O que pensam os artistas na crise?

Em momento de intensa polarização e convulsão social, a classe artística brasileira acompanha tudo com atenção. E ela está longe de ser passiva. Desde a apertada vitória da Presidenta Dilma Rousseff, em outubro de 2014, o Brasil não foi mais o mesmo. A ideia de País pacífico, festivo e miscigenado simplesmente caiu por terra. Algumas certezas, tais como a estabilidade democrática, também deixaram de existir. Um momento até então marcado por crescimento e combate à desigualdade social cedeu lugar a um cenário de incerteza, crise financeira e política, polarização e acirramento dos conflitos sociais.

Na semana em que assumiu o perfil de Instagram do MoMA de NY, o artista brasileiro Vik Muniz postou foto do protesto do dia 13 de março no Rio de Janeiro.  O post gerou mais de mil comentários de pessoas de diversas opiniões. A partir daí a ARTE!Brasileiros decidiu ouvir alguns dos principais artistas contemporâneos brasileiros para saber o que eles têm a dizer. Como artistas de outras gerações, que viveram momentos igualmente de crise como a ditadura e o impeachment de Collor, vêem o momento atual? E os mais jovens? Que percepção têm? Qual o papel da arte nestes tempos? Como é produzir em um contexto como esse? Veja, abaixo, a íntegra dos depoimentos. 

Anna Maria Maiolino

Posso somente expressar sentimentos de tristeza e desolação. O artista com seu trabalho exerce também o papel de demiurgo, e é justamente no exercício de sua arte que pode exorcizar e resgatar situações difíceis do viver. O que o artista vem a fazer movido pelo momento de crise não é previsível, no entanto, este será seguramente um meio de elaboração de trabalho.

Berna Reale

Eu nasci em 1965 então, quando me percebi no mundo, como alguém que pode ter suas próprias percepções, o Brasil já estava saindo do militarismo graças a Deus, como os antigos dizem; então, vivi a era da mudança, o início do processo democrático, votei no Lula quatro vezes até ele ser eleito em 2002 e fui da turma que foi às ruas e pintou o rosto para tirar Color e ficou muito feliz quando Lula finalmente chegou a Presidência. Então, analisando pelo que vivi, penso que existe bastante semelhança com 1992, quando as passeatas nas ruas surgiram a partir de alguns escândalos de corrupção na época e levaram a saída de Color , então, para mim, que vivi aquela  época , os movimentos de hoje não tem haver com Golpe e sim com impeachment. Mas quero deixar registrado que eu não sou a favor do impeachment para deixar o Temer no poder, gostaria muito que a Dilma descesse a rampa do Planalto com Lula, mas que houvesse outra eleição, que o TSE agisse, pois me parece que tem material vasto para tomar decisão de novas eleições.

Um caos, um desalento, uma falta de horizonte. Não sou uma pessoa de partido, voto em pessoas que julgo sérias, assim já votei no Lula PT, votei na Marina Silva,   já votei em candidatos de vários partidos como  PMDB, PV, e PSDB aqui no Pará , mas jamais votarei  em um Aécio Neves, entendes?  pois para mim, não é questão de partido a prioridade, não sou partidária, voto em candidatos que acredito que possam fazer a diferença, mas tenho me decepcionado bastante quando chegam ao poder, confesso. O que percebo é que estamos sem opção e isso é o mais triste, pois procuramos alguém que, de algum modo, não se formou ou não esteja envolvido com questões sérias, que abalam de alguma forma, o estado de direito, a governança e a democracia e não encontramos e isso é desolador.

Temos um Governo que começou com o Lula em 2002, no qual infelizmente acreditei e que se transformou em um retrato da vaidade arrogante, e da autoridade construída em bases corruptas e em total desvio de conduta. Um Governo que se sustenta em bases que sempre combateu e que se alia a pessoas que dizia ser o oposto, isso para mim é muito difícil de aceitar; você imagina como se sente quem um dia acreditou no Lula como a esperança de mudança, de um novo momento e modo de fazer política e  hoje vê no que ele se transformou e como está deixando o País? Digo Lula porque, para mim, ele nunca saiu da Presidência e parece que nunca vai querer sair; não que a Dilma não atue nisso tudo, diria que ela é uma dos protagonistas, mas não a principal. Hoje vejo o Brasil em um cenário triste, um país desestruturado econômica e politicamente.  

Penso que para o artista contemporâneo e que está ligado em todas as questões atuais,  é difícil não se contaminar ou refletir sobre elas  e, dependendo do artista, isso pode aparecer, de alguma forma , no trabalho ; só penso que, o artista não pode ser somente ativista ou virar panfletário, tem que se lembrar que por mais que faça uma arte de cunho político, ao fazer arte, tem que estar atento aos elementos que a compõem,  isso é uma questão importante quando se atua como artista e não só como cidadão. Eu penso que o artista hoje corre o risco de ficar muito imbricado com questões não muito inerentes a arte, mas que estão hoje diretamente ligadas a ela, como por exemplo, o mercado de arte e  por isso muitas vezes não quer expor opiniões , para não se comprometer, ou muitas vezes só faz ecoar o que é “mais aceitável”. Eu procuro ser coerente e me posicionar e não só aumentar o  coro da maioria, com frases feitas e fáceis de serem aceitas , mas isso tem um preço, já fui ofendida e  taxada de tudo , do mais brando comentário crítico como , “Polêmica” , até o mais duro , radical e injusto , como ” fascista”. Estar presente  não é um caminho fácil;  não é fácil como artista, não é fácil como Perita Criminal em minhas lutas internas por uma segurança pública digna e limpa e não é fácil  como cidadã que participa de opiniões em redes sociais, que se comunica, mas esse é o caminho que escolhi para mim, não me ausentar, não me esconder, não me acovardar, não ficar olhando o tempo passar sem atuar nele.

