Rasgos e restos

Nino Cais, série "Remanentes", 2014-2015, colagem Foto: Reprodução
Nino Cais, série “Remanentes”, 2014-2015, colagem Foto: Reprodução

Para criar uma das obras apresentadas na exposição Um Cais para Nino, no ano passado, no Paço das Artes, em São Paulo, o paulistano Nino Cais colou uma fita adesiva numa foto, para em seguida puxá-la, rasgando parte da camada de tinta do papel fotográfico. À época, Tadeu Chiarelli, curador da mostra, ressaltou que o artista explorou a própria materialidade do suporte com esse procedimento.

Ecos dessa experimentação podem ser percebidos na primeira individual realizada por Cais em solo argentino, aberta em julho, na galeria Gachi Prieto, na capital portenha. Remanentes (Remanescentes) abriga uma série de colagens de imagens fotográficas, feitas a partir de livros antigos. “Tadeu me confrontou com possibilidades da fotografia que eram dormentes em mim”, avalia o artista. “A mostra em São Paulo potencializou os trabalhos apresentados em Buenos Aires, demarcou um território e eu estou aproveitando algumas questões para prosseguir no caminho.”

Antes de conceber as obras da exposição argentina, Cais fez incursões em sebos, muitos deles no bairro paulistano de Pinheiros, onde mora, mas também em Veneza e Buenos Aires. Flertava com publicações diversas, levava algumas para casa ou o ateliê e esperava uma espécie de tempo de maturação. “Não trabalho com discursos pré-concebidos. O material vai construindo o caminho, os conceitos surgem de acidentes”, conta o artista. “Chega então o dia em que acontece o que chamo de ataque, e aí vêm as intervenções.”

Nino Cais, série "Remanentes", 2014-2015, colagem Foto: Reprodução
Nino Cais, série “Remanentes”, 2014-2015, colagem Foto: Reprodução

A partir de recortes dos livros, Cais foi sobrepondo camadas de imagens, rasgando-as, até chegar a uma textura ou aparência de estampa mais abstrata. “A superfície das fotos não me basta, então é preciso sangrá-las de modo simbólico”, afirma o artista, que nos trabalhos reverbera também as possibilidades da obra-objeto ou obra-imagem propostas em Étant Donnés, de Marcel Duchamp (1887-1968), parte do acervo do Museu de Arte da Filadélfia (EUA). Na assemblage do artista francês, através de orifícios numa porta de madeira, o espectador vê uma cena com um muro em ruína e um corpo feminino nu sobre folhas secas e gravetos.

“Não há exatamente uma relação direta com Duchamp, mas um comentário sobre Étant Donnés e a maneira como o espectador tem de entrar na obra”, explica Cais, que também empresta algum apelo erótico e voyeurismo aos trabalhos exibidos na Gachi Prieto. “Num dos trabalhos eu passo uma fita de cetim sobre a imagem, cobrindo os corpos, num jogo de esconde e revela, de dentro e fora”, diz.

A individual na Argentina acontece após três anos de “namoro” entre a Gachi Prieto e Cais. O artista pediu um interlocutor para dialogar sobre a mostra e a galeria indicou Francisco Medail, um “curador jovem e bem capacitado”, como ressalta Cais.

Em seu texto de apresentação, Medail afirma que Cais trabalha com “imagens em desuso, elementos visuais que perderam sua vigência através do tempo. São ruínas, fragmentos, restos de informação. Recuperá-las de seu leito de morte para estabelecer novas possibilidades de codificação é um gesto estético político muito especial para uma época que se caracteriza pelo predomínio das economias digitais e pela superprodução visual”.

Nino Cais, série "Remanentes", 2014-2015, colagem Foto: Reprodução
Nino Cais, série “Remanentes”, 2014-2015, colagem Foto: Reprodução

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