“Eixo Rio-São Paulo” era uma forma de mencionar as áreas geográficas de intensa produção e fluxo de intercâmbio cultural, antes do aparecimento das redes de relacionamento, blogs e flickers. Nos caminhos virtuais da rede, especialmente para a fotografia, uma mídia de fácil reprodução e circulação pela internet, o fluxo de intercâmbio começa a mudar.
Na realidade, ainda existe nesse eixo físico uma grande concentração de editoras, galerias, museus. Fora dele, os fotógrafos não têm muitos espaços ou facilidades de divulgação para mostrar sua produção.
Há, porém, os que por escolha própria criam caminhos alternativos passando ao largo das estruturas tradicionais do mercado e dos mecanismos de divulgação, propaganda ou marketing. Os fotógrafos a seguir são um pequeno exemplo disso. Articulando suas carreiras de formas pessoais e bastante características, conseguiram divulgar e tornar seus trabalhos conhecidos fora de seu circulo regional, usando mecanismos fora do eixo.
Lucia Guanaes
Lucia Guanaes nasceu em São Paulo, mudou-se para Paris em 1977, e se divide entre Salvador e Paris desde 1996. Formada em comunicação visual na École Nationale Supérieure des Arts Décoratifs, diz-se fotógrafa amadora, por trabalhar profissionalmente como designer. Em 1986, realizou Brasil-Brésil, publicado pelas Editions Marval em 1989, expondo nos dois lados do Atlântico. Em 1992, fez o Inventaire d’une Poubelle, levantamento fotográfico do conteúdo de uma lata de lixo, trabalho que resultou em uma exposição e um livro publicado pela Editora Média Intimes, Paris.
A partir de 1996, começou seus ensaios na Bahia, com o CD-ROM Au Cur de Bahia. Em 2000, esse trabalho recebeu o Grand Prix Möbius América Latina e o Prix Spécial du Jury no Prix Möbius International. Uma exposição foi organizada na Grande Halle de la Villette (Paris) e no Festival Chroniques Nomades de Honfleur.
Suas fotos integram o acervo da Coleção MASP-Pirelli desde novembro 2005.
Em Paris, onde diz não ter estímulo para fotografar, divide o estúdio Tout pour Plaire com seu marido Marc Dumas, também fotógrafo, e mantém o site de mesmo nome onde divulga on line, portfólios de fotógrafos do mundo todo.
Guy Veloso
Formado em direito, se tornou fotógrafo independente em 1988. Seu trabalho já foi publicado em revistas e livros nacionais e internacionais e compõe os acervos da University of Essex Collection of Latin American Art, Colchester-Inglaterra; Coleção Nacional de Fotografia do Centro Português de Fotografia – CPF, Porto-Portugal, do Museu de Fotografia de Curitiba (PR), da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro (RJ), e da Casa das Onze Janelas – Museu de Arte Contemporânea de Belém do Pará. Participa da Coleção Pirelli-MASP deste ano.
Nascido em Belém do Pará onde vive, tem sua série Penitentes apresentada na 29a Bienal de 2010, a convite do curador Moacir dos Anjos.
A religiosidade sempre foi um dos temas presentes em seus ensaios e pesquisas.
Guy viajou em busca de “alimentadores d’almas”, como também são chamados os penitentes. São organizações católicas laicas que durante a Quaresma rezam pelas almas do purgatório. Eles saem às ruas, à noite, cobertos dos pés à cabeça com túnicas. Às vezes, usam máscaras, cantam benditos, fazem lamentos, visitam cemitérios.
Guy percorreu o Juazeiro do Norte, no Ceará; Bom Jesus da Lapa, na Bahia; Oriximiná, no Pará; Minas Gerais; Curitiba, no Paraná; quilombos no Sul; Goiás; e o Planalto Central, atrás de cientistas e pesquisadores. Localizou 117 grupos, dos quais 5% se flagelam. Alguns grupos são secretos, criando uma dificuldade a mais na permissão para fotografar. O foco desses penitentes são práticas para a libertação da alma, podendo assumir variadas formas: oração, prática das boas obras, leitura de passagens da Sagrada Escritura, vigília, autoflagelação, jejum ou esmola. Ao longo do período de documentação, o fotógrafo ganhou a confiança dos adeptos, conseguindo registrar cem grupos em momentos de profunda introspecção dos devotos, em condições de luz escassa que pouco iluminam suas práticas madrugadas adentro.
Mestre Júlio Santos
Fotopintor de retratos, atua a mais de 40 anos em Fortaleza. Foi formado pelo artista plástico Medeiros no estúdio do seu pai, o Pai Didi, onde trabalhou desde os 12 anos de idade.
Acredita na transformação pelo trabalho artístico do fotopintor, que possibilita criar uma profissão para quem executa o retrato ou para o cliente que encomenda um restauro ou um retrato para construção de sua memória ou recuperação de sua história.
É o autor de alguns dos retratos que estão na publicação e exposição de Martin Parr (Agência Magnum) e Titus Riedl (Universidade do Crato), que está em cartaz até dia 18 de setembro na Yossi Milo, de Nova York, com 150 retratos pintados por outros autores.
Trabalha atualmente com o fotógrafo Luiz Santos, de Recife, no projeto SPA das Artes na Tamarineira (nome popular do Hospital Psiquiátrico Ulisses Pernambucano, que fica no bairro da Tamarineira).
José Albano
Fotógrafo cearense, vive perto de Fortaleza, em Sabiaguaba ou Lagoa Redonda, numa casa/estúdio construída por ele próprio em taipa de sopapo, à beira-mar, onde cozinha com a luz do sol.
É fotógrafo desde 1967, quando cursava letras na Universidade Federal do Ceará. Mudou-se para o Rio de Janeiro, onde trabalhou na Manchete Press Agency, agência de notícias da Editora Bloch (1969-1970).
Com bolsa da Comissão Fulbright, obteve o mestrado em fotografia para os meios de comunicação na Syracuse University, em Nova York. Exerceu o fotojornalismo, percorrendo os Estados Unidos, o Canadá e 12 países da Europa.
É autor de dois livros, 40 Anos de Fotografia e Manual do Viajante Solitário, com a colaboração de sua filha Emília Albano.
A imagem aqui publicada faz parte dos retratos dos Tapeba, parte da exposição Criança Tapeba, de 1986.
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