2016 será o 1985 de Antonio Malta Campos. Trinta e um anos atrás, o artista não participou da Bienal de São Paulo por um desses desvios que podem ocorrer em qualquer carreira e que representam um caminho mais longo para se chegar ao mesmo lugar, só que muito tempo depois.
Em seu caso, o que atrasou sua entrada no Olimpo da arte brasileira foi o fato de ele ter abandonado o ateliê Casa 7, em 1983, um ano após ter fundado o espaço com Carlito Carvalhosa, Paulo Monteiro, Fábio Miguez e Rodrigo Andrade. Depois de sua saída, os quatro se destacaram em meia à onda do retorno à pintura da década de 1980 e todos acabaram selecionados para a 18ª Bienal de São Paulo, em 1985. Menos ele.
“Eu me apaixonei e fui dividir ateliê com minha namorada, Maina Junqueira, com quem tive minha filha. Acabei não sendo escolhido para a Bienal, deixei de pintar por cinco anos e retornar depois disso é mais difícil”, contou Malta Campos, em seu ateliê no bairro de Santa Cecília, na véspera da retirada das obras que vai apresentar na 32ª Bienal de São Paulo. Entre 1990 e 1995, ele trabalhou em um grande escritório de arquitetura, sua área de formação. “Foi aí que percebi que não tinha futuro como arquiteto e voltei a pintar no fundo da casa de meus pais”, recorda-se.
Em Incerteza Viva, ele comparece com duas séries: quatro dípticos de grande dimensão e cerca de 200 Misturinhas, que tiveram início em 2000. Essa série tem apenas um princípio: é sempre feita no mesmo formato, em papel Holler, uma espécie de papel-cartão de pequeno tamanho, com apenas 20 x 25 cm. “A lógica é não ter lógica. A proposta é não racionalizar muito, o que tem a ver com as colagens cubistas que admiro muito”, resume. Nelas, pode-se usar qualquer tipo de tinta, desenhar e mesmo fazer colagens, técnica que foi adicionada em 2003.
“Comecei a fazer essa série por sugestão do Marcelo Cipis, esse trabalho foi uma ideia dele. Cada um fazia um e mostrava para o outro”, explicou, ao lado de duas caixas repletas de Misturinhas.
Elas são caracterizadas por ele como “um exercício experimental”, em geral realizadas após o almoço, e sempre produzidas em quantidade. Enquanto para terminar uma pintura convencional Malta Campos leva cerca de um mês, em poucas horas ele realiza cinco ou seis Misturinhas. “Na minha cabeça, elas não eram um trabalho importante, e só mostrei em uma exposição na galeria Virgílio, em 2004, e depois no Centro Cultural São Paulo, em 2012, por insistência da minha filha e da minha mulher”, conta.
A mostra em 2012, realizada com Erika Verzutti, também selecionada para a 32ª Bienal, com curadoria de José Augusto Ribeiro, é considerada por ele sua volta ao circuito de fato. “Foi esta exposição que me recolocou. Após ver a mostra, a Philly Adams, diretora da Saatchi Gallery, comprou quatro trabalhos e os expôs em Londres na sequência”, diz Malta Campos.
A Saatchi Gallery, do publicitário inglês Charles Saatchi, que nos últimos tempos frequentou as páginas policiais dos jornais por ter sido pego apertando, em público, a garganta da ex-mulher Nigela Lawson, é uma incubadora de novas promessas, graças ao estilo do colecionador. Menos um amante da arte, Saatchi é conhecido por investir em novos talentos, como fez nos anos 1990 com a chamada Nova Geração Britânica (Young British Artists), tendo Damien Hirst à frente. “Ele chegou determinando o preço, que era abaixo do comum, mas era aceitar ou não”, conta Malta Campos, que vendeu quatro telas a ele.
Foi ainda no Centro Cultural São Paulo que o curador da 32ª Bienal, Jochen Volz, viu, em 2012, a obra do artista. “Eu mesmo nem me lembrava, mas ele me recordou, quando esteve aqui no ateliê, que a Erika nos apresentou na mostra”, diz.
Nessa visita ao ateliê, junto com a curadora-adjunta Júlia Rebouças, Volz selecionou os trabalhos de grandes dimensões e também o grande conjunto de Misturinhas. Para uma bienal que trata de questões um tanto concretas, mesmo que parte delas passe por um sentido meio exotérico, a seleção de Malta Campos pode ser vista com certa surpresa. “Eu sou um estranho no ninho, mas acredito que meu trabalho tenha sido escolhido por ter uma entrada mais visual”, especula.
De fato, tanto as pinturas quanto as Misturinhas são obras de um forte apelo visual, construídas com formas bastante estranhas, longe da pintura certinha, bem acabada e de efeito que hoje é valorizada, com Beatriz Milhazes à frente dessa tendência.
Para o artista, contudo, sua obra está em diálogo direto com modernistas como Picasso ou mesmo Burle Marx. Em muitas de suas telas, seria possível ver algo das vistas aéreas dos jardins projetados pelo alemão radicado no Rio de Janeiro, mas para Malta Campos isso é apenas coincidência. “Bebemos todos na mesma fonte, que é a manipulação das formas”, defende. Como típico membro da chamada Geração 80, ele lembra que a pintura daquela época era uma reação à arte conceitual da geração anterior e que as maiores referências eram justamente os modernistas. “O curioso, no meu caso, é que agora estou sendo incluído em meio a uma turma que volta à arte conceitual”, espanta-se.
Desde que iniciou as Misturinhas, Malta Campos produziu cerca de 550 peças e algumas viraram esboços para as pinturas de grande formato. Na 32ª Bienal, as pinturas que ele vai expor foram realizadas com assistência de Antonia Baudouin, estudante de cinema, e que ganha crédito no trabalho por ir além de apenas pintar conforme sua orientação. “Em um dos trabalhos, há um verdadeiro diálogo; eu pintava uma imagem e ela respondia com outra”, conta. Outro aporte da assistente é que, pela primeira vez em sua carreira, as telas ganham título.
Com esse método colaborativo na pintura e experimental nas Misturinhas, Malta Campos, afinal, parece fazer todo sentido em Incerteza Viva. Há 30 anos, ele seria apenas mais um pintor em meio a dezenas de tantos outros. Agora, é um pintor com procedimentos contemporâneos. Nem sempre os caminhos mais curtos são os melhores.
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