Projeto multidisciplinar discute a ocupação do espaço público

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Instalação “Aparelhagem” Crédito: Marcos Cimardi

Em tempos de crise, ganha força um discurso no qual a política é demonizada. Sob a lógica de que todos são corruptos, defende-se que a classe política seja varrida para debaixo do tapete. Uma instalação, localizada na área de convivência do Sesc Ipiranga, confronta essa visão. Intitulada Aparelhagem, a obra é inspirada na arquitetura do plenário do Congresso Nacional, convidando o público a ocupá-la e propor novas possibilidades de uso. A instalação integra o projeto Campos de Preposições, em cartaz no Sesc e idealizado pelo O Grupo Inteiro, em parceria com artistas convidados e a Central Saint Martins – University of the Arts London.

Formado por Carol Tonetti, Claudio Bueno, Ligia Nobre e Vitor Cesar, O Grupo Inteiro é um coletivo multidisciplinar que começou há dois anos. Com formações distintas, eles desenvolvem projetos que investigam a ocupação do espaço público, unindo conceitos da arte, arquitetura e design. No começo desse ano, participaram da exposição Playgrounds, no MASP, com a obra Condutores, um trepa-trepa formado pelas estruturas internas de apoio do ônibus. Também idealizaram o projeto espacial do Restauro, obra de arte e restaurante da 32ª Bienal de São Paulo.  Em Campos de Preposições, o grupo apresenta projetos de artistas como Clarisse Lima e Aretha Sadick, além de promover oficinas, encontros e debates que visam discutir as formas de convivência no presente.

O grupo enfatiza que não se trata de uma exposição tradicional, mas de uma plataforma dispositiva que convida o público a interagir e não apenas contemplar. Na obra Aparelhagem, por exemplo, as pessoas podem sentar, deitar e permanecer o tempo que quiserem na instalação. “Trazer esse trabalho para uma área que é de convivência pública, mas também tem um caráter doméstico, reforça justamente que a dimensão política é cotidiana, ela nos atravessa, não podendo ser ignorada”, afirma  Ligia Nobre.

Na instalação, também há áudios que o público pode ouvir nos fones, com falas como a da artista Daniela Matos, que discorre sobre a presença feminina na política. Segundo a Carol Tonetti: “Nos interessava essa multiplicidade de vozes contra a situação que vivemos hoje, com a prevalência do discurso do corpo branco e heterossexual. É uma chamada para ocuparmos os espaços de outras formas, com outros corpos. Trata-se justamente de refletir  sobre a ideia de convivência, não como algo apaziguado e sem conflitos, mas como um espaço de negociação”.

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Projeto desenvoldido pelo artista Bruno Moreschi em coloboração com pintores da Praça da República e do Trianon. Foto: Divulgação

Essa valorização de outras vozes que confrontem o discurso hegemônico também aparece na obra de Bruno Moreschi. O artista recria a famosa tela Independência ou Morte (1888), de Pedro Américo, com pintores da Praça da República e do Trianon. Ao longo do projeto, o grupo reproduzirá fragmentos da tela que passam despercebidos. “Tratam-se de disputas por narrativas. Quando o Bruno convida os pintores para refazerem o quadro, é um esforço justamente de questionar quem faz a História e como ela é contada e mantida”, ressalta Claudio Bueno.

Mas, segundo o artista, não se trata de negar a tradição, mas de problematizá-la: “ A gente podia simplesmente recusar essa história fabricada do quadro. Afinal ele foi pintado na Itália, sessenta anos depois da independência. Assim como podíamos simplesmente nos afastar do Congresso , como uma espécie de ojeriza à política. Mas não queremos negar as marcas, mas assumi-las como um elemento que atravessa os modos de vida. Todas essas contradições estão postas”.

A história do bairro do Ipiranga também é retomada com a escultura Diana, a Caçadora (1920) de John Graz. A obra faz parte do acervo do Sesc, tendo pertencido à casa que existia no lugar onde foi construída a instituição. Durante Campos de Preposições, a escultura ficará exposta na área de convivência do Sesc, apoiada sobre uma base composta pelas cores que formam o símbolo do Posto Ipiranga (azul e amarelo). De acordo com Ligia Nobre: “Trazemos na base da Diana as cores do Posto Ipiranga porque quando você digita no Google a palavra Ipiranga, das cem primeiras referências, oitenta e quatro são do posto. Há pouquíssimas menções ao bairro ou ao museu. O que claro, nos leva a questionar: como o Google funciona? Quem paga? A questão de quem detém essas narrativas é uma sutileza que nos interessa”, afirma.

Dentre os trabalhos apresentados também chama atenção  Parkour para Idosos, desenvolvido pelo performer Jerônimo Bittencourt em parceria com O grupo inteiro. Eles projetaram um mobiliário específico para ser utilizado em oficinas de parkour para idosos, público frequente do Sesc. Como enfatiza Claudio Bueno, não se trata obviamente de propor que os idosos façam o mesmo que os jovens que praticam parkour, mas entender os seus limites e desafios. “O Jerônimo chama atenção justamente para a dificuldade de um idoso ocupar a cidade. Se nós, que somos mais novos, já vivemos esses obstáculos super complexos, para um idoso isso começa a realmente limitar o uso do espaço. Tem então um processo de você colocar seu corpo em alguns desafios e de se sentir mais seguro. O mobiliário criado é assim um conjunto que pode ser recombinado, possibilitando a criação de novos percursos”, afirma.

Em cartaz até dezembro, o projeto possui uma programação ampla, que conta ainda com ações de vários artistas – Jorge Menna Barreto, por exemplo, plantará no jardim do Sesc- além da exibição de filmes e oficinas (acesse a programação completa aqui). A parceria com a Central Saint Martins – University of the Arts London acontece em workshops realizados pelos professores da instituição Elizabeth Wright e Anthony Davies. Wright fotografará objetos do cotidiano trazidos pelo público, que serão transformados em modelos 3D e integrados à instalação Aparelhagem.

É justamente essa conexão entre o público e o privado, a memória e a história e as disputas em torno da cidade que serão abordadas ao longo do projeto. Segundo Carol Tonetti: “Como o campo da arte pode devolver algumas respostas para a cidade? No Masp, falávamos do ônibus como área de convivência. Aqui neste trabalho também há essa instância. Em nossos projetos, há sempre a questão do espaço expositivo como plataforma para fora, e não só como instância de apreciação”, afirma.

Serviço – Campos de Proposições

Até 4 de dezembro
Sesc Ipiranga

Rua Bom Pastor, 822, Ipiranga, São Paulo, SP


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