Em qualquer ângulo que se tente analisar a obra de Matisse, chega-se inevitavelmente à experimentação, à contemporaneidade e ao essencial. O conjunto de sua obra nos dá a dimensão da paixão pelo fazer, pela busca obsessiva de chegar a uma síntese. É quase impossível não se alegrar perante os coloridos ousados que fazem nossas retículas bailarem. O aspecto contagiante de sua obra é quase um estudo à parte. Onde quer que cheguem suas obras, filas quilométricas se formam, até mesmo em Paris, cidade onde ele morou por muitos anos e os museus detêm as melhores obras de todas as suas fases.
Em São Paulo a movimentação não é diferente. Afinal, estamos falando da primeira grande exposição de Matisse no Brasil. O diretor da Pinacoteca do Estado de São Paulo, Marcelo Araújo, se declara um admirador inconteste do pintor e, feliz, confessa que fazer uma exposição de Matisse, com tal abrangência, era um sonho antigo que ele acalentava há anos. “Sou admirador de sua técnica que resulta numa obra que tem impacto até hoje.” A Pinacoteca investe pesado no sonho de Marcelo e dá oportunidade ao público de “viajar” através das experimentações de Matisse em pintura, escultura, desenho, gravura e tapeçaria. Diversidade é também a marca do mestre francês, como se pode constatar na exposição. Como lembra Marcelo, “É curioso como Matisse é admirado por artistas de gerações e tendências tão diferentes dele, como Iole de Freitas e Waltercio Caldas”. Marcelo tem razão. Aclamado como pintor dos pintores, Matisse recebe elogios de Tomie Ohtake, a grande dama da pintura brasileira. Aos 95 anos, ela diz apreciar a ambientação dos quadros. “Gosto do colorido, da técnica e da forma como ele trabalha as cores.” O que mais chama a atenção para ela é o forte caráter de Matisse como pintor.
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Paulo Pasta concorda. Revela que o mestre o influenciou sob vários aspectos e foi sua porta de entrada na pintura. “Ele é o simplificador da pintura. Aprendi a condensação de que ele tanto falava.” Essa condensação pode ser traduzida como ajuste na pintura para que ela ganhe em estabilidade. “É como se ela sustentasse o olhar do espectador”, explica. A simplicidade espantosa de Matisse também é ressaltada por Pasta: “Ele nos ensina, até hoje, o tratamento das cores. Com ele, as coisas não se pacificam, Matisse faz com que todas as partes mantenham sua força. Esse ensinamento deu a chave para minha pintura, que eu, de fato, ainda não tinha”. confessa Pasta.
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Assim como Paulo Pasta, Marco Gianotti é um dos pintores brasileiros mais respeitados. Na sua opinão, Matisse é o responsável por trazer a cor ao plano expressivo. Gianotti lembra que entre 1905 e 1911, especialmente quando pinta Harmonia em vermelho, de 1908, Matisse inicia a representação do espaço, tendo como base uma única combinação de vermelho. “Nesse momento, ele abre a espacialidade para a pintura. Permite que a cor não seja só cor local, mas pigmento com força motriz.” Gianotti fala ainda de Matisse aplicando colagem de materiais sobre a tela, uma das maneiras encontradas pelos artistas para afirmar a pintura como uma superfície e também como algo construído a partir de camadas. “O eterno conflito entre o desenho e a cor parece se resolver, também para Matisse, por meio da colagem”. A cor parece estar presente no mundo de modo instável e efêmero: “É preciso organizá-las para que saiam do seu estado natural e penetrem no mundo da cultura”, conclui Gianotti.
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O mais jovem entre os entrevistados, Rodrigo Cunha, é o vencedor do Prêmio Fundação Bunge de pintura deste ano, na categoria Juventude. Aos 33 anos, ele tem Matisse como companheiro de toda a vida. “Minha mãe tinha uma reprodução do quadro dele, A Dança, sobre a cabeceira de sua cama. Foi o primeiro artista que tive contato em minha vida.” Mais tarde passou a se interessar por sua obra. “Um dos aspectos marcantes da obra de Matisse foi sua posição quanto ao desenho, que ele exercitou muito antes de tornar-se pintor. Eu também passei 17 anos desenhando até começar a pintar.” Rodrigo diz não acreditar em talento, mas na persistência das pessoas como Matisse. Ele trabalhou muito para atingir uma qualidade. “Não acredito em talento, só no fazer contínuo.”Matisse acreditava fazer uma pintura alegre para alegrar o outro. E é isso que o público brasileiro está vivenciando na Pinacoteca, tomada pela alegria das cores do genial e eterno pintor dos pintores.
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