Selfies de um casal em sua viagem pela Califórnia, fotos de um surfista nos mares de Bali, imagens das unhas de uma garota com símbolos do Corinthians. Vestígios da intimidade, estas fotos poderiam estar na timeline do Facebook. Mas elas se encontram nas últimas obras da artista Leda Catunda, que apresenta a exposição I Love You Baby no Instituto Tomie Ohtake. Com curadoria de Paulo Miyada, a mostra traz cerca de cem trabalhos, entre pinturas, colagens, gravuras, desenhos e objetos.
Em I Love You Baby, a artista paulistana continua a investigar a temática do gosto e a sua relação com a identificação e o consumo. A questão já aparece desde seus primeiros trabalhos até a sua última individual, realizada em 2015 no Galpão Fortes Vilaça. No entanto, nesta exposição Catunda passa a tratar do impacto da internet e das redes sociais na vida cotidiana. Na obra que nomeia a mostra, por exemplo, ela apresenta uma colagem de imagens que encontrou no Google após digitar as palavras “amor” e “romance”. A artista conta um pouco sobre o trabalho: “São imagens de um casal ‘se pegando’ que revelam um pouco essa exposição exacerbada que fazemos da nossa própria vida afetiva”, comenta.
Ainda a respeito do impacto das novas tecnologias, Catunda afirma: “Quando você olha os retratos do início do século XX, as pessoas não riem, elas estão do jeito que o fotógrafo mandou. Já hoje, elas sabem qual é o seu melhor ângulo. Também é possível apagar e tirar uma foto que seja mais favorável. A ideia de você editar a sua própria imagem é algo que me interessa como artista”. Esse olhar voltado para o comportamento do público é algo constante na produção de Catunda. Pertencente à chamada geração 80, que ampliou os conceitos da pintura, Leda começou sua carreira produzindo litografias que faziam referências às imagens televisivas. Posteriormente, seu trabalho passou a ser menos narrativo e mais atento às questões estruturais. O uso de objetos do cotidiano, como toalhas, tapetes, plásticos e camisetas, tornou-se uma característica central na produção da artista, que brinca que seu trabalho pode ser definido como “cama, mesa e banho”.
Nas obras apresentadas nesta individual, Catunda se apropria e resignifica as fotos postadas nas redes sociais, como explica Miyada: “A Leda trabalha com um universo de imagens, materiais, símbolos e marcas que as pessoas consomem e produzem sistematicamente para criar a própria imagem. Tudo isso aparece na exposição porque são elementos de que o trabalho se apropria, mistura, recombina e não higieniza ou limpa, mantendo o caráter às vezes mais brega, exagerado ou apelativo”, afirma.
As roupas, em particular, são materiais pelos quais a artista se interessa, por serem signos de status social e pertencimento, além de revelarem as noções tênues entre o que seria bom ou mau gosto. Vários de seus trabalhos têm estampas que ela retirou de camisetas de surfe, de bandas de rock e principalmente de roupas esportivas, que remetem “a essa imagem do corpo sarado, que é uma nova higienização que fiscaliza se você está no seu peso ideal, se seu cabelo está do jeito certo, dentre outras coisas”, afirma Catunda. Os vestuários também aparecem na obra Coisas para Comprar, composta por etiquetas de diversos produtos, como explica a artista: “Eu falo que nós vivemos no fim do capitalismo porque é um momento no qual se perdeu totalmente o controle. Nesta obra, temos inúmeras referências, desde creme Nivea e Advil até a revista Poder. Tanto faz se a coisa é cara ou barata, para o cabelo ou para o corpo. O fenômeno do comportamento associado ao consumo é uma situação da qual ninguém escapa mais”.
Esses diferentes objetos são unidos em sua obra pela costura, técnica presente desde o início de sua produção e que também remete ao popular e ao artesanal. Ao contrário de alguns artistas da sua geração como Iran do Espírito Santo e Ana Maria Tavares, que utilizam materiais como granito, vidro, metal ou pedra, Catunda conta que sempre optou por uma estética que define como “precária” e remete a uma arte do cotidiano. O emprego da costura fez com que seu trabalho fosse relacionado ao universo feminino, associação que ela não nega, mas aponta as complexidades: “Eu estudei com os rapazes da Casa Sete (grupo formado por Nuno Ramos, Paulo Monteiro, Fábio Miguez, Carlito Carvalhosa e Rodrigo Andrade), que produziam pinturas brutas, com muita tinta, bem expressionistas mesmo. E acho curioso que, como eu costurava, todo mundo falava que a minha produção era feminina. Em compensação, ninguém perguntava para os meninos: seu trabalho é masculino? Eu sentia que havia uma atitude de rebaixamento que reforçava que, por eu ser mulher, meu trabalho falaria necessariamente de questões femininas”, afirma.
Nesta costura que une diferentes elementos há também um olhar afetivo da artista para os materiais que compõem as obras, como pontua Miyada: “O trabalho da Leda se apropria desses elementos e permite que você às vezes dê risada, às vezes estranhe, mas nunca numa posição distante, de julgamento. Isso é muito importante, pois diante da velocidade do mundo, se ficarmos num lugar totalmente discursivo e protegido não damos conta de entender o turbilhão das transformações e acabamos estereotipando tudo”. A artista afirma: “Esse fluxo veloz de imagens revela muito da alma humana, na medida em que todo mundo busca um sentimento de conforto. Se você está bonita, está amando, torcendo ou indo ao show do Metallica, isso te tranquiliza de certa forma. O capitalismo é um sistema muito cruel que excluiu as pessoas. Elas almejam ser incluídas acessando as imagens. Quero entender por que o público se interessa especificamente por alguns tipos de imagem, acho isso muito atraente porque não é racional. É algo que mexe com os nossos desejos, e eles não são práticos, muito pelo contrário. Os desejos fazem a gente ralar”.
Serviço – Leda Catunda – I Love You Baby
Até 15 de janeiro de 2017
Instituto Tomie Ohtake – Rua Coropés, 88, São Paulo
11 22 45 1900
Deixe um comentário