A lista de colaboradores de No Voo do Urubu, novo álbum de Arthur Verocai (Selo Sesc) não deixa dúvidas do quanto o maestro carioca é reverenciado por artistas de diferentes gerações. Nela, estão nomes como Criolo, Mano Brown, Seu Jorge, Vinicius Cantuária, Danilo Caymmi e Tibério Gaspar. Com sete canções e três peças instrumentais o novo trabalho rompe, em grande forma, um hiato de seis anos desde o lançamento de Timeless (2010), CD e DVD que documenta apresentação feita em Los Angeles, em março de 2010. Naquela noite, momento mágico para o maestro, Verocai regeu uma big band que, pela primeira vez, reproduziu, no palco do Harriet And Charles Luckman Fine Arts Complex, as dez composições de seu primeiro álbum. Lançado em 1972 com repercussão pífia, o LP foi redescoberto no começo dos anos 2000, graças à troca de informações entre pesquisadores e colecionadores na internet (leia Acerto de Contas, entrevista publicada em 2011, e AI-5, Verocai e o Nó na Garganta, resenha do álbum de 1972, publicada na coluna Quintessência).
Cultuado mundialmente, o disco homônimo teve suas bases instrumentais sampleadas em dezenas de gravações de artistas estrangeiros, como os rappers Ludacris, Little Brother e Dr. Who Dat. Um dos mais renomados DJs e produtores norte-americanos, Madlib chancelou: “Poderia ouvir o álbum todos os dias para o resto da minha vida”. Para o rapper e DJ 9th Wonder, produtor de artistas como Jay-Z, Erykah Badu e Kendrick Lamar, “Verocai é a prova viva de que a música feita com alma transcende gerações, raças e credos”.
A obsessão de personagens do meio do hip-hop pelas criações do maestro justifica-se pela faceta que consagrou Verocai na indústria fonográfica brasileira: a escrita e a regência de arranjos miscigenados com o melhor de nossa música e elementos do funk, da soul music, do jazz e do rock, como os de Tanauê, de Ivan Lins (1970), Por que é Proibido Pisar na Grama, de Jorge Ben Jor (1971), e Pontos de Luz, de Gal Costa (1973). Desencantado com a repercussão exígua de sua incursão autoral, o maestro decidiu transferir sua batuta dos estúdios das maiores gravadores do País para o ambiente rentável da propaganda, compondo jingles e trilhas sonoras.
Por telefone, questionado se no recesso dos últimos seis anos voltou a atuar no meio da propaganda, o maestro devolve uma negativa. “Não corro mais atrás disso. Publicidade é desgastante e não tem nada a ver com música, mas com venda. Quando apresentei um dos primeiros jingles que fiz, abri a composição com uma orquestra tocando uma levadona de jazz. Enquanto a trilha rolava não vi reação nenhuma dos diretores de criação, mas bastou entrar o jingle – (de um produto farmacêutico para animais chamado Ripercol) que dizia ‘Aqui no galinheiro só tomamos Ripercol e fechava com um galo cantando: Ripercocococol!’ – para que todos ficassem excitados e elogiassem o trabalho. Foi então que saquei que publicidade é uma coisa e música é outra bem diferente.”
A comparação é sucedida por uma boