Em meados de 2014, o Ministério Público Federal coletou material para investigar a violência histórica contra o povo Krenak, oriundo da região leste de Minas Gerais. O objetivo era fornecer dados aos estudos da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF, responsável pela temática dos povos indígenas e tradicionais. As informações também serviram como base para o documentário Guerra Sem Fim – Resistência e Luta do Povo Krenak, produzido pela Unnova e lançado em agosto, na Semana da Verdade 2016. Depois de exibido na programação da Virada Sustentável, o filme foi disponibilizado no Youtube.
Durante quase trinta minutos, o espectador acompanha os momentos cruciais em que o povo Krenak sofreu com a violência de grupos opressores. Desde a chegada dos portugueses ao País, eles foram afastados de seu território e submetidos a atos civilizatórios, tendo de fugir das ações colonizadoras que seguiam a doutrina da “guerra justa”.
Já na altura dos anos 1910, quando criado o SPILTN (Serviço de Proteção aos Índios e Localização dos Trabalhadores Nacionais), os Krenak foram alertados a deixarem suas terras na região de Resplendor, Minas Gerais, de modo a abrir espaço para a estrada de ferro Vitória-Minas. O gesto, aparentemente de proteção, na verdade escondia a intenção de facilitar a tomada das terras por fazendeiros.
É neste momento que os Krenak começam a ser alocados em aldeias e em postos indígenas, por conta de ataques de fazendeiros à tribo, principalmente após o Massacre de Kuparaque, em 1923. “Hoje a aldeia é vista por muitas pessoas como um lugar onde os índios ficam, né? Mas a aldeia, na verdade, é uma represália criada pelo não-indígena para nós, porque para índio não tem cerca”, aponta Douglas Krenak, representante de seu povo na luta dos povos indígenas com o governo, na primeira parte do documentário.
Vendo que a resistência do grupo não era fácil de ser controlada e para acomodar melhor os fazendeiros, o SPILTN removeu-os do posto indígena Guido Malière e levou-os para os arredores de Água Formosa em 1953. O local era habitado pelos Maxacali, que viram a situação com muito estranhamento. Afinal, um povo diferente estava sendo forçado a fazer moradia em seu território. Na medida em que iam sendo levados de um lugar para o outro, os Krenak tinham de aprender a manter sua cultura, reinventando-a muitas vezes para que não fosse diluída pelo choque sofrido no processo que, mais para frente, foi batizado de “multiterritorialidade”.
Só em 1959 voltaram – a pé – para o local de origem, onde hoje fica o município de Resplendor, e encontram suas terras completamente tomadas por fazendeiros e pela Polícia Florestal. Mais de dez anos depois, no auge da ditadura militar, o governo Médici percebeu a dificuldade de seus soldados em controlar aquele povo e determinou que os próprios índios fossem militarizados, provocando a descaracterização da etnia e, em última instância, o começo de seu extermínio. Assim surgiu a GRIN (Guarda Rural Indígena), tendo Manoel dos Santos Pinheiro como nome principal – citado no documentário como o “temido Capitão Pinheiro”.
Era mais fácil que militares colocassem indígenas para reprimirem seus iguais, em um processo de “policiamento ostensivo das terras”. Aqueles que cometessem algum tipo de irregularidade – como vadiagem, relações sexuais ilegítimas e roubos, entre outros delitos – eram levados para o Reformatório Agrícola Krenak, chefiado por Oscar Geronymo Bandeira de Mello. Ao menos 15 etnias diferentes foram levadas ao presídio, segundo informações do documentário. O local era, na verdade, um presídio onde ocorreram torturas e execuções, além de desaparecimentos. O governo tratava disso como forma de levar cidadania aos povos nativos, tentando “integrá-los à sociedade”, o que não difere das práticas de “civilização forçada” feitas no Brasil colonial – sempre visando os interesses hegemônicos de quem esteve no poder.
Uma ação de reintegração de posse, de 1971, devolveria as terras tomadas pelos fazendeiros aos Krenak. Tal situação gerou revolta entre os poderosos locais, resultando num processo de perseguição àquele povo indígena. Nesse contexto, o capitão Pinheiro negociou a troca das terras em Resplendor pela Fazenda Guarani, outro local militarizado pelo governo, desterritorializando os Krenak outra vez. Para lá foram levados outros grupos, como os baianos Pataxós, o que irritou os mineiros, fazendo com que se dispersassem para locais aleatórios em São Paulo, Espírito Santo e Minas Gerais.
A 6ª Câmara de Coordenação e Revisão investiga todos esses abusos. Em 2015, houve um pedido de anistia aos Krenak, culminando em pedidos de remarcação e proteção de terras, reparação de danos e promoção de sua cultura. No final de 2014, a Comissão Nacional da Verdade estimou, em relatório, que ao menos oito mil índios foram vítimas da violência do regime militar.
O desastre ambiental causado pelo rompimento de barragens da Samarco, em 2015, foi o último caso de agressão aos Krenak que se tem notícia. Centenas de membros da etnia sentaram na estrada de ferro Vitória-Minas para protestar e chorar o prejuízo causado na região de Mariana (MG) e no Rio Doce, considerado sagrado por eles.
Bienal de Cinema Indígena
Entre os dias 7 e 12 deste mês foi realizado o Aldeia SP, conhecido como a “bienal do cinema indígena”. Idealizado por Ailton Krenak, trouxe produções cinematográficas feitas por diversos povos indígenas. As exibições se deram no Centro Cultural São Paulo e em cinco unidades do CEU, em parceria com a SPCine.
Os filmes vieram de múltiplas regiões do Brasil, contemplando uma variedade de etnias também nos bate-papos, entre elas os Guarani, os Huni Kuin, os Takuá e os Pankararu. A pauta principal do evento esteve ligada às questões das mulheres indígenas, valorizando o trabalho de diretoras e produtoras. Ao todo, foram exibidos 53 filmes.
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