Nem colecionador nem mecenas

Telmo Porto é avesso a catalogações e etiquetas. Já na primeira pergunta da nossa entrevista afirmou não ser um teórico, mas um engenheiro. Filosofou como ninguém. Talvez por ser professor. Sim, ele dá aula na Escola Politécnica, da Universidade de São Paulo. Também relutou em se definir como colecionador ou mecenas. Compreende a arte como produção e acha esquisito artistas que produzem pouco. Brincando, faz uma metáfora: “Você iria a um cirurgião que só faz seis cirurgias por ano?”. Acredita no valor da pesquisa e do trabalho para criar certa consistência e densidade na obra. Sua paixão, sem dúvida é a arte. Afirmou que não saberia viver sem ela e que apoia a produção contemporânea para que seu filho, no futuro, tenha arte para ver.

ARTE!Brasileiros: Mais que um colecionador, você é um mecenas, porque é alguém que consegue ver artistas e novas possibilidades de expressão. É isso?
Telmo Porto:
Não, não me vejo em nenhuma das duas definições. Chamar as obras que tenho de coleção é um pouco de exagero, quando o Brasil tem coleções muito superiores às obras que juntei ao longo da minha vida. Não tenho uma consistência forte no que tenho, nem numérica nem conceitual. Também não me vejo como um mecenas. Fiz algumas doações para instituições públicas de obras que gostava. Obras que considerei serem lacunas para a instituição à qual foram destinadas. Instituições que eu confiava. Foi isso que me motivou. Processo esse que pretendo repetir em outros momentos. Por outro lado, tenho uma visão que é a seguinte: se não apoiarmos artistas jovens, não haverá quem faça arte para meu filho.

AB.: Hoje, a fotografia surge muito forte como forma de expressão. Como você vê isso?
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T.P.: A fotografia me atrai muito. A discussão sobre a fotografia como arte é bastante complexa e, sob risco de certa polêmica, diria que ela lida com menos variáveis que a pintura e a escultura, é uma arte mais limitada pelo meio (tecnologia), mas depois de longa reflexão, acho que fotografia é arte, sim. Mas separaria isso em duas correntes. Uma mais documental, mesmo os artistas fotográficos têm uma preocupação documental forte. Por outro lado, encontramos momentos em que ela simula a “realidade”, quando ela discute a representação. Essa fotografia me interessa muito, por exemplo, como o fotógrafo japonês Hiroshi Sugimoto. Para mim, o maior artista vivo é um fotógrafo. É o Sugimoto. Então, o artista que recria por meio da fotografia, esse me interessa. Assim como gosto muito do Andreas Gursky.

AB.: Em que momento você percebe que a fotografia ultrapassa o documental e se torna representação, no conceito que você acabou de citar… Você falou em questões formais, como definir isso?
T.P.:
Acho que o fotógrafo que recria a “realidade” me transmite uma emoção diferente daquilo que eu defino como uma fotografia documental. Mas também acho que sou capaz de, mesmo quando não existe uma emoção criada pela luz, pela composição – mesmo quando às vezes o próprio autor via a foto apenas como documental – mas que ela tem tal qualidade formal de composição, cromática, de distribuição de massas dentro do espaço, de reconhecimento do outro que ela por si só já é arte. É algo maior do que só a habilidade técnica de fotografar. Reconhecer na obra um artista é reconhecer a excelência dessas qualidades formais que acabo de citar.

AB.: Você acompanha há tempos a obra do Alex Flemming. O que o deslumbra no trabalho dele?
T.P.:
Ele é um artista que se arrisca, mesmo quando algo que ele produz tem uma receptividade muito grande, ele não continua indefinidamente. Ele para. Ele é um artista de fases, mas ao mesmo tempo existe uma continuidade entre elas, que são questões como religiosidade, nacionalidade. O que admiro nele é a permanente insatisfação com a permanência de algumas questões. Ele muda, mas ao mesmo tempo se mantém. Além de seus conceitos, suas obras são muito pensadas, ele é um colorista excepcional. A cor me deslumbra. Considerando a geração em que viveu, ele já é um artista depurado pelo tempo. Em parte, isso é devido à seriedade com que ele assumiu seu trabalho. Quantos de sua geração já deixaram de produzir ou repetem uma fórmula? Entre muitos artistas, ele já pode ser colocado entre os poucos que a história de nossa arte terá de considerar.

AB.: Você gosta quando a fotografia esquece que é fotografia e procura se aproximar de outras formas de expressão?
T.P.:
Toda generalização é perigosa, mas tendo a não gostar. Sou pouco tocado pela fotografia pictorialista do final do século XIX e começo do século XX. Acho bonito, mas não me emociona. Por que ela deve parecer uma pintura se já existe a pintura? Também me incomoda a recriação da pintura pela fotografia, como muitos estão fazendo hoje. Para que isso? É uma metalinguagem pobre.

AB.: Então, o que o emociona?
T.P.:
Costumamos usar a palavra emoção quando falamos de arte, mas não vejo a arte como algo para emocionar nesse sentido. É diferente, pelo menos nas artes visuais. O cinema te emociona, a música. Mas quando falamos de artes visuais, prefiro a palavra deslumbramento.

AB.: Como assim?
T.P.:
Você sabe, a danação do ser humano é ser desejoso, querer sempre… Então, quando você está diante de uma obra, por alguns segundos você não deseja mais nada, aquilo é tudo o que você quer. Isso passa rápido e então você passa a querer saber a história da obra, você passa a querer admirar, às vezes você passa até a querer comprar uma obra. Mas isso vem em seguida. Os primeiros centésimos de segundo são de deslumbramento e se aquilo não acontece… São átimos nos quais eu não preciso de mais nada além de olhar.

AB.: E, então, o que o deslumbra?
T.P.:
É difícil de definir. É uma soma de fatores em que talvez estejam envolvidos a humanidade do autor, também os aspectos formais, a cor – se houver. São muitas percepções que se misturam e se juntam para dar essa sensação. Se quisesse resumir, é quando você descobre algo que não sabia. Acabei de definir arte para mim como algo que me retira do mundo, me coloca fora da danação do desejo. Mas, uma outra definição poderia ser de que a arte é uma forma de conhecer. Não é nem emocional, nem racional. Quando você descobre que nunca soube de algo antes.


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