Clara Ianni

Acho o atual momento crítico, já que vivenciamos um golpe fantasiado de impeachment. Independente das minhas opiniões relativas å gestão do PT, o que se articula é a derrubada de um governo eleito pelo voto popular, através de uma coligação entre o judiciário e a mídia coorporativista. Aquilo que não se conseguiu fazer nas últimas eleições, isto é, tirar o PT do governo, agora se materializa sob a forma do impeachment.

Penso que há semelhanças com 64, já que ambos são momentos nos quais se dão interrupções autoritárias do processo de desenvolvimento político do país em direção å uma semi-democracia. Digo semi-democracia porque não podemos desconsiderar o fato desse jogo ter sido financiado e, por tanto esculpido, pelos interesses coorporativos. De qualquer modo, enquanto em 64 a interrupção deu através de uma intervenção militar, agora ela se instaura pelas mãos de judiciário militarizado, típico de um Estado Policial.  É importante lembrar que as semelhanças estão também para além das estrutura de gestão do Estado Oligárquico,  nos aspectos ideológicos e nas ideias que ativam e congregam as subjetividades ansiosas pelo impeachment – como a “nação”, a “intervenção militar”, o “combate a corrupção”, e etc. Esses slogans que aparecem hoje na rua, são os mesmos de 64. Nesse sentido, devemos também nos atentar para o quanto nossas mentalidades e afetos permanecemos inalterados. Digo democracia entre aspas porque sabemos das limitações mesmo o PT, para ser eleito, optou por não só não confrontar os interesses de uma oligarquia gangsterizada, como também aliar-se à ela. E agora, num certo sentido, paga o preço por isso.

Acho que artistas produzem de modos muito diferentes. Isso quer dizer que há os que trabalham de modo sensível ao contexto histórico e político que os circunda e há aqueles que não. No entanto, não podemos nos esquecer de fatores mais gerais que afetam o campo como um todo. Primeiro, a esfera artística no Brasil está, em parte, atravessada pelo mercado, o que significa que oscilações e crises econômicas podem afetar o campo; e, segundo, as verbas disponíveis através de órgãos governamentais podem sofrer cortes ou limitações, como já vem acontecendo com a Funarte, por exemplo. Levanto esses aspectos não para dizer que essas são as únicas maneiras de financiar pesquisas e trabalhos, mas apenas para registrar que, em âmbitos gerais, os modos de produção no campo das artes visuais será afetado pelo atual contexto político-econômico. E talvez essa seja uma brecha interessante para reinventar os nossos meios de produção e circulação. Neste contexto, os artistas podem assumir diversos papéis. Nosso trabalho é política, isso é claro, mas tenho dificuldade em responder a pergunta porque ela requer uma afirmação que supostamente se aplicaria a todos os artistas. Eu prefiro não falar de “qual é o papel”, mas pensar e produzir papéis possíveis. Se a imaginação e a criação são atributos do fazer artístico, elas não se aplicam somente aos conteúdos ou as formas dos trabalhos, mas também aos modos de agir e de se posicionar no tecido social. Opto por pensar em um possível que responderá ås necessidades e urgências de cada contexto no qual é produzido. Creio que os papéis são muitos, inclusive aqueles que não conhecemos. Cabe a nós, e cada um de nós, inventá-los.

Daniel Senise

O clima atual lembra 64 por conta da polarização social. Mas hoje é um outro contexto, com uma sociedade diferente.  O exército não é mais um protagonista. Não existe o patrocínio direto dos Estados Unidos. A ação acontece dentro dos territórios dos 3 poderes que definem o estado. O governo de coalizão e a nova matriz econômica esgotaram as possibilidades de governabilidade. Ao longo de 13 anos os orgãos governamentais foram aparelhados em vários níveis com quadros despreparados, os sistemas regulatórios foram abandonados e a corrupção se tornou sistêmica.

Não sou a favor do impeachment por conta do desgaste que o processo traz. O PT usará o argumento de que houve golpe para se reinventar. No entanto alguma coisa vai acontecer. É difícil imaginar mais 3 anos nesse estado. A presidente não vai conseguir fazer mais nada. O melhor seria sua renuncia. Não será golpe se processo de impeachment acontecer dentro da lei. Embora estar dentro do âmbito da lei seja o grande debate no momento pois existe uma área de imprecisão. De qualquer forma isso será disputado pelo resto da história.

As circunstâncias contemporâneas aparecem em vários níveis nos trabalhos de arte. Cada artista tem a sua maneira. Prefiro quando a subjetividade predomina. Obras muito próximas de fatos políticos podem perder a relevância com o tempo.

Fábio Tremonte

Está difícil de acompanhar o contexto político atual. Acho que existe um especial delírio no ar que faz com a corrupção seja a única fratura premente de ser combatida, elegendo assim alguns poucos e específicos corruptos [Lula, Dilma e o PT] e, também, há o uso de artifícios públicos com fins políticos, como o Jurídico e a Polícia Militar de São Paulo, que permite que uma manifestação feche parcialmente a Avenida Paulista por mais de 24 horas. Cito a PM paulista, pois estive em atos do MPL, que são reprimidos com muito violência e uso desproporcional da força, sempre com o argumento que alguns poucos não podem impedir o direito de ir e vir de muitos.

