Um gigantesco triângulo cor de rosa se destaca na parede. O símbolo, impossível de não ser percebido no espaço da galeria, representa histórias de sofrimento, amor e luta. Durante a Segunda Guerra Mundial, nos campos de concentração, o triângulo era colocado na roupa dos homossexuais para identificá-los perante os demais. Aproximadamente 15 anos depois de um dos maiores traumas do século XX, o mesmo símbolo foi reapropriado pelo movimento gay, tornando-se um sinal de união, que depois veio a ser substituído pela bandeira com as cores do arco-íris. Esse grande triângulo faz parte da obra do artista colombiano Carlos Motta, que integra a exposição O que vem com a Aurora, em cartaz, por coincidência, na Casa Triângulo.
A mostra, com curadoria de Bernardo Mosqueira, é uma reflexão sobre as indefinições do presente e as possibilidades de novos horizontes. São cerca de 27 trabalhos de artistas como Ayrson Heráclito, Vivian Caccuri e Guy Veloso. Segundo Mosqueira, um de seus objetivos era apresentar obras que não fossem apenas discursivas, mas propositivas: “A primeira questão era fazer uma exposição que não se baseasse numa crítica, mas que reunisse trabalhos afirmativos. Há aqui uma vontade de criar um novo pensamento que não seja baseado na tradição branca heterossexual. Não à toa, em torno a maioria dos artistas da mostra são mulheres, negros, descendentes de indígenas, gays,trans, lésbicas e não binários”, afirma.
A obra da artista carioca Aleta Valente, por exemplo, dialoga com uma das referências centrais da história da arte, a tela A Origem do Mundo, do francês Gustave Courbet. Produzida no século XIX, a pintura é uma representação realista da púbis de um mulher. Em sua obra, no caso uma foto publicada no Instagram, Valente apresenta uma vagina menstruada. Intitulado A Criação de Um Novo Mundo, o trabalho propõe uma realidade alternativa, na qual mulheres não sejam violentadas e o sangue menstrual não represente uma forma de vergonha ou nojo.
Para o curador, a criação de um novo mundo também passa pela valorização do coletivo. “Essa exposição investiga exatamente o momento em que uma pessoa diz para a outra: imagina se… e a outra responde: sim, penso contigo, sonho com você, compartilho dessa imaginação”. Esse pensar junto aparece na obra da artista Ana Hupe, que criou um dispositivo para leitura coletiva, permitindo que três pessoas consigam ler três livros ao mesmo tempo.
A troca também é um dos motes do trabalho de Anna Costa e Silva. A artista carioca anunciou, nas redes sociais e em jornais, que se oferecia gratuitamente para fazer companhia às pessoas, ajudando em trabalhos burocráticos, cuidando de filhos ou mesmo apenas conversando. Segundo a artista, entrevistada pela ARTE!Brasileiros, várias pessoas se interessaram pelo projeto. Algumas queriam ajuda para tarefas simples do cotidiano, como limpar a casa, já outras procuravam quem as escutasse. “Teve uma pessoa que me chamou e disse: ‘ vi seu anúncio e fiquei curiosa. Queria conversar sobre o amor’”, conta a artista.
Segundo Mosqueira, os trabalhos da exposição também questionam o pensamento binário que cria polarizações, como a entre “petralhas e coxinhas”. “No nosso tempo, as pessoas estão sempre se colocando umas contra as outras. Temos que ser capazes de encontrar pautas em comum, senão vamos nos destruir”. Numa crítica a essa tendência de simplificação, a artista equatoriana Manuela Ribadaneira apresenta um objeto de mesa, composto por 40 placas articuladas que vão do preto ao branco, passando por 38 tons de azul. “O trabalho da Manuela reforça que não existe apenas preto ou branco. Há inúmeras gradações”, aponta Mosqueira. Já o fluminense Felipe Meres apresenta a fotografia de uma planária, seres vivos que são hermafroditas.“ A descoberta da sexualidade das planárias mostra que, mesmo na natureza, as coisas não são binárias, divididas entre o masculino e o feminismo”, pontua o curador.
O que vem com a Aurora fica em cartaz até 27/8. Aqueles que forem até a Casa Triângulo conferir a mostra encontrarão um conjunto de obras que dialoga com um mundo novo, no qual as experiências das minorias não podem mais ser desprezadas.