno desapareceu em algum momento nos anos 1980 com o surgimento do Pós-moderno, o fim das ‘grandes narrativas’ e o fim do que foi pensado como o fim da história”, completa o diretor.

Ao buscar tratar, ao final, de problemáticas contemporâneas, a 13a Bienal de Lyon se aproxima de outras bienais recentes, como Veneza, São Paulo e Istambul, que também abordam o real, contudo de forma menos radical que suas similares. “Como toda boa arte, a Bienal é composta de trabalhos complexos”, defende o curador. Entre os mais poéticos estão as esculturas de mármore do grego Andreas Lolis, réplicas de caixas de papel e pedaços de madeira utilizados por sem-teto para construir abrigos. Ao usar um dos mais nobres materiais da história da arte, Lolis constrói um memorial sobre a faceta trágica da vida moderna.

13ª Bienal de Lyon – A Vida Moderna
Até 3 de janeiro de 2016
biennaldelyon.com


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