Justiça parcial: conduta de Sartori será analisada pelo CNJ

memória Intervenção no Largo São Francisco lembra os 21 anos do Massacre. Foto: Maíra Rocha Machado
Intervenção no Largo São Francisco lembra os 21 anos do Massacre. Foto: Maíra Rocha Machado

No documento enviado ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) nesta quarta-feira (18), 25 entidades de direitos humanos e 39 juristas, acadêmicos e personalidades denunciam a parcialidade e a perda de decoro do desembargador Ivan Sartori no caso do Massacre do Carandiru. O desembargador da 4a Câmara do Tribunal de Justiça de São Paulo recomendou em seu voto, no final de setembro, a anulação do júri popular que condenou os policiais militares envolvidos na sangrenta ação, além da absolvição dos PMs.  

A denúncia aponta que Sartori tem proximidade com a Polícia Militar de São Paulo, o que poderia acarretar conflito de interesses. Apresenta como evidências o fato de Sartori ter contratado policiais militares como seguranças do TJSP e dos desembargadores, quando foi presidente do tribunal, entre 2012 e 2013. Segundo o documento, o caminho natural seria contratar seguranças concursados. O desembargador também teria mantido reuniões periódicas para articular interesses dos gestores da PM com o TJSP. De acordo com o relatório enviado para apreciação da ministra Cármen Lúcia e para discussão em plenário, o Sartori tem uma “relação íntima com a instituição policial”, tendo recebido cinco medalhas de homenagem concedidas pela Polícia Militar de São Paulo, “sendo considerado um grande defensor da corporação”.

Para os signatários do documento, “faltou ao reclamado a isenção necessária a todo magistrado, procrastinando o julgamento do recurso para favorecer os policiais e adotando teses de aplicação incabível em recursos contra decisões do Tribunal do Júri”.

Sobre a postura de Sartori nas redes sociais, a denúncia afirma que o desembargador violou o Código de Ética da Magistratura Nacional ao fazer “insinuações caluniosas contra a imprensa e organizações de direitos humanos”, ao sugerir que seriam financiados pelo crime organizado. “A figura do julgador não deve ter apego à sua opinião particular, mas sim aos deveres de imparcialidade e isonomia”, diz o texto.           

Fundamentos jurídicos

Além de ferir a Constituição Federal no artigo 37, que trata de cumprir com o dever de impessoalidade, moralidade e eficiência, a denúncia revela as violações de imparcialidade, do dever do Estado em apurar crimes contra direitos humanos, a quebra de decoro e a morosidade em apurar e julgar crime contra os direitos humanos (além de levar 24 anos para apreciar o processo, o caso do Massacre do Carandiru ficou sob sua relatoria por dois anos depois do veredicto do júri). “Utilizando-se da Justiça paulista, tardou o exercício de seu papel de Estado Juiz e reforçou o uso político do Judiciário para a realização de interesses adversos aos interesses constitucionais de uma sociedade justa, fraterna e democrática.”

Paulo Sérgio Piunheiro explica denúncia contra Sartori - Foto: João Paulo Brito/Conectas
Paulo Sérgio Piunheiro explica denúncia contra Sartori – Foto: João Paulo Brito/Conectas

A denúncia pede a urgente apuração da conduta do desembargador Ivan Sartori e sua responsabilização. Requer seu afastamento liminar das atividades judicantes, que se instaure um processo legal administrativo disciplinar de imediato ou a sindicância, se houver dúvida. Pede que Sartori preste informações no prazo de 15 dias e que, se forem confirmadas as denúncias, o desembargador seja definitivamente afastado com sua aposentadoria compulsória. 

“É lamentável que depois de 24 anos do ocorrido no Carandiru, ninguém, nem o Estado e nenhum de seus representantes tenham sido responsabilizados pelas mortes de 111 pessoas”, afirma Jéssica Morris, diretora executiva da Conectas, organização da sociedade civil de direitos humanos, uma das signatárias da denúncia. “A decisão do Tribunal de Justiça corrobora graves violações de direitos humanos e reforça a impunidade dos crimes cometidos pelo Estado e legitima a violência que pauta a atuação das polícias no Brasil. Isso não ficou no passado. Acontece hoje”, diz, recordando a morte de dezenas de presos neste final de semana.      

“É um absurdo como nestes 24 anos nosso sistema de Justiça não avançou”, lembra Maria Laura Canineu, diretora da Human Rights Watch, uma das primeiras entidades a denunciar o Massacre do Carandiru, em outubro de 1992. “Não houve qualquer medida de melhora e aperfeiçoamento do sistema prisional, muito menos da atuação policial. Não podemos garantir que outro Massacre do Carandiru não aconteça”, afirma. 
 
Assinam a denúncia entidades como Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Instituto Sou da Paz, Centro pela Justiça e Direito, Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes, Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos, Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil, Pastoral Carcerária Nacional, Grupo Tortura Nunca Mais, Instituto Vladmir Herzog, Justiça Global, entre outros. São pessoalmente signatários (quatro foram ministros do governo FHC): Antonio Funari Filho, José Carlos Dias, Luiz Carlos Bresser-Pereira, Fernando Afonso Salla, José Gregori, Paulo Sergio Pinheiro, Maria Victoria de Mesquita Benevides, Bruno Paes Manso, João Benedicto Azevedo Marques, Maria Hermínia Tavares de Almeida, Padre Agostinho Duarte de Oliveira, Gilberto Saboia, Debora Silva, entre outros.

“A reforma do Judiciário é necessária. Não aceitamos uma Justiça que só enxergue uma banda da balança”, diz Debora Silva, uma das 564 mães que tiveram seus filhos assassinados pela polícia em maio de 2006. “Quem mais mata nossos filhos é o Judiciário, em uma canetada. Respeitem as mães de maio, respeitem as mães do cárcere.”    


Comments

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.