O valor da memória

Como em outros setores, o biênio 2015/2016 também impõe dias difíceis para as instituições públicas de artes visuais e para os mais de 3.500 museus espalhados pelo País. Consequência da recessão econômica, 2015 mal havia começado quando, por exemplo, em 12 de janeiro, por falta de recursos financeiros para a manutenção dos serviços terceirizados de limpeza e segurança, foi anunciado o fechamento do Museu de História Nacional, sediado no Rio de Janeiro. Administrado pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), o museu carioca é uma das instituições públicas mais antigas do País. Foi criado por Dom João VI em 1818. Onze dias depois de seu fechamento, veio o aporte do Ministério da Cultura, que injetou R$ 8 milhões para possibilitar a reabertura ao público.

Outro gigante, o Museu do Ipiranga, em São Paulo, parece não ter a mesma sorte de ser agraciado com ações emergenciais. Fechado desde 2013, devido a riscos estruturais que ameaçavam a integridade física do público, o Museu Paulista da Universidade de São Paulo – nome oficial da instituição, que detém um acervo de mais de 120 mil itens – era um dos mais frequentados da capital paulista. Recebia, anualmente, mais de 300 mil visitantes. Quase três anos após a interrupção de suas atividades, as obras de reforma e ampliação ainda não foram sequer iniciadas. O orçamento do projeto, no entanto, teve um salto exponencial. De iniciais R$ 20 milhões, o montante previsto para a conclusão das obras já está na ordem de R$ 100 milhões, o que deve impor dificuldades reais a sua viabilização. Com a morosidade dos processos licitatórios, iniciados somente em janeiro de 2016, e o estancamento nos cofres públicos, decorrente da crise, a estimativa é que as obras serão finalizadas somente em 2022, durante as comemorações do bicentenário da Proclamação da Independência.

Outra importante instituição, o MAC (Museu de Arte Contemporânea), gerido pela USP, também enfrenta restrições orçamentárias que, atualmente, limitam o acesso do público a apenas 6% do acervo do museu, que é um dos mais importantes da América Latina em termos de arte moderna, estimado em cerca de dez mil itens. Transferido, em 2012, da Cidade Universitária para a antiga sede do Detran, um edifício de oito andares, projetado por Oscar Niemeyer, quase cinco anos após ganhar casa nova o MAC ainda mantém 84% do acervo na antiga sede, devido à ausência de uma reserva técnica adequada para acolher os trabalhos. Dirigido pela curadora e educadora Kátia Canton, o MAC ocupa hoje um espaço que recebeu verba generosa, de R$ 76 milhões, para a reforma. No entanto, o orçamento, focado na reestruturação predial, não atendeu por completo às necessidades de readequação do espaço, tendo em vista as especificidades do museu, que agora aposta em parcerias público-privadas, via Lei Rouanet, para sanar limitações financeiras e viabilizar projetos como a transferência da biblioteca para a nova sede, estimada em R$ 400 mil.

Também no final de 2015, outra importante instituição de fomento das artes visuais da capital paulista sofreu um duro golpe. Instalado no campus da USP, havia 22 anos, em um prédio pertencente ao Instituto Butantan, o Paço das Artes foi despejado do imóvel emprestado para possibilitar a criação de novos laboratórios do instituto. Para Priscila Arantes, diretora do espaço, que acolhe novos artistas e mostras experimentais, o momento agudo e transitório é propício para exercer pressão em busca de um final feliz à trajetória nômade do Paço das Artes, que, em 45 anos de existência, já esteve em outras três sedes provisórias: “Penso que chegou a hora de a Secretaria de Estado da Cultura ter um espaço próprio para o Paço. Vou me mobilizar para que isso aconteça”, diz Priscila.
A retração orçamentária também deve afetar as ações do Ibram. Segundo Carlos Roberto Ferreira Brandão, presidente da instituição, além de um corte (ainda não definido) no orçamento de 2016, o instituto se desdobra, desde o ano passado, para cumprir o pacto de redução de 20% dos custos operacionais, decorrente do ajuste fiscal do governo federal. Em 2015, o orçamento total foi de R$ 76.948.350,02, verba destinada à manutenção das 29 instituições públicas geridas pela entidade sediada em Brasília.

