TabomBass experiência sonora

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“TabomBass”, Vivian Caccuri. Crédito: Luiza Sigulem


O
sound system ganha espaço na 32ª Bienal de São Paulo como processo expandido de escultura, caracterizado pela contaminação entre as artes plásticas e a música. A instalação de Vivian Caccuri é a prova de que os embates formais nunca estiveram desvinculados de um lastro experimental. Nesta plataforma, o universo sonoro é visualizado graças a uma cenografia concebida especialmente para a exposição. TabomBass nasceu das andanças da artista por Gana, refazendo a rota dos escravos que foram expulsos do Brasil em 1832. Seus descendentes vivem em Jamestown, distrito de Accra, capital de Gana, onde de início exerceram seus conhecimentos em irrigação, arquitetura e forja de metais, aprendidos “sob a chibata”, no Brasil. Hoje eles complementam seus saberes com manifestações artísticas espontâneas, como a presença viva da música e suas ramificações.

Vivian Caccuri trabalha com deslocamentos e cria inter-relações entre fenômenos sonoros, espaço público e a elaboração de sound systems. Sua instalação sonora forma uma espécie de altar composto por 12 sound systems, tendo à frente três velas acesas cujas chamas se movimentam com a vibração do som. A obra, subordinada a uma percepção histórica, liga o Brasil escravocrata à África por meio de composições de músicos ganenses. A estratégia sonora consiste em retirar das composições todas as frequências agudas, até restar somente o bass, o grave. Os vazios deixados por essa desconstrução serão depois preenchidos por músicos brasileiros. Ouvir essa obra não levará a um mergulho na alma, mas ao contato com um som efêmero, fugaz e contagiante, que funciona como resíduo de uma ação programada. O fenômeno sonoro liberta-se de um canal perceptivo e se inscreve nas práticas performáticas, como em um processo de “desmusicalização”. O título TabomBass se refere ao povo Tabom, cujo nome tem origem nos escravos que costumavam dizer “tá bom” quando alguma coisa estava bem para eles.

Na cidade de Accra, o pequeno centro cultural Casa do Brasil é hoje ponto de encontro de músicos e artistas. Empiricamente, eles seguem as correntes futurista e dadaísta, que fluíam de uma modernidade dinâmica e utilizavam o ruído como matéria sonora engajada com a vida. Ali, viver a música é uma prerrogativa básica e não há limites para experimentações.

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A artista Vivian Caccuri durante sua pesquisa em Gana

Artista  multimídia, Vivian Caccuri vive no Rio de Janeiro e já desenvolveu projetos na Amazônia, Finlândia, Letônia, Polônia, Noruega, Chile e Itália. Tem colaborado com vários músicos, como Arto Lindsay e Gilberto Gil. Suas experimentações na sound art já foram transmitidas por estações de rádio, como Resonance FM, de Londres, Kunstradio, de Viena, e Mirabilis, do Rio de Janeiro. Autora do livro O que Faço É Música, Vivian Caccuri fez mestrado em Estudos do Som Musical na Princeton University /UFRJ. Ela debruçou-se sobre as primeiras experimentações de artistas plásticos nos estúdios fonográficos nos anos 1970, 80 e 90 e, com TabomBass,  reafirma novos gêneros musicais africanos e sua preocupação com a pesquisa. Com ela atuam e assinam a “performance” os ganenses Keyzuz, Wanlou, Kuve, Yamp, Panzi Anoff, Mutombo da Poet, Men Sattichlite, Sankofa, Stelco e Chalileo. Nesse mote, eles convocam artistas brasileiros a interagirem com os compositores ganenses, em performance na qual todos são ouvintes e criadores de sons, agentes ativos de uma paisagem sonora.

O sound system pode ser entendido como categoria artística que interage com diferentes movimentos experimentais. Vivian Caccuri deixa um espaço aberto para a música e o sistema de som a reproduz como se fosse uma estação de rádio. A origem do sound system está nos happenings, na  música eletroacústica das décadas de 1960 e 70. Suas múltiplas raízes africanas vão aflorar nesta “instalação”. A cada duas semanas, músicos e produtores brasileiros participarão ao vivo do projeto, oportunidade em que irão dialogar musicalmente com seus colegas africanos. O primeiro desses diálogos no espaço da Bienal será transmitido ao vivo para a Casa do Brasil, em Accra. O trabalho colocará em evidência a invenção de espaços, capaz de alterar a sensação cotidiana do tempo e da presença física dos músicos. Para Platão, a música e a aritmética eram as disciplinas mais importantes na educação dos jovens, pela capacidade de desenvolver a harmonia e o raciocínio. O centro cultural Casa do Brasil parece levar esse ensinamento à risca. Lá, todos os saberes musicais se concentram e, a  partir dessa experiência com os brasileiros, poderão se tornar acessíveis ao público por meio de um álbum, que será gravado para sair no próximo ano. Tabom! Tá muito bom!


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