Veja a entrevista com Juliano Ribeiro Salgado, diretor de ‘Sal da Terra’

'Sal da Terra' é o segundo longa de Juliano Ribeiro Salgado - Foto: IMDb
‘Sal da Terra’ é o segundo longa de Juliano Ribeiro Salgado – Foto: IMDb

Juliano Ribeiro Salgado concedeu uma entrevista a Brasileiros, por telefone, de Berlim. O diretor de Sal da Terra fala um português sem falhas com um leve, porém notável, sotaque francês. Cresceu na França, lugar onde seus pais, Lélia Deluiz Wanick-Salgado e o fotógrafo Sebastião Salgado, assim como muitos outros militantes de esquerda, se exilaram, no final da década de 1960, fugindo da Ditadura Militar no Brasil.

Nascido em 1974, entrou na área do audiovisual com 22 anos, em 1996. Inicialmente, fez reportagens e outros trabalhos para a televisão francesa. Assim como seu pai, viaja bastante a trabalho. Seu envolvimento com o cinema se fortaleceu com o passar do tempo, até que no final dos anos 2000 conseguiu um financiamento do renomado canal televisivo francês ARTE. Assim, lançou seu primeiro longa em 2009, Nauru, an Island Adrift, que participou de vários festivais ao redor do mundo.

Leia crítica sobre o documentário ‘Sal da Terra’

Refere-se ao fotógrafo de três formas diferentes: Tião, pai e Sebastião. Conta sobre a relação difícil que tiveram por muito tempo e como o filme ajudou a relação dos dois. Diz que quando pequeno, sentia muita falta de seu pai, que passava cerca de oito meses viajando por ano e que talvez tenha guardado um certo ressentimento dessa época.

Também lembra, com carinho, do codiretor do longa, o alemão Wim Wenders, com quem compartilhou a construção do projeto que recebeu indicação ao Oscar de 2015, na categoria de melhor documentário.

Veja abaixo a entrevista completa:

Brasileiros – Como foi fazer o filme Sal da Terra?

Juliano Ribeiro Salgado – Foi um processo bem longo. O Wim [Wenders] apareceu em casa um dia, em 2009, para jantar. Ele tinha uma admiração muito grande pelas fotos do Tião e falava que queria fazer um projeto com ele. Mas naquele momento não sabia o que, como, nem quando. Há pouco tempo, eu viajei com o Sebastião para a tribo indígena Zo’é (noroeste do Pará). Eu tinha medo de me encontrar numa situação entre quatro paredes com ele, mas acabou indo muito bem. Na volta, eu mostrei as filmagens para ele. Imagens não mentem, o jeito como você filma alguém, o que você mostra, é muito característico. Quando o Tião viu o meu olhar para seu trabalho, ficou muito emocionado e isso tocou nossa relação. Ele é um cara da imagem e entende dessas coisas. Isso também abriu a porta para que eu pudesse pensar no filme. O momento foi oportuno, o Tião aceitou meu olhar e fazia o último projeto dele, o Gênesis.

Comecei a pensar e tive a intuição que tudo o que o Tião viveu nas viagens, o que presenciou, fazia dele uma testemunha do nosso passado recente, mais do que um fotógrafo importante. Procurei o Wim [Wenders], trocamos essa ideia, e tínhamos a mesma intuição. Então começaram trocas de e-mail, contatos, encontros em Paris e Berlim, até o momento em que encontramos esse arco dramático maior.

O Wim Wenders estava no processo desde o começo?

Wim Wenders tinha muita vontade de fazer o filme e estava próximo do processo, mas eu o chamei para participar. Minha relação com o Tião não era muito boa, era necessário que alguém me ajudasse a entrevistá-lo para trazer todas as coisas importantes que ele tinha para falar. Nós tivemos a ideia juntos, dividimos a filmagem e editamos juntos.

O alemão Wim Wenders é dono de uma extensa filmografia ficcional e documental. Entre seus filmes estão Buena Vista Social Club (1999) e Medo e Obsessão (2003) - Foto: IMDb
O alemão Wim Wenders é dono de uma extensa filmografia ficcional e documental. Entre seus filmes estão Buena Vista Social Club (1999) e Medo e Obsessão (2003) – Foto: IMDb


Como foi para você, que quando criança via seu pai viajando, acompanhá-lo em outro projeto agora?

Ele viajava cerca de 8 meses por ano. Estar com ele foi super interessante. Eu queria reencontrar meu pai. Eu conhecia as histórias, sabia as reportagens que podiam contar a trajetória do Sebastião. Mas quando eu vi duas horas e meia de entrevista, filmada pelo Wim, foi que entendi o que o Sebastião tinha passado, o quanto ele sofreu e aprendeu naquelas situações todas. Isso mudou minha visão sobre ele.

Então, ainda como criança você tinha um imaginário sobre essas viagens. Como foi vivenciá-las?

Foi bem difícil lidar com isso. Quando eu era criança, eu contava para os pais dos meus amigos e professores onde ele estava e a reação, muitas vezes, era de muita surpresa. Eu admirava isso, tinha a consciência de que o meu pai fazia algo grande, que poucos faziam. Quando eu tinha 10 anos, meu pai trabalhou na Etiópia e as fotos dele começaram a ter mais destaque na mídia. No caso da França, as fotos saíam na primeira página de um jornal de muita importância, o Libération. Ele mudou a ideia de muitas pessoas sobre o que acontecia naquele momento na Etiópia. Eu via que o Tião tinha encontrado um lugar para a fotografia dele, uma função. Então, isso amenizava bastante a falta que eu sentia dele, mesmo que fosse muita. Acho que guardei um certo ressentimento sobre isso, que só foi mudado com o filme.

E as entrevistas com o seu avô? Quando elas foram feitas? Com que finalidade?

Isso aconteceu meio por acaso, eu nunca soube que ia usar essas imagens. Filmei acho que em 1997. Quando fomos editar as filmagens, eu lembrei dessa entrevista e fui ver de novo. Foi muito legal descobrir o ponto de vista muito forte do meu avô sobre a terra e a maneira como essa terra era ligada à família, além da falta de solução para alguns problemas.

E a introdução da Lélia no filme?

Procuramos bastante a narrativa desse filme, demoramos para encontrar [o caminho] como contá-la. Sabíamos que as experiências e as escolhas, que o levaram a viajar, foram compartilhadas com a Lélia. Então tínhamos que inclui-la para explicar algumas questões da forma mais poderosa possível. Demo-nos conta que o melhor espaço para introduzir a Lélia, no meio das imagens e entrevistas, foi no momento em que falamos do Instituto Terra. Ela não viajava com o Sebastião, não dividia essa experiência, mas a ideia de plantar as árvores do instituto foi dela, que é a presidente.

E sobre essa mistura de fotografia, preto e branco e cor, como foi essa construção?

O filme começa com três vozes: eu, o Tião e o Wim. Depois aparece as imagens e a entrevista com o Sebastião. É ele quem passa emoção. A gente precisava construir esse personagem e criar densidade suficiente para passar essas coisas todas.

No início, o Wim queria botar tudo em preto e branco, como uma homenagem ao Sebastião,  mas eu achava que tinha que ser tudo colorido. Aí começaram os embates. No final, a mistura das imagens em preto e branco e coloridas nos ajudaram a separar os módulos narrativos. São vários momentos e épocas no filme. As histórias, a escolha das reportagens. Como contar a história desse economista que resolve viajar, aprende a fotografar. Além disso, qual é função da fotografia no mundo? O Wim encontrou um jeito muito bom de fazer as entrevistas. Levou o Tião ao estúdio, deixou-o numa salinha rodeado por cortinas pretas, e apenas a lente da câmera passava entre essas cortinas. Entre a câmera e ele havia um teleprompter, só que não passávamos texto, mas, sim, fotografias. Então o Wim não entrevistava o Tião, ele apenas mudava as fotografias.

A edição foi complicada. O jeito de apresentar as informações é muito intuitivo, e ter duas pessoas editando um filme é quase impossível. Eu editei, o Wim, que é um cara legal e ponderado, assistiu e falou: “está uma merda”. Resolveu editar também, então veio apresentar o trabalho dele – que também não ficou bom. Trocamos bola durante um ano até nos darmos conta de que não estávamos conseguindo um resultado à altura daquela obra. Mudamos nossa maneira de trabalhar, sentamos juntos na sala de edição. Os dois abriram mão de muita coisa para o filme existir de forma compartilhada e encontrar as narrativas presentes no longa. Isso aconteceu em três meses, foi meio que um milagre. Não é nem o filme que eu queria fazer, nem o filme que o Wim queria fazer, foi algo que conseguimos construir juntos, e o resultado ficou muito melhor do que quando fizemos sozinhos.

Como é para você ser indicado para o Oscar?

É incrível. Esse filme tem uma mensagem, conta a história de alguém que viu o mundo como ele é, conseguiu se transformar e encontrar uma razão para ainda ter esperança. A maneira como o Tião e a Lélia encaram a vida leva bastante esperança. Além disso, é um exemplo que podemos mudar as coisas se resolvemos tentar mudar o que há ao nosso redor imediato. Então, é muito legal ser indicado para o Oscar. Isso representa muita luz para o filme e para essa mensagem de esperança.

Veja o trailer de Sal da Terra:


Comments

Uma resposta para “Veja a entrevista com Juliano Ribeiro Salgado, diretor de ‘Sal da Terra’”

  1. Avatar de fernando kowalczuk
    fernando kowalczuk

    Achei o trabalho do Salgado! ao longo dos anos incrivel. Tao predestinado e tao perigoso que nem um mal sofreu…Se mantendo vivo por obra de um espirito maior, sagrado. Talvez foi abencoado pela importante missao que recebeu do Senhor…Nao pode ser outra…

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