Feminismo revolucionário

A escritora e ativista política norte-americana Angela Davis. Foto: Reprodução / Divulgação
A escritora, professora e ativista política norte-americana Angela Davis. Foto: Reprodução / Divulgação

É difícil pensar numa pessoa que encarne melhor o espírito dos anos 1970 do que a professora e ativista Angela Davis, ex-Pantera Negra e dona de um dos penteados black power mais famosos da história. A autora de Mulheres, Raça e Classe, livro recém-lançado no País (Boitempo Editorial, 248 páginas), é uma personagem icônica da luta pelos direitos humanos e permanece até hoje como símbolo do Movimento Negro e da busca por justiça e igualdade.

Se Mulheres, Raça e Classe continua atual (a obra data de 1981, logo após a autora concorrer pela primeira vez à vice-presidência dos Estados Unidos pelo Partido Comunista), é porque o livro debate questões ainda não superadas pela sociedade. O machismo e o encarceramento massivo de pessoas negras continuam sendo um grande problema nos Estados Unidos – que tem a maior população carcerária do mundo – e também no Brasil, que hoje ocupa o quarto lugar no ranking mundial, segundo o Ministério da Justiça. Como diz na orelha do livro Rosane Borges, professora do Centro de Estudos Latino-Americanos sobre Cultura e Comunicação da USP, “há no imaginário racista a crença de que homens negros são perigosos e violentos. A presença deles em massa nas prisões dos Estados Unidos, do Brasil e de outros países só reforça esse estereótipo. É o racismo do Estado operando”.

Davis também oferece as ferramentas para o enfrentamento do racismo institucional. Ao analisar a violência do Estado a partir de seus mecanismos de coerção e da intersecção com as questões de gênero, raça e classe, ela mostra que romper com a lógica das opressões não só é possível, como também necessário para garantir a diversidade e o funcionamento das instituições democráticas. E mais: que não existe a primazia de uma categoria sobre as outras (seja da classe em relação a cor e gênero, seja de gênero em relação a classe e cor, entre outras possíveis combinações), uma vez que a desigualdade opera em vários níveis e deve ser combatida no interior dos espaços de poder.

Capa de Mullheres, Raça e Classe (Boitempo Editorial, 248 páginas)
Capa de Mulheres, Raça e Classe (Boitempo Editorial, 248 páginas)

Numa conferência realizada no Brasil em dezembro de 1997, na 1ª Jornada Cultural Lélia Gonzalez, promovida pelo Centro de Cultura Negra do Maranhão e pelo Grupo de Mulheres Negras Mãe Andreza, Davis afirmou que as organizações de esquerda “têm argumentado dentro de uma visão marxista e ortodoxa de que a classe é a coisa mais importante”. Embora o feminismo negro tenha ganhado força desde então, ainda é preciso “compreender que classe informa a raça. Mas raça também informa a classe. E gênero informa a classe. Raça é a maneira como a classe é vivida”, conforme pontuou Davis, lembrando que o feminismo deve contemplar problemas como a precarização e a sub-representação de negros no ambiente corporativo se quiser promover a igualdade.

Também chamam a atenção os capítulos Mulheres Comunistas, em que Davis traça o perfil de Lucy Parsons (anarquista na juventude e uma das poucas mulheres negras a ter o nome citado em relatos sobre o movimento operário norte-americano), Ella Reeve Bloor, Anita Whitney, Elizabeth Gurley Flynn e Claudia Jones; e Estupro, Racismo e o Mito do Estuprador Negro, no qual ela analisa como o racismo criou uma imagem fictícia do homem negro como invariavelmente violento para mantê-lo encarcerado e sob controle após a abolição da escravidão.

O livro conta ainda com um prefácio escrito por Djamila Ribeiro, secretária-adjunta da Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo, para quem “Angela Yvonne Davis é uma mulher à frente de seu tempo. E dizer isso não é afirmar que ela esteja desatenta às questões que afetam a sociedade em seu momento histórico; ao contrário, significa apontar o potencial revolucionário de seu pensamento, que nos inspira a pensar além e a sair do lugar-comum”.

 


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