Destacado do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) em 2009, o Ibram tornou-se, então, entidade autônoma vinculada ao Ministério da Cultura. Responsável pela gestão de grandes instituições, como o Museu Histórico Nacional, o Museu Nacional de Belas Artes, o Museu Imperial de Petrópolis e o Museu da República, a entidade também regulamenta, assessora e fiscaliza o funcionamento de todos os museus existentes no País.
Somando esforços para driblar a recessão econômica, segundo Brandão, o Ibram promove ações eficazes e reconhecidas, inclusive, em âmbito internacional, como atesta a recente aprovação da Recomendação Referente à Proteção e Promoção dos Museus e Coleções, sua Diversidade e seu Papel na Sociedade, documento de efeito global, sugerido pela entidade brasileira em 2011, que capitulou demanda de mais de cinco décadas, uma vez que a recomendação anterior foi criada em 1960. A seguir, divididos em temas, os melhores momentos da conversa com Carlos Roberto Ferreira Brandão.

Redução orçamentária

Ainda não temos os números finais do orçamento de 2016. A proposta orçamentária foi apresentada em julho do ano passado no Congresso, que a aprovou, mas já houve um primeiro corte do valor. Agora, estamos na fase em que o governo tem de determinar qual vai ser o limite financeiro para este ano. Em geral, temos de gastar um limite menor do que foi aprovado. Sabemos que haverá um corte, que está na margem de 20%, e que ele será uniforme para todos os ministérios, secretarias e autarquias. O Ministério do Planejamento está negociando com todos os órgãos do governo federal, parte do grande esforço de recomposição fiscal do governo.

Formação profissional

Durante os primeiros anos do Ibram, promovemos oficinas de capacitação de pessoal em 25 temas afetos aos museus, mas, hoje, encontramos muita dificuldade de dar continuidade a elas, porque os órgãos de controle exigem que as oficinas sejam dadas por servidores públicos e não por terceirizados. Como não podemos sustentar viagens e diárias dos servidores pelo Brasil para fazer essas oficinas presenciais, o que temos feito é apostilar as oficinas e fazer cursos à distância. Também apoiamos iniciativas de várias universidades. Temos quatro cursos de mestrado e um de doutorado no Brasil. Apesar de a lei determinar que cada museu deve ter ao menos um museólogo, o Brasil ainda não tem um número suficiente de profissionais para atender a essa grande demanda. Temos quase 3600 museus cadastrados e cerca de 1.500 museólogos.

Gestão de riscos
O incêndio no Museu da Língua Portuguesa (sinistro ocorrido em São Paulo, em 21 de dezembro último) foi uma situação terrível, porque a reforma que transformou aquela área da Estação da Luz em museu é recente. O espaço tinha todas as condições de segurança, equipamentos adequados e dispunha de uma brigada de incêndio. No entanto, um dos brigadistas (o bombeiro civil Ronaldo Pereira da Cruz), lamentavelmente, faleceu durante o sinistro e, mesmo com toda essa estrutura, ocorreu o incêndio. Em prédios antigos, especialmente os ricos em madeira, o risco de incêndio, infelizmente, é sempre presente. Nossos museus estão bem equipados, mas em alguns temos dificuldades estruturais, porque eles não suportam, por exemplo, a instalação de sprinklers, ou porque a coleção não pode ser molhada.

Políticas internacionais

Em termos de teoria museológica, o Brasil avançou muito nos últimos anos. Desenvolvemos uma personalidade forte, que vem de experiências com os museus de comunidades, os museus indígenas, os museus quilombolas e, agora, os museus LGBTs. Um movimento que, em 2003, acabou gerando a Política Nacional de Museus. Em 2011, o Brasil fez à Unesco a proposta de criar um novo documento normativo sobre museus. Era preciso incorporar as modificações e novidades do que a gente chama de museologia social. Para nós, no Brasil, o impacto da recomendação acaba sendo pequeno, porque o que foi aprovado é um documento não vinculante, quer dizer, os países não são obrigados a aceitar as recomendações. Mas há muitos países que não têm legislação sobre patrimônio e a recomendação é importante porque baliza, em termos globais, como os governos devem tratar seu patrimônio cultural e os museus, em particular. A Unesco está agora criando um fórum de alto nível para os museus e o Brasil foi um dos cinco países convidados para a reunião prévia de criação desse fórum. Isso demonstra o papel destacado da museologia brasileira.


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