Acredito que esses fatos já dão indício de que há uma vontade golpista no ar. E, acredito ser golpista, justamente pela forma como as coisas se dão: grampos telefônicos ilegais, vazamento para a imprensa, privilegiando o veículo de maior audiência do país. A situação é tensa e instável. Não consigo prever o seu desfecho, espero apenas que a nossa jovem e frágil democracia seja preservada.

Bom, um momento político-econômico fragilizado e instável influencia todos os aspectos da vida, inclusive a arte. Mas, não sei o quanto influencia ou altera produções especificamente. Acredito que a arte pode e deve ser um vetor revolucionário, que convida a pensar, a refletir, que atua nas subjetividades e nuances da vida, tornando-a menos rígida e certa.

Gustavo Speridião 

Inflação. Escolas e Hospitais destruídos. Alimentos caros e contaminados. Energia Elétrica impagável. Transporte caro e de péssima qualidade. A polícia mais violenta do mundo. Repressão e perseguição aos movimentos sociais. Ocupação militar em bairros operários. Chacinas e execuções de pobres. Latifundiários e seus jagunços barbarizando no campo. Remoções de comunidades inteiras em bairros pobres. Ataque aos povos indígenas. Destruição acelerada do meio ambiente. Privatizações. Ataques aos direitos trabalhistas. Corrupção e festa com o dinheiro público. É nesse cenário atual que vivem os trabalhadores no Brasil. A polarização PT x PSDB é na verdade uma guerra de gangues. Enquanto lutam como podem para permanecer no poder, aprovam novos cortes de orçamento na saúde e educação por exemplo. Ao mesmo tempo (no mesmo dia!) que o governo do PT convocou a população para defender a democracia (18 de março) foi aprovada a Lei Anti terror, que é em essência a criminalização oficial dos movimentos sociais. Ao mesmo tempo (no mesmo dia também!) que o governo do PT convocou a população para mais um ato em defesa da democracia (31 de março) foi aprovado o corte de 6 bilhões na saúde e educação. No meio dessa guerra de gangues, quem está perdendo somos nós. Precisamos construir uma terceira alternativa, construir uma alternativa verdadeiramente dos trabalhadores para que os ricos paguem pela crise.

A situação dos cursos de arte nas escolas e universidades, assim como a situação dos museus e espaços culturais é grave. Sucateadas por todos os governos e parasitadas por OSs a produção artística está passando por um momento difícil. Porém a criação artística em momentos de crise dá saltos qualitativos pois cria meios para superar a adversidade; protestos, manifestações e ocupações mostram o caminho. Novas gerações de artistas rebeldes estão sendo formadas neste momento acirrados da luta de classes. É importante lembrar que a Arte deve ser livre e autônoma. O papel da arte é ser independente, e é assim que ela participa ativamente da transformação social: não estando à serviço de nenhuma política que não a política de liberdade de criação

Gustavo Von Ha

O contexto político atual é assustador. Parece-me que as pessoas estão cegas de ódio pelo PT, não conseguem ver mais nada além disso. O país está dividido em quem é contra a corrupção e a favor do impeachment (mesmo que seja a qualquer custo) e quem é a favor da democracia, independente do PT. Defender a democracia não significa apoiar o governo atual, está rolando uma confusão aí. É inegável que o governo Dilma está cheio de problemas graves. Mesmo assim, não tomar posição diante de tantas violações a um Estado Democrático de Direito é imperdoável. Será que a oposição tem interesse que a operação Lava Jato continue depois que a Dilma sair? Vi gente dizendo que, em nome da liberdade de expressão, temos que aceitar seus gritos de ódio político, machistas, racistas e homofóbicos. Não! Não temos que tolerar isso.

Entre as violações que mais me chama a atenção é a natureza dos grampos. Quer dizer que vale um juiz fazer o que fez por um “bem” maior? Muita gente tem se identificado com isso. Aí vêm as perguntas; vale combater bandido sendo bandido também? Vale ser meio ético, meio correto, meio justo? Estamos falando de grampos em escritórios de advocacia onde conversas de todos os outros clientes também foram ouvidas. Não há justificativa para a divulgação de escutas telefônicas que nada provam. O único objetivo é promover a condenação prévia e pública de um indivíduo a qualquer custo, não importa quem seja. Imagine como isso pode ser usado no futuro, será que essas mesmas pessoas que aprovam isso vão achar que tudo bem quando chegar a vez delas? Os advogados e a OAB que defenderam isso, tudo bem pra eles um juiz ouvir todos os seus planos de defesa? Não consigo entender regras que só valem para os outros.

Toda arte é política. Mesmo quando um trabalho levanta questões diversas, ele também pode se tornar político. Muito disso vem do contexto de mundo novo em que a gente se encontra. Parece que estamos lidando com as mesmas questões há 500 anos; nossa formação e nossa identidade artística ainda se constituem pelo olhar de fora, o olhar do outro.

O artista também tem um papel de resistência, não da para fugir disso, pois a política se impõe. O lado chato é ter que lidar com questões deploráveis e que ocupam um tempo incrível na vida quando, na verdade, o artista devia estar apenas pensando em coisas que ainda não existem, por exemplo. Mas aí você se pega tendo que discutir coisas básicas como respeito e democracia (parece um retrocesso disso tudo), mas que fazem parte da vida cotidiana. É estranho ser artista em 2016, por vários motivos, mas principalmente por que seu papel parece estar deslocado dentro do próprio contexto artístico e também sociopolítico.

