Após críticas e protestos contra o apagamento dos grafites na 23 de Maio, o prefeito João Doria (PSDB) anunciou a criação de um museu de arte urbana a ser inaugurado ainda neste semestre. No entanto, o tucano não comentou que São Paulo já possui um museu dedicado ao grafite, aberto em 2011 na zona norte da cidade.
Localizado na Avenida Cruzeiro do Sul, o MAAU-SP (Museu Aberto de Arte Urbana) é composto por cerca de cem painéis, feitos por mais de 150 artistas, como Speto, Minhau e Chizitv. O espaço surgiu logo após 11 grafiteiros terem sido presos, em abril de 2011, por pintarem as ruas da cidade. “Na época, que era gestão do Gilberto Kassab, havia um processo de apagamento dos grafites como também acontece hoje”, conta Binho Ribeiro, um dos participantes do grupo.
A prisão dos grafiteiros, acusados de crime ambiental, gerou uma grande controvérsia, acirrada pela absolvição do grupo na Justiça. Seis meses depois, eles conseguiram o apoio da Secretaria de Estado da Cultura, em parceria com o Paço das Artes e a galeria Choque Cultural, para criar o museu, que fica entre as estações Carandiru e Santana, na linha azul do metrô.
Passados seis anos, o local está abandonado, sem nenhum tipo de verba pública, como pôde conferir a ARTE!Brasileiros. Os grafites estão deteriorados, tendo rachaduras e propagandas coladas em cima dos desenhos. No local, também há muito lixo acumulado, além de goteiras.
A dona de casa Marilaine Nunes, 27, mora na própria avenida Cruzeiro do Sul. Ela repara nos grafites todos os dias, mas não sabia da existência do MAAU até conversar com a reportagem. “Deveria haver uma sinalização melhor de que estamos num museu. Outro problema é que as pessoas têm medo de ficarem por aqui, é um local sujo e violento. Elas passam bem rápido”.
Nunes ainda comenta que gosta muito dos grafites:”Eles alegram a nossa cidade, não é certo apagá-los”. O aposentado Jacó Rocha, 77, passa pela avenida todos os dias. “Tem um museu do grafite aqui, né? Algumas pessoas param, tiram fotos. Mas faz muito que ninguém vem cuidar,está largado.”
Elisete Lima da Silva, 37, desempregada, atualmente em condição de rua, vive na avenida onde se encontra o MAAU. Apesar de morar ali, ela não sabia da existência do museu. Mesmo gostando dos grafites, Silva é favorável à operação Cidade Linda: “É um pouco difícil, mas é algo bom, deixa São Paulo mais limpa, algo que nós precisamos”.
Um dos idealizadores do projeto, o curador Baixo Ribeiro comenta o surgimento do museu: “Na verdade, a criação do MAAU foi um conserto de uma atitude do governo que foi totalmente errada. Prenderam as pessoas que estavam grafitando ali, obviamente não deviam ter feito isso e tentaram consertar com o museu”.
Binho conta que, depois da prisão do seu grupo, “o MAAU surgiu como uma forma de diálogo com a comunidade”. Porém não houve continuidade do projeto, que hoje é mantido apenas pelos seus idealizadores. Baixo alega que faltou um planejamento adequado para a criação da instituição: “As chances de termos uma ação voluntariosa igual a essa novamente é muito grande”
“Não é um problema termos dois museus. A questão é que essa proposta do Doria foi feita às pressas, não está nada claro, assim como no projeto anterior”. Ele ainda enfatiza que é difícil analisar a proposta por si só, já que ela faz parte de um conjunto de ações “equivocadas” que incluem o apagamento dos trabalhos nas ruas e a falta de diálogo com a sociedade civil.
A grafiteira Ju Violeta concorda que o prefeito falhou ao não falar com a comunidade: “Em nenhum momento o Doria veio conversar conosco e entender o que significa o grafite para a cidade. O museu no fundo é um projeto meio sem nexo que ele está jogando no ar, sem nenhum parâmetro”.
Grafite e o museu
A própria presença do grafite em instituições culturais é um tema polêmico. Há quem defenda que se trata de um passo importante para que mais pessoas conheçam e se aproximem dessa forma de expressão. Já outros alegam que colocar o grafite no museu é institucionalizar uma prática que nasceu nas ruas.
Natural da região de Mauá, o grafiteiro Kindy não é contra a medida: “A arte urbana pode estar em qualquer lugar, já existem diversas galerias onde é possível encontrar esses trabalhos, não vejo problema”.
Violeta também concorda, desde que isso não signifique uma limitação do grafite: “ O que não se pode fazer é cercear os grafiteiros, como se eles só pudessem criar em um lugar fechado. O Doria acha que vai nos dar um espaço e ficaremos apenas ali. Isso não vai acontecer”.
Para a professora Katia Suzue, que possui trabalhos no Beco do Batman, o grafite pode estar inserido no sistema das artes, porém isso acarreta uma mudança de estatuto: “Quando o grafite entra no museu, ele é reconhecido como cultura e patrimônio. Porém ele não é mais grafite, mas uma pintura feita com spray, uma obra de arte que deve ser preservada”.
Ainda sobre o tema, Suzue reforça: “O grafite está na rua e não em um centro cultural. É por isso que ninguém do meio considera o Kobra um grafiteiro”. Baixo Ribeiro, por sua vez, pontua que a criação do museu não é a questão central: “ Essa discussão foge do debate real que é a necessidade de políticas públicas voltadas para a arte urbana. Há décadas os governos privilegiam a propriedade privada, os shoppings e não o espaço comum”.
Diante das recentes ações do prefeito, Violeta conta que não tem “a mínima vontade” de expor no novo museu. “Já participei de muitos projetos com o governo, não vejo nenhum problema. Mas nesse momento, prefiro me abster.” Binho, por sua vez, afirma que, caso haja um diálogo por parte da prefeitura, pretende participar. Já Suzue pontua que tudo depende de como e por quem o convite será feito.
Em suas recentes declarações, Doria reforçou que a instituição será dedicada ao grafite e não ao pixo, descrito por ele como um ato de “vandalismo”. Para Baixo Ribeiro, não é possível fazer essa diferenciação tão claramente: “Os conceitos de pixação e grafite são muitos abertos. Criar uma polarização não é promover um bom debate”.
Violeta ressalta que ambos são formas de expressão humana: “O homem sempre se comunicou e colocou suas ideias no meio onde vive, aqui em São Paulo não é diferente. Quando um pixador escreve seu nome na parede, ele está interagindo com a cidade”. Ela ainda reforça que há outras questões maiores com as quais o governo deveria se preocupar.
“Diante de todos os problemas que enfrentamos, é o pixo que realmente incomoda? Porque no fundo é só uma letra na parede”, reforça. A grafiteira ainda comenta que o próprio conceito de Belo é relativo, não devendo ser definido pelo Estado: “ Antes de falarmos de uma cidade linda, deveríamos pensar em uma cidade que seja coerente”, afirma.
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