Finalmente?o período das vacas gordas parece estar voltando para o Museu de Arte de São Paulo.
A exposição que celebra a pintura alemã, desde a queda do muro em 1989, faz um amplo retrospecto com obras de grandes dimensões de pintores relevantes no cenário atual. Para um pintor que viveu intensamente essa época de retorno à pintura, a exposição permite fazer um balanço geral tanto lá como cá. É uma pena que três dos maiores nomes desse processo não estejam presentes: Anselm Kiefer, Georg Baselitz e Sigmar Polke. Nesse sentido, creio que a força da pintura inicial dos anos 1980 não aparece de fato, o eixo da exposição se move ao longo dos anos 1990, em que a verve expressionista inicial passa por uma revisão crítica. Se compararmos a pintura de Penck e Immendorf às de Richter podemos notar uma mudança de paradigma. Em vez de uma pintura com traços expressionistas rápidos e arbitrários, notamos como contraponto a pintura minuciosa de Richter, de matiz mais conceitual, em que a imagem é mediada pela fotografia. Entre os pintores mais jovens, creio que duas posturas aparecem de forma distinta: por um lado podemos ver a herança expressionista revisitada de modo nostálgico, em que terra, cultura e socialismo são temas recorrentes, e, além disso, a figura de Neo Rauch é a que mais se destaca. Por outro lado, temos uma reflexão do gesto mais distanciada, de modo que a imagem surge quase como um ready-made, algo que já estava no mundo e que não é fruto apenas da imaginação do artista; as obras de Katharina Grosse e Franz Ackerman se destacam nesse sentido. Temos portanto dois modos distintos de ver o mundo, e aqui cabe refletir em que medida esses dois mundos ainda fazem parte de uma Alemanha dividida por um muro invisível. Se Neo Rauch ainda vive em Leipzig, isso representa uma escolha por uma Alemanha que ainda guarda consigo traços do seu passado comunista. A forte tradição pictórica alemã está ligada ao papel decisivo que as academias de arte desempenham em cidades como Düsseldorf, Berlim e, agora, Leipzig. Na década de 1960, vários artistas, como Sigmar Polke e Richter, vivenciaram essa dualidade, saíram da Alemanha Oriental e encontraram uma realidade cultural totalmente distinta na Alemanha Ocidental. Tal estranhamento é parte constitutiva da poética desses artistas. Obviamente essa experiência não é mais possível em uma Alemanha reunificada. Porém, neste mundo onde a globalização é menos efetiva do que se esperava, as diferenças regionais tendem a se fortalecer, e alguns muros perduram invisíveis em nosso imaginário.
Marco Giannotti é pintor e professor da Escola de Comunicação e Artes – USP
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