Crises sempre trazem novas possibilidades: eu gosto de pensar na imperceptibilidade da obra de arte como tal e seus desdobramentos. A arte que circula em outros circuitos faz explodir as linhas que separam instituições e galerias do resto do mundo, assim ela ressurge também numa dimensão filosófica, apontando para a fragilidade humana frente às tragédias naturais, sociais e políticas. A dinâmica da vida contemporânea transforma mundo e artista numa coisa só, a arte então se torna um canal de reflexão entre o sujeito e a realidade.

Jaime Lauriano

Acredito que a sua pergunta restrinja a analise ao contexto brasileiro, certo? Caso não, eu vou restringi-la a este contexto, pois não reúno informações, nem ferramentas intelectuais para analisar e opinar sobre os outros conflitos em curso ao redor do mundo. Mesmo sabendo que estes conflitos influenciam diretamente nas disputas tão quentes as quais o Brasil está passando, seria leviano de minha parte tecer paralelos tão diretos. Ao menos neste momento.

Voltando a sua pergunta e, ainda, com os riscos de reduzir uma analise tão  complexa em um pequeno texto; o que vivenciamos no Brasil atual é uma nova, e sistemática, tentativa de golpe. Ou melhor, é tirar o cobertor de cima das tentativas contínuas, diária e efetivas de golpes contra algumas camadas especificas da população. Porque não podemos esquecer que diariamente são abertas exceções nas leis quando um jovem negro é assassinado pelas Policias Militares, quando uma mulher morre em decorrência da negativa de realizar um aborto, ou quando terras indígenas são desmarcadas em favor do agronegócio. Só para ficar em alguns exemplos negligenciados pela grande mídia golpista brasileira. Esses golpes sempre estiveram aí, seja na invasão do Brasil, seja em um governo neoliberal. Porém, o que vivenciamos hoje é a insatisfação dos setores (financeiro, agrícola, extrativista, midiático, etc) que sempre financiaram e encobriram esses golpes, porém a partir do momento que esses operadores do golpe se sentem ameaçado começam a utilizar todos os seus recursos para incitarem uma parcela grande da população a canalizarem suas raivas e frustação a somente um lado do “problema”, para assim tentarem derrubar o governo que está no poder. Podia listar inúmeros momentos que isso aconteceu na História do Brasil, porém eu teria que me alongar muito. Por isso, o que devemos combater nesse momento é a não efetivação do golpe jurídico-midiático que está em curso, para primeiro garantir a possibilidade de continuidade da democracia. E em seguida devemos continuar a luta (que muitos já se empenham diariamente) para mudar muita coisa, ou melhor, acabar com os golpes cotidianos sofridos por uma parcela especifica da sociedade.

É difícil falar dessa influência direta na produção artística, pois podemos cair em um terreno perigoso de analisar somente o resultado de um trabalho, que por vezes pode ser discursivo, mas que não condiz com a postura ético-pessoal do artista. Não que uma coisa esteja destituída da outra, porém muitas vezes um posicionamento politico dentro de um trabalho de arte pode ser somente uma etiqueta, um perfil; e por outro lado uma postura combativa pode não resultar em um trabalho que demonstre isso. Por isso, acho mais interessante pensar nos posicionamentos dos artistas perante as fraturas sociais, porque assim não cometeremos injustiças. Conheço pessoas que a postura de denuncia fica somente no trabalho e não se efetiva no assumir riscos na sua vida individual, e de outro lado conheço pessoas que se arriscam (no sentido de sofrer boicotes e de sofrer ameaças físicas) e que isso não é nem um pouco publicitado no seu trabalho.

Mas por outro lado é importante também que as artes (de forma geral) falem, reflitam e registrem as urgências do seu tempo. Algo bem didático mesmo, como uma denúncia do que está acontecendo. Não somente para ser mostrado agora, mas aliado aos posicionamentos combativos, informar no futuro que o período que vivemos não foi de heróis e vilões pintados pela mídia golpista. Enfim, responder essas perguntas no calor do momento podem tornar o pensamento, e as analises, mais confuso ainda. Por isso, só para terminar, gostaria de dizer que hoje (em 2016) temos vários artistas visuais se arriscando em movimentos que denunciam o golpe que está em curso no Brasil, e que com isso mostram (para muitos profissionais da imprensa brasileira) que as artes visuais não são um lugar de comercio de objetos de luxo, como muitos apregoam. Pelo contrário as artes visuais podem, e são, um ambiente de combate e denúncia. Por isso, fiquem espertos que o golpe não vai passar não.

Lais Myrrha

O momento político que vimemos no Brasil é muito grave. Não cabe mais nenhum tipo de leviandade ou de sentenças apressadas. Por isso não me sinto habilitada a fazer uma análise de tal envergadura.  Eu não sou especialista nesse tipo de política profissional, embora esteja atenta a ela. Aliás, acredito cada vez menos na macropolítica. Definitivamente, não creio que o impeachment da nossa presidenta seja uma solução, mas um golpe na democracia. O que acho espantoso é que vemos pessoas que nunca se interessaram por política vociferarem contra a corrupção, mas o que isso significa? Essa histeria tem mesmo uma semelhança com outros momentos históricos. Mas o que precisamos é de maturidade para compreender que problemas históricos não serão resolvidos na base do tira-põe, mas com a ampliação de mecanismos que permitam de fato a participação popular nas esferas públicas e o respeito às bases constitucionais*.

Quanto ao papel dos artistas nesse contexto acho que cabe a cada qual decidir. Não estou aqui para julgar meus colegas ou imputar uma missão para a arte (o que demandaria, primeiramente, eu entender o que você quer dizer exatamente com a palavra arte: o sistema da arte, a produção dos artistas?…). Quanto a mim, já farejo indícios desse momento sombrio faz um tempo, isso está lá nos meus trabalhos de forma às vezes mais direta, por outras mais metafórica, às vezes como constatação, às vezes como desejo. Acho muito interessante pensar que o artista pode ser alguém privilegiado para pensar a ideia de crise de representação.

*Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I – a soberania;
II – a cidadania;
III – a dignidade da pessoa humana;
IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V – o pluralismo político.
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.
Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II – garantir o desenvolvimento nacional;
III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:
I – independência nacional;
II – prevalência dos direitos humanos;
III – autodeterminação dos povos;
IV – não-intervenção;
V – igualdade entre os Estados;
VI – defesa da paz;
VII – solução pacífica dos conflitos;
VIII – repúdio ao terrorismo e ao racismo;
IX – cooperação entre os povos para o progresso da humanidade;
X – concessão de asilo político.
Parágrafo único. A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações.

Luiz Roque

Nasci em 79, então não consigo opinar precisamente sobre uma possível semelhança com 64 mas me parece que há pontos de contato sim. Sou inteiramente contra o impeachment e isso não faz com que eu esteja alinhado com a política de Dilma que, a meu ver, erra em tentar fazer um governo para quem a detesta. Existe um ingrediente de golpe sim dado que não há provas cabais para o afastamento da presidente. O que mais me preocupa, é que dada a já clássica incompetência da oposição que, diga-se de passagem, perdeu as eleições por seu próprio mérito, nosso cenário político virou uma bomba. Essa própria oposição que chamou o povo “pra rua” para derrubar o governo está sendo igualmente repudiada gerando uma crença que a extrema direita, na figura de pulhas como um Bolsonaro, é a solução para todos os problemas. Quem sai fortalecido nesse cenário é essa extrema direita e isso ao meu ver é o pior retrocesso que podemos viver.

Isso pode influenciar produções artísticas ou não. Artistas irão sentir como e porque tais questões podem e/ou devem entrar em seu trabalho. Meu trabalho as vezes fala sobre comunidades minoritárias, o que obviamente o desloca para um campo político. Me interesso muito por contextos históricos e suas possíveis versões para pensar em uma proposição artística. Pensar em ficção científica, gênero audovisual que me fascina, é basicamente pesquisar sobre o passado por que a história é cíclica. Procurar saber sobre o nosso passado creio que é de vital importância para certa miopia raivosa sobre o presente que estamos assistindo todos os dias por exemplo. Por fim é importante dizer que certos trabalhos artísticos serão considerados “políticos” depois de um certo tempo e isso pode significar décadas.

Matheus Rocha Pitta

A opinião…. Prefiro não ter, metade do problema vem de uma polarização de opiniões, acho mais sensato não se preocupar em ter opinião. É um pouco díficil avaliar assim no meio do redemoinho. O tempo da arte, pra mim, é sempre um pouco diferente desse tempo da notícia, desse contexto imediato. Porém, uma coisa é certa: pode-se escolher entre uma arte que escape desse contexto e traga algum conforto, ainda que compensatório, e outra arte que se arrisca a olhar/escutar esse contexto, com toda a problemática que isso envolve.  Se tem algum papel a arte talvez seja de nessa avalanche de informação/opinião (sempre pareados com muita raiva e medo) oferecer um respiro e uma escuta, uma certa pausa ou até mesmo uma distância pra poder se enxergar alguma coisa.

Maurício Iânes

Não, não sou a favor do impeachment. Isso feriria gravemente o estado de direito democrático em que supostamente vivemos, que aliás já foi bem ferido pelas ações inconstitucionais dos juízes e políticos envolvidos nas investigações. Não sou um governista, não concordo com muitas das ações do governo Dilma, mas para mim o golpe está claro, e uma das situações exemplares que confirmam isso foi o vazamento de uma conversa telefônica inócua entre a presidenta Dilma e o atual ministro da casa civil Lula, pelo juiz Sergio Moro. Já de cara, o grampo é inconstitucional. Para além disso, dado o teor da conversa, o que Moro quis mostrar foi o seu poder, uma afirmação manipuladora de poder sobre a presidenta. E pior, para quem a gravação vazou? Ela não foi feita para implementar nenhuma investigação, ela não foi cedida ao STF, ela foi para a mídia, em uma estratégia barata de manipulação e incitação ao ódio da população, às vésperas da posse do Lula como ministro. Se antes eu tinha dúvidas sobre o caráter golpista da oposição, agora isso ficou mais do que claro. Vemos o judiciário dar uma rasteira desse tipo no executivo (mais uma vez, eleito democraticamente) é algo que já vimos no Brasil anteriormente, justamente na época da ditadura, no Ato Institucional no. 5, de 68. Enquanto não houverem provas cabais concretas e firmadas dentro da constituição para o impeachment, ele é obviamente ilegal.

Eu considero bastante perturbadoras as reações da população (principalmente branca e burguesa) em face a esses acontecimentos e, justamente, a cegueira simbólica destes manifestantes, por isso eu acredito que o papel dos artistas e intelectuais em geral se mostra muito relevante. Temos o dever de desvelar e desconstruir os símbolos que estão em jogo e em movimento nos acontecimentos sociais, políticos e econômicos atuais, através do nosso trabalho e discurso, públicos ou privados. Esta cegueira simbólica é o que permite que a população seja manipulada e manobrada de forma descarada pela mídia, pelo mercado e pelos políticos, e temos que nos esforçar para desobstruir o olhar (o nosso inclusive – e principalmente) dos que estão à nossa volta, facilitando assim a possibilidade de reflexão crítica. Esse para mim é um dos papéis mais relevantes dos artistas em meio a crises como a que estamos passando. Ainda assim, o cenário atual é tão complicado e os símbolos são apropriados, por estarem mais disponíveis e mais fluidos, de modo tão fácil e irresponsável que deve-se ter muito cuidado com eles. Como exemplo, já vi trabalhos meus, alguns deles aliás, quase panfletários, apropriados por um discurso diametralmente oposto ao meu discurso inicial. Isso me fez pensar que talvez eu não tenha sido claro e panfletário o suficiente, mas aí também penso que símbolos rígidos e excessivamente claros também apontam para o fascismo, seja um fascismo político, seja um fascismo das imagens, seja uma hierarquização extrema da relação artista – público. Dessa forma, o que vemos é que a crise atravessa todos as instâncias da nossa vida simbólica, nossa linguagem, nossas relações e nossa produção.

Nelson Leirner

Por muito menos Nixon caiu nos USA, e no oriente políticos corruptos fizeram hara kiri . Sou a favor da RENUNCIA JÁ, que acho difícil acontecer pois a Presidenta não tem este perfil. Golpe foi o que acaba de acontecer com a ida do Lula para o ministério a fim de fugir de um processo em primeira instância pelo juiz Sergio Moro, golpe é o que a população sofre com educação, saúde, infraestrutura, desemprego, inflação …..a única semelhança com 1964 que vejo é que estamos frente a uma ditadura aonde a corrupção faria existir a perpetuação de uma força política no poder (PT). Acho que o artista é antes de mais nada um cidadão com suas convicções e a arte é um meio de expressão que traduz seus pensamentos logo o papel não é da arte mas sim de quem a faz.

Nino Cais

Vejo semelhanças com a fábula “As rãs que queriam um rei” de Esopo. Pensando que a fábula é muito antiga, vejo que a história não nos ensina. É o poder pelo poder. É um jogo onde não participamos. Somos movidos como peças sem sequer refletirmos porque estamos sendo manipulados. O contexto político nos atravessa e ressoa inevitavelmente no trabalho do artista. O meu trabalho pode conter algo político mas não está evidente, de forma direta, mas quando saio de casa e vou até a padaria ou a farmácia faço política. Gosto de pensar a política na prática, antes de artista sou cidadão.

Pedro Caetano

Sou contra o impeachment. Poderia falar sobre a inconstitucionalidade do pedido, mas acho que não preciso nem entrar nessa questão, não sou jurista e nem advogado. Vou por outro lado: como uma câmara como a nossa pode julgar uma Presidenta que não cometou nenhum crime? Como um bandido como Eduardo Cunha pode presidir a seção que vai julgar esse pedido? Não pode, é indecente, é ridículo.

Mas acho que pra entender o que está acontecendo, a gente tem que abrir o plano, olhar pra questão políitca brasileira no contexto geopolíticomundial e nesse sentido, sim, existem muitas semelhanças com 1964. Nos últimos anos tivemos um crescimento enorme dos BRICS, ocupando mercados que antes eram dominados pelos EUA e seus aliados. Isso, somado ao pré-sal fez com que o Brasil entrasse no radar do departamento de estado americano. E a política internacional dos states com Obama é muito mais agressiva que com Bush. Se olharmos para os países que passaram por momentos de turbulência nesses últimos anos, vamos ver um padrão: petróleo e disputa antre interesses nacionais versus internacionais e BRICS versus EUA e aliados. Não é uma questão de avanço comunista ou liberdade, de autoritarismo ou liberdade, é só cash, business, não é nada pessoal. Entendendo isso, eu me pergunto: a que tipo de interesse serve essa crise política? a que interesses serviram as outras crises brasileiras? quem se beneficiou delas. Quem lucrou com o golpe de 1964. Quem lucra com a froma de fazer política da oposição brasileira? Acreditar que é de fato uma luta contra a corrupção é desreispeitar a história. E é ter muita fé no judiciário Brasileiro, que está longe de ser uma coisa limpinha que funciona bem, com isonomia e isenção. A  história não é enumeração de fatos, é construção de narrativa, é a disputa pela narrativa principal, a gente nunca sabe exatamente como as coisas são, só podemos supor, temos que juntar todas essas narrativas e tentar entender o subtexto. é muito importante preservar as instituições, o estado de direito e a democracia. E o país precisa andar, todos nós precisamos que ele ande, uma crise como essa não serve pra nenhum brasileiro.

Ser artista é, de um jeito ou de outro, viver numa realidade paralela. É saber que mesmo que tudo estiver fodido, você ainda pode se proteger do mundo no estúdio amassando argila, mexendo com tinta, pensando de forma abstrata enquanto curte um som. O contato com o real é muito complicado, pelo menos pra mim, queria um assistente que só tratasse do real, enquanto eu curto o barato do meu estúdio e dos meus trabalhos. Queria levar uma vida completamente autista. Agora, existe o dinheiro, existe o futuro, existem minhas duas filhotas, então a responsabilidade com o real é grande e num momento como esse, essa responsabilidade aumenta demais. Tem sido dificil trabalhar, se concentrar, viver na incerteza, mas mesmo assim tento não tratar das questões políticas de forma direta nos trabalhos, acho q achata o trabalho, restringe as possibilidades. O real já é muito chato, quero que o trabalho seja outra coisa. O artista tem o papel de ser honesto, com o trabalho e com aquilo que acredita, apesar de eu não colocar claramente questões políticas nos trabalhos, gosto muito de falar sobre política, é importante, não dá pra dar uma de surfista prateado e fingir que surfa por tudo sem se afetar. Meu pai foi do partido comunista e do PMDB nos anos 70 e 80, então a política sempre esteve presente. Mas acho que o trabalho que a arte opera tem que ser anterior à política, tem que trabalhar no sentido de uma educação sentimental e estética. Acho que o pior problema do Brasil é uma enorme carência nesse sentido. A falta de educação política, de civilidade, de percepção do real, a violência, a arquitetura medonha, o açucar no suco da padaria, a deficência cognitiva, e etc, tudo é reflexo dessa carência de educação sentimental e estética. O papel da arte tem que ser nesse sentido, aí o país cresce, fica mais justo, mais honesto, mais bonito, mais limpo e tal.

 

Regina Vater

Na minha opinião estamos vivendo uma situação delicada à beira de um GOLPE. Não vejo nenhuma razão para impeachment. Sim, eu que nasci em 1943, sinto um dejá vu muito perigoso onde várias forças não tão positivas para o país convergem e se amparam para que algo de muito estranho possa acontecer com o Brasil. Sim porque considerando a impropriedade moral dos que atacam a presidenta o que sobra é um grande vácuo de liderança bem oportuno para que um demagogo inflamado conduza o povo numa direção desastrosa para o País. Não sei se vocês viram um vídeo do UOL onde várias pessoas na passeata da Paulista afirmavam que o Bolsonaro, o qual quer exterminar com os ministérios da educação e da cultura, seria a solução.

No meu caso, desandei expurgar de mim estes demônios que assolam o país com umas aquarelas violentamente expressionistas. Sei que elas não se enquadram na anemia geométrica que os colecionadores curtem para adornar as suas paredes.Mas meu compromisso é com a arte e não com o mercado. Se as galerias não desejam absorver a face da minha obra com mais paixão é problema delas. Parafraseando o Oswald, outro apaixonado pelo Brasil que sempre quis o BEM para o nosso país, eu prefiro dizer: “Um dia “eles’ comerão da massa fina dos biscoitos que eu amasso”. Me lembro de quando éramos colegas no atelier do Iberê Camargo, ter ouvido o Carlos Vergara  citar o Picasso dizendo: “A arte deve ser usada como uma baioneta”.

Sergio Sister

Para quem como eu presenciou o golpe de 1964 e depois o AI-5, é muito triste ver o Brasil regredindo desse jeito. Em lugar de tolerância, negociação, busca de pontos de confluência, estamos vendo o oposto: a ilegalidade, a intolerância, o ódio, a destruição do outro.

Acho que os artistas são tomados pela crise como qualquer cidadão. Eu, por exemplo, tenho ficado muito deprimido, o que atrapalha meus afazeres diários, inclusive no estúdio. Mas estou certo de que é preciso superar os aborrecimentos e me unir com aqueles que combatem  as violações dos direitos e que querem defender a democracia. Como tive o bom senso de fazer em outras situações.

Traplev 

Na minha opinião, o contexto político atual no Brasil hoje, é uma consequência de uma gestão insegura que perdeu os princípios de esquerda que deveriam reger sua gestão. Como que um partido chamado de “esquerda no Brasil convida para o ministério da agricultura uma Kátia Abreu? esse tipo de fusão, por mais que a direita não queira ver o governo neoliberal que está aí, não poderia acontecer de nenhuma forma. Para mim as eleições foram um estelionato eleitoral, meu voto é de esquerda, votei no PT, mas hoje não defendo nenhuma ação que eles fizeram ou façam, pois não tem como aceitar por exemplo Belo Monte ser construída, hoje está lá praticamente em estado de calamidade com vários processos e etc, fora toda a política anti-indígena, entre outros assaltos às políticas sociais e trabalhistas deste governo.

Os últimos acontecimentos GOLPISTAS diga-se em bom tom, são justamente consequências de uma gestão incrivelmente fraca, mas não podemos deixar de citar que nossa Câmara dos Deputados é a mais reacionária desde 1964, então por ahi se vê que o golpe em contínua ação hoje no Brasil é um plano que começou justamente no primeiro dia de mandato da Presidenta Dilma. O que vêm acontecendo aí nas mil e umas manipulações jurídica e midiática que estamos assistindo ao vivo (inclusive agora neste momento está ocorrendo o julgamento do Impeachment na Câmara), de alguma forma foi permitido pelo próprio governo em questão.

Pegamos aí a questão da democratização da mídia, e a reforma do Judiciário, que os dois governos do Lula deixaram passar. Eu não sou nenhum especialista, mas está mais do que “escancarado” as múltiplas ações inconstitucionais de manipulação para causar o alvoroço que está aí. Como explicar dentro de uma (pseudo) democracia uma figura como Eduardo Cunha AINDA presidir a Câmara dos Deputados, depois de todas as acusações e PROVAS?? Como explicar a parcialidade midiática da justiça hoje no Brasil?? só um partido é criminalizado?? e o outro sendo sistematicamente blindado pela mídia e pelo próprio Ministério Público?

Apesar de toda minha repulsa pelo governo atual, uma coisa que não posso defender é a quebra total dos direitos constitucionais em prol de um interesse de poder. Porque o que está em jogo nesse alvoroço todo é simplesmente poder, pois a grande maioria de nossos parlamentares são corruptos e defendem não mais o direito da sociedade, eles estão lá defendendo os royallities de seus patrocinadores (que inclusive foi uma vitória no último ano, a aprovação do fim do financiamento privado das eleições) e com isso fica evidente que a democracia está falida faz um bom tempo, vivemos hoje numa fachada hipócrita da democracia, pois o que foi as prisões de julho de 2013, as reações extremamente violentas da polícia nessas manifestações que se seguiram, o que foi a violência contra os estudantes secundaristas em São Paulo contra a reorganização escolar?? por que toda essa parcialidade nos julgamentos do judiciário, e esses MPs Ministérios Públicos que chegam ao cúmulo de proibir o fechamento da avenida paulista para pedestres e bicicletas mas deixam livres os corruptos da merenda, do metrô, da água que foi privatizada, etc, etc, etc.

A minha produção como artista  (Traplev) e editor da publicação de artes visuais chamada “recibo”, está centrada nessas questões da crítica e de reflexão do pensamento em linguagem, então​ todo esse contexto político econômico influencia e reflete diretamente na minha produção, por exemplo uma série que venho desenvolvendo em diversas mídias, pela web e por exposições fala-se da #CriseÉLucro, outro destes dispositivos que desenvolvo fala dos “escãndalos por toda parte”, do “seguimos comemorando”, da “equivalência absurda” onde na minha última exposição individual na Sé Galeria em São Paulo em setembro de 2015, evidenciava a “farra” da bolsa moradia dos juízes a tal da “Parcela Autônoma de Equivalência”, estas entre outras inserções críticas eu faço questão de espalhar dentro e fora do contexto de arte.

Como exemplo desse contexto que evidencio, podemos citar toda essa reviravolta não só da crise política interna que acaba refletindo em toda a sociedade e consequentemente na economia… o que é essa crise que vemos nesse último ano no Brasil, os bancos a cada trimestre ultrapassam as expectativas de lucro do trimestre passado, sempre! Nesse sentido e entre outros, o governo começa a cortar as despesas básicas da educação e muito da cultura, então isso também vai influenciar a sua vida profissional diretamente, pois há programas de fomento à produção artística que são drásticamente diminuídos, atrasados e até cortados, e isso de alguma forma irá influenciar na geladeira da sua casa, quem dirá na produção como “artista”.

Ao meu ver “o papel da arte e dos artistas diante de contextos de crise como esse” é se posicionar, é aproveitar o status “público” que a produção artística tem em certos contextos e inserir como linguagem questionamentos, reflexões, críticas e até manifestos e ações de contestação, por que situações como a que estamos vivenciando com reacionários e fascistas se revelando cada vez mais, nosso posicionamento frente a essas atitudes não devem ser de enfeite, tem que “pegar o martelo e quebrar mesmo” tem que denunciar, tem que dar o parangolé. O “papel” da produção artística é um processo, não é um fim, neste sentido que lutar pela sua continuidade e criar focos de resistência e experimentação crítica é mais do que necessário, é vital.

Vik Muniz

Os últimos acontecimentos são uma radiografia da condição ética e moral não só de todos os nossos políticos como também seus respectivos eleitorados. Merecemos os nossos políticos. Independente de nomes, que são sempre transitórios, os merecemos por termos desenhado o sistema que os acolhe através dos mesmos critérios que julgamos necessários quando trafegamos pelo acostamento, furamos filas, como remuneramos mal aqueles que nos servem, como não valorizamos a vida alheia e como perpetuamos todos estes pequenos, muito pequenos rituais canibais tão endêmicos da nossa cultura. Não tenho como julgar a Lava-jato mas a polarização da opinião pública em torno do assunto mostra a necessidade de mudança na maneira como hierarquizamos nossas questões éticas. O problema é que toda questão social  passa imediatamente a ser domínio partidário e a discussão que beneficiaria o povo é banalizada a medida que é absorvida por uma plataforma ideológica já existente. O pais dos contrastes é um verdadeiro paraíso para mentes maniqueístas. A gente pode culpar o Lula, o Moro, a Dilma, a mídia “golpista” como quiser e se sentir do lado bom da história mas, na verdade, não tem lado bom. Tudo é ruim quando definimos as nossas qualidades a partir dos defeitos de outros. Quando somos todos perfeitos. Me lembro de uma frase que li no para-choque de um caminhão na Dutra já faz alguns anos: “Quando tenho razão, a culpa é toda minha.”  Estamos todos certos, somos todos culpados.

Não me afeta de forma nenhuma, Como artista devo imaginar contextos atemporais e apolíticos se espero que aquilo que estou fazendo venha a ter alguma relevância  histórica ou política. Arte que tem como princípios ideias políticas é geralmente tão eficiente quanto política baseada em arte. O artista entende tanto de política quanto o marinheiro ou o eletricista. A  função política do artista é a constante manutenção dos instrumentos intelectuais e cognitivos que nos fazem adaptar à ideia de uma realidade comum e compartilhável. O artista não tem como dizer o que são as coisas, mas pode ajudar na maneira de como as vemos e pensamos como uma civilização. Isso tem uma influencia enorme na forma de como entendemos o poder e como estruturamos aparelhos políticos.

 


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