Por onde anda a fotografia?

Muitos pensadores da contemporaneidade, como, por exemplo, Paul Virilio (1932) e Jean Baudrillard  (1929-2007), decretaram o já tão falado 11 de setembro de 2001 como a entrada no século XXI e, pela dramaticidade das imagens, uma nova era de representação imagética. As imagens não seriam mais as mesmas, não seguiriam mais o impacto da realidade tão caro ao século XX, mas se voltariam para a sugestão da encenação, que de fato vem se inserindo no século XXI.

Nada mais natural, então, que o IV Fórum Latino-Americano de Fotografia, realizado em São Paulo, no Itaú Cultural, de 16 a 19 de junho,  tivesse como linha mestra de suas discussões o tema “Fotografia e Pensamento”. Óbvio que o pensar sempre fez parte do ato fotográfico, mas agora se trata de repensar o papel da fotografia dentro da sociedade: “Não é a desvalorização do ato fotográfico”, explica Iatã Canabrava, organizador do evento, “mas uma maneira de compreender as novas demandas da narrativa visual”.  Trata-se da fotografia colocando em xeque as práticas tradicionais. Sim, nada que já não tenha sido discutido pelos teóricos da imagem. Mas, para além das discussões acadêmicas, a grande pergunta que fica nesta contemporaneidade na qual somos sufocados por um oceano de imagens rasas e muitas vezes vazias de significado é: em que momento começamos a pensar na fotografia? E mais: em que momento pensamos na fotografia como protagonista da nossa história, já que a palavra está cada vez mais subordinada à imagem, subvertendo a cultura tradicional, que tem no verbo sua força expressiva.

A exposição Arquivo Ex-Machina  – Identidade e Conflito da América Latina aparece como  tentativa de resposta ou esclarecimento de algumas dúvidas. Com curadoria do próprio Iatã, juntamente com o pesquisador catalão de fotografia latino-americana Claudi Carreras, a mostra fica em cartaz até dia 7 de agosto também no Itaú Cultural.  A ideia central da mostra é a revisitação de arquivos. Por meio de imagens escolhidas e organizadas para formar catálogos e coleções, particulares ou institucionais, tenta-se entender como foi sendo criada ideologicamente uma imagem de América Latina  e, consequentemente, como nossa memória está sendo criada ou, pior, formatada.  A ideia curatorial é tentar compreender como, para quem e por que se formam esses arquivos e qual a  possibilidade de ressignificá-los, criando novas percepções. Daí o título da exposição, retirado de um conceito em latim e criado no teatro antigo grego: “ex-machina” definia a entrada em cena de um deus cuja missão era solucionar de forma arbitrária um impasse vivido pelos personagens. Por extensão, virou resolução inverossímil para um problema dramático. Em sentido figurado, algo que inesperadamente propicia uma solução para uma situação difícil, como escrevem os curadores.

É senso comum que a organização de arquivos parte de escolhas pessoais e ideológicas e que, portanto, muito da nossa história é inventada e pode ser reescrita a partir de novas descobertas. Nesse sentido, dentre as dez coleções selecionadas para compor a mostra, algumas se destacam, como o excelente e contundente trabalho do fotógrafo português João Pina, que trata da Operação Condor, realizada nas décadas de 1970 e 1980, numa das piores alianças político-militares feitas pelos governos ditatoriais sul-americanos. Também instigante, o Bajo Sospecha: Aqui Somos Todos Suspeitos, obra do chileno Bernardo Oyarzún, mescla fotografia com documento, como arte e como performance, lembrando que todos estamos prontos a aceitar visões equivocadas, desde que apareçam documentadas oficialmente. Basta dizer que o fotógrafo criou esse conjunto de mais de 160 imagens depois de ser confundido com um delinquente por sua aparência. Usou o seu próprio rosto e o de 164 familiares.

Do Peru, o pesquisador e curador Jorge Villacorta apresenta o trabalho do japonês Rikio Sugano (1887-1963), que durante um ano, de 1923 a 1924, se autorretratou em paisagens andinas. No Brasil, André Penteado apresenta sua pesquisa realizada no Pará em 2015. Por meio de imagens e vídeos, ele procura recriar a Revolta dos Cabanos, numa tentativa de comprovar que a falta de vontade política de cuidar de problemas sociais é sempre causadora de ódio e violência. O que a exposição sintetiza é que, a partir do momento em  que a imagem se torna protagonista do conhecimento e uma das principais veiculadoras deste, nós deixamos de vivenciar experiência e passamos a consumir representações.

 

 


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