E a roda segue girando

Público da Frieze Art Fair de Londres à frente da obra do artista alemão Gerhard Richter. Foto: Hélio Campos Mello
Público da Frieze Art Fair de Londres à frente da obra do alemão Gerhard Richter. Foto: Hélio Campos Mello

Crise econômica, retração nas vendas, sensação de incerteza, encolhimento de feiras e necessidade de buscar novos nichos de mercado para compensar as quedas internas. O alarmismo tomou conta de fatia do mercado brasileiro de artes plásticas, em parte baseado em números concretos e no clima político-econômico nacional, e o medo da crise no setor se tornou tema recorrente nos círculos das artes e em artigos na mídia nacional. Um olhar mais aprofundado e contextualizado para a situação, além da análise de outros números, aponta, no entanto, para um quadro mais complexo e menos trágico do que alguns insistem em ver. Galerias seguem sendo abertas, bons negócios têm sido fechados e o volume de exportações de arte contemporânea brasileira quase dobrou no último ano. Segundo galeristas e profissionais da área ouvidos pela ARTE!Brasileiros, 2016 será um ano de desafios, em que novas estratégias devem ser testadas, mas estamos longe, e muito, de um colapso.

Após anos de crescimento acelerado nas vendas de obras – uma média anual de 22,5% entre 2010 e 2014, de acordo com dados da Pesquisa Setorial do Projeto Latitude (Platform for Brazilian Art Galleries Abroad) –, números anunciados por algumas galerias apontam uma situação diferente em 2015. Casas consolidadas no mercado como Millan, Fortes Vilaça e Anita Schwartz são algumas das que citam quedas nas vendas em torno de 30% a 40% no ano. Outras, como Nara Roesler, Vermelho e Mendes Wood, porém, confirmam que o último ano foi estável ou mesmo de crescimento. Ainda não há números detalhados de mais galerias, o que deve vir apenas com o próximo relatório Latitude, que sai no segundo semestre do ano, mas o quadro menos favorável no Brasil se alinha também com o panorama global de redução de vendas, segundo relatório da Tefaf (leia mais aqui).

“Na verdade, eu tenho dúvida se essa retração é tão aguda quanto estão dizendo, até porque esse é um mercado que não necessariamente flutua junto com o resto da economia”, afirma Mônica Novaes Esmanhotto, consultora do Latitude. “Claro, no convívio com as galerias o comentário que se repete é de que 2015 foi um ano mais difícil. Mas também porque se está comparando com anos excepcionais, de 2012 a 2014, que vieram numa crescente enorme, até fora do padrão. Então quando acontece uma queda, não significa que foi um ano ruim. As coisas sempre tendem a se acomodar uma hora, não dá para seguir em uma ascendente tão aguda para sempre”, conclui ela.

A abertura de novas galerias – como Periscópio (Belo Horizonte), Mamute (Porto Alegre), Mais Um (Rio de Janeiro) e Fita Tape (São Paulo), entre outras – e de filiais de casas já estabelecidas, como a própria Fortes Vilaça no Rio, também sinalizam para um mercado que segue investindo e se reinventando. “Em um momento de crise, temos que enfrentá-la com muita sobriedade. O pânico e o alarde são altamente contagiosos e cegam as pessoas para oportunidades que elas podem estar deixando de aproveitar”, afirma Fernanda Feitosa, diretora da SP-Arte. A 12ª edição do evento, que acontece em abril com 120 galerias, encolheu 14% em relação ao ano passado, quando 140 casas expuseram no Pavilhão da Bienal. O número atual é mais próximo das edições de 2012 e 2013, quando 110 e 122 galerias participaram, respectivamente.

Se uma diminuição nas vendas também já é esperada, isso não impede Feitosa de traçar um panorama positivo: “Você entra em crise e sai de crise. E o mercado de arte no Brasil, apesar de relativamente jovem, vem sendo construído em bases sólidas. Temos um bom colecionismo, um bom conjunto de galerias profissionais, comprometidas, e um mercado que trabalha seguindo práticas aceitas no mercado internacional, com uma associação de galerias e um projeto de coleta de dados consistente”.

Nova filial da galeria paulistana Nara Roesler, na ilha de Manhattan, apresenta artistas brasileiros aos Nova-iorquinos. Na foto, imagem de obras de  Lucia Koch, Sergio Sister, Bruno Dunley, Tomie Ohtake e Antonio Dias que fazem parte da exposição
Nova filial da galeria paulistana Nara Roesler, na ilha de Manhattan, em Nova York. Crédito: Divulgação

Internacionalização
Em meio aos temores quanto ao desempenho do mercado interno, a divulgação de um aumento expressivo no volume de exportações de arte contemporânea brasileira confirmou que o caminho da internacionalização é relevante e que as exportações podem representar uma porcentagem cada vez maior das vendas totais das galerias (cerca de 15% em 2014). Segundo dados do Latitude, as casas associadas ao projeto comercializaram internacionalmente quase US$ 67 milhões em 2015, o que representa um aumento de 97,4% em relação ao ano anterior. A próxima pesquisa Latitude, relativa a 2015, deve mostrar que o valor representa porcentagem maior no total de vendas do que os 15% do ano anterior.

O aumento – já visto por alguns como resultado de uma reação das galerias à retração interna – é fruto, na verdade, de um trabalho de longo prazo. É o que afirmam muitos dos galeristas que, no entanto, não negam a vontade de aprofundar o trabalho nesta direção. “Tivemos um aumento na exportação na casa dos 10%, que eu vejo como a continuação de um trabalho que começou a ser feito oito anos atrás, quando começamos a fazer um número grande de feiras”, diz Eliana Finkelstein, da galeria Vermelho. “É algo que planejamos antes da crise, entendendo que o mercado de arte é global.” Esmanhotto segue na mesma linha: “Se as galerias já não tivessem sido inicializadas no processo de internacionalização, isso não poderia ocorrer de uma hora para outra”.

Uma das galerias que mais se destacam neste processo é a Nara Roesler, que, além de ter dobrado o número de exportações no último ano, acaba de abrir uma filial em Nova York. Trata-se de uma iniciativa isolada, ao menos por enquanto, que mostra a preocupação da casa em se aproximar de modo mais concreto de colecionadores e instituições dos países com mercado de arte mais consolidado. No novo espaço, a galeria apresenta uma pequena exposição coletiva em março, durante a The Armory Show, e prepara uma mostra do artista e cineasta Cao Guimarães para abril. “Somos basicamente uma galeria com presença nacional, mais forte em São Paulo, mas participando das feiras americanas ficou claro que precisávamos estar lá não só algumas semanas por ano”, conta o galerista Daniel Roesler. “Não foi pensado com o propósito de compensar alguma retração do mercado interno, mas certamente vamos dar mais atenção a isso na situação atual”, completa.

Para além do salto substancial de 2015, as exportações já vinham em ascensão significativa na última década, associadas a um crescente interesse internacional na arte contemporânea brasileira. O aumento no número de mostras de nomes contemporâneos nacionais em grandes instituições estrangeiras – de Hélio Oiticica, Lygia Clark e Mira Schendel a Cildo Meireles, Ernesto Neto e Fernanda Gomes, ou ainda artistas mais jovens, como Maria Nepomuceno, Henrique Oliveira e Tiago Carneiro da Cunha – pode ser um termômetro deste interesse. “A qualidade do conteúdo de arte contemporânea que existe no Brasil é tão grande e tão forte que o mundo segue interessado, com crise ou sem crise”, afirma Felipe Dmab, da Mendes Wood DM, uma das galerias brasileiras de maior presença no exterior.

Escultura de Maria Nepomuceno, Untitled, 2010, palha trançada, cordas e contas, 440 cm x 400 cm x 350 cm, adquirida em 2010 pela fundação família Rubell nos estados unidos
Escultura de Maria Nepomuceno, adquirida em 2010 pela fundação família Rubell nos Estados Unidos.

A exportação não deixa de ser um caminho de risco, especialmente com a alta do dólar, e uma alternativa mais difícil para galerias pequenas ou que representam artistas menos reconhecidos. Mas mesmo estas estão intensificando o trabalho de vendas no exterior, principalmente através de feiras mais acessíveis pela América Latina. Em outubro de 2015, por exemplo, cerca de 20 galerias brasileiras participaram de feiras de arte em Bogotá. As vendas de obras com valores mais baixos, que também cresceram no ano passado, são indicadores fortes da internacionalização do mercado brasileiro. E, apesar de fazerem pequeno peso na balança comercial – se comparadas à venda de obras milionárias de Beatriz Milhazes, por exemplo –, apontam para um enraizamento profundo e crescente no mercado exterior.

Novas estratégias
“Uma crise às vezes é uma oportunidade de você aperfeiçoar o trabalho e se tornar mais eficiente em vários pontos que, em época de bonança, a gente tende a não olhar”, diz Feitosa, que nesta linha inaugura na SP-Arte deste ano uma seção dedicada apenas ao design. Para além do foco no mercado externo e na participação em feiras nacionais e estrangeiras, a busca de novos nichos de mercado interno é vista como um caminho para as galerias. Do mesmo modo, um trabalho de aproximação das casas com seus compradores regulares ou até mesmo a flexibilização nas formas de pagamento são caminhos citados por profissionais da área.

“Eu não sou pessimista, não. Quando olhamos para dez anos atrás e comparamos, vemos que o mercado nunca parou de se desenvolver”, afirma Esmanhotto. “Então se o crescimento não é tão agudo agora, não significa que seja negativo, mas mais brando. E vejo as pessoas muito ativas, com um olhar mais estratégico, com um olhar de gestão um pouco mais apurado, sabendo também lidar com momentos mais difíceis que exigem escolhas mais conscientes”, conclui.

digital 33


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