São Paulo ganha Memorial da Imigração Judaica

Visitante observa fotos no memorial. Foto: Marcos Ferraz
Visitante observa fotos no memorial. Foto: Marcos Grinspum Ferraz

A maior causa do antissemitismo, assim como da xenofobia, é a ignorância. Quem afirma é o rabino Toive Weitman, coordenador do recém-inaugurado Memorial da Imigração Judaica no Brasil, em São Paulo, sediado no prédio da mais antiga sinagoga do Estado, a Kehilat Israel (1912). “Grande parte do ódio a outras culturas e religiões vem da falta de conhecimento. Quando as pessoas começam, por exemplo, a entender mais sobre a história dos judeus, o quanto foram perseguidos em outros países, as dificuldades que passaram aqui e o quanto contribuíram para o crescimento do Brasil, elas começam a olhar de uma forma diferente”, diz ele.

É nesse sentido que o papel educativo do memorial – concebido para homenagear os milhares de judeus que desembarcaram em terras tupiniquins buscando uma vida melhor – ganha também um significado político, de busca por tolerância, principalmente em uma época em que xenofobia e preconceito seguem vivos (não só na Europa, mas também no Brasil, como exemplificam casos recentes ocorridos com haitianos e bolivianos, entre outros). “Então o memorial foi criado não só para a comunidade judaica, mas para uma coletividade maior”, diz Weitman. “Porque a gente quer honrar a memória destes imigrantes e, ao mesmo tempo, agradecer ao Brasil, que deu para eles essa oportunidade, um novo horizonte. O judeu tem uma profunda gratidão pelo nosso país”, afirma o rabino.

Em três andares do edifício no bairro do Bom Retiro – chamados “O que Construímos”, “Onde Estamos” e “O que Mantivemos” –, o memorial apresenta com vídeos, projeções e telas interativas as principais características da cultura e religião judaicas: idiomas, festas, comidas, tradições, ritos de passagem etc. Com curadoria de Fabio Magalhães e expografia assinada pela Base 7 Projetos Culturais, o espaço tem também um acervo de objetos, fotos e outros documentos que, junto a grandes painéis, ajudam a contar a história dos imigrantes e das perseguições sofridas ao longo dos séculos. Um quarto andar – “De Onde Viemos” – deve ser inaugurado em 2017, com informações sobre os países de origem dos judeus e um espaço chamado Jardim do Holocausto, dedicado à história do genocídio durante a Segunda Guerra Mundial.

Um judeu na caravela de Cabral

Poucos sabem, mas a história dos judeus no Brasil começa com a própria chegada de Pedro Álvares Cabral, em 1500, e essa é uma das histórias contadas no memorial. Na embarcação estava o intérprete Gaspar da Gama, judeu da Europa Central, um dos primeiros a tentar se comunicar com os índios nativos. Tempos depois, no século 17, as invasões holandesas trouxeram grande número de judeus a Pernambuco, onde foi fundada, em Recife, a primeira sinagoga das Américas (1630). Outras levas chegaram ao país nos séculos seguintes, como a de judeus marroquinos em Belém, no século 19, mas foi a partir da Constituição Republicana de 1891, com a proclamação da liberdade religiosa, que o movimento migratório se intensificou.

Fugindo da pobreza e das perseguições, milhares de judeus partiram para as Américas em busca de uma vida melhor. Antes mesmo do nazismo, os pogroms (ataques violentos e maciços a comunidades judaicas) no Leste Europeu expulsavam famílias do velho continente. Estados Unidos, Canadá, Argentina e Brasil eram alguns dos destinos. No Brasil, após chegar aos portos do Rio ou de Santos, muitos seguiram para São Paulo e se estabeleceram principalmente no bairro do Bom Retiro. Ali, sinagogas, escolas judaicas, restaurantes tradicionais e outros estabelecimentos criaram um ambiente confortável para a nova vida dos imigrantes. Para Weitman, portanto, é simbólico que o memorial esteja sediado no bairro: “Mesmo os judeus que não estão mais no Bom Retiro começaram ali. Eles ou os pais, os avós… Ou tinham loja no bairro, ou fizeram Bar Mitzvah lá, quer dizer, todos têm uma história”.

Boa parte da comunidade judaica paulistana migrou para outros bairros, como Higienópolis e Jardins, principalmente a partir dos anos 1990. E, segundo o rabino, a ideia de criar o memorial surgiu justamente quando a sinagoga passou a ter um número menor de frequentadores.  “Então pensamos que a coisa mais bonita de se fazer ali seria honrar a história desses imigrantes, e assim surgiu o projeto do memorial. É a primeira sinagoga do Estado de São Paulo, fundada por judeus vindos da Bessarábia (região que pega Moldávia, Romênia e Ucrânia), e onde de fato começou a comunidade em São Paulo. Foi o coração dessa vida por muito tempo, com escola, cooperativa e tudo mais”. Com a inauguração do Memorial, o prédio retoma, de algum modo, seu protagonismo na vida da comunidade judaica paulistana. Mas abre as portas, também, para a cidade e a população como um todo.

Serviço – Memorial da Imigração Judaica
Rua da Graça, 160, Bom Retiro, São Paulo
(11) 3331-4507
memij.org.br


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