“Julieta”: um Almodóvar convencional e cativante

A atriz Adriana Ugarte, que interpreta Julieta, protagonista do novo filme de Pedro Almodóvar, na fase jovem. Fote: Divulgação / Universal Pictures
A atriz Adriana Ugarte, que interpreta Julieta, protagonista do novo filme de Pedro Almodóvar, na fase jovem. Fote: Divulgação / Universal Pictures

Na coletiva de imprensa concedida logo após a estreia mundial de Julieta em maio último, no Festival de Cinema de Cannes, na França, o cineasta espanhol Pedro Almodóvar fez o seguinte comentário aos jornalistas presentes: “O escritor americano Philip Roth, recentemente, disse: ‘A velhice não é uma doença, mas um massacre’. É assim que sinto a passagem do tempo. Nunca poderia ter feito este filme antes de agora, quando tenho 67 anos. Não sou nostálgico, mas tenho de tomar decisões baseadas na minha saúde. E isso pesa. Essa sensação impregna as obras que estou fazendo nesta época da minha vida”.

No acender das luzes, depois da projeção de Julieta vigésimo filme do espanhol, que estréia nesta quinta-feira (23) em cinemas de todo País –, o espectador perceberá que a observação destacada acima, longe de aludir à degeneração física, diz muito mais respeito ao “massacre” imposto pelas lacunas existenciais que deixamos em nossa trajetória e que, na reta final do caminho, chegam como fatura. Caso de Julieta, uma professora de Literatura Clássica, que após um encontro acidental nas ruas de Madri, com uma amiga que há tempos não reencontrava, volta a perseguir um passado que já havia enterrado: a busca por Antía, sua filha única, que está desaparecida há mais de 12 anos.

Neste primeiro momento do filme a protagonista é interpretada por Emma Suaréz. Inquieta com a revelação de que Antía está viva e – motivo de agonia ainda maior – tem três filhos, Julieta empreende uma busca ostensiva, persegue um acerto de contas com um episódio trágico de seu passado, enquanto conduz o público por uma teia narrativa, permeada por flashbacks, que envolve seu presente e sua juventude.

Aos 25 anos, Julieta (interpretada, com a mesma sutileza de Emma, por Adriana Ugarte) conhece Xoan (Daniel Grao), um jovem pescador, em uma viagem de trem. O flerte entre os dois é imediato. Dos vagões do trem, eles embarcam em uma relação intensa. Pouco depois, o casal têm a pequena Antía e vivem felizes, até que uma fatalidade leva a família à dissolução progressiva que culmina no presente angustiante de Julieta.

Costurando tramas de contos da escritora canadense Alice Munro, vencedora do Prêmio Nobel de Literatura em 2013, Almodóvar faz de Julieta um filme distinto em sua carreira. Ao abrir mão das excentricidades narrativas usuais e dispensar personagens tresloucados de filmes emblemáticos, como Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos, Kika, Maus Hábitos, Ata-Me e A Lei do Desejo, o cineasta espanhol constrói, aos 67 anos, um drama convencional, porém cativante, à maneira de A Flor do Meu Segredo, produzido em 1995. Julieta é um Almodóvar “convencional”, no entanto, um trabalho cativante como os melhores filmes do diretor.

Veja o trailer do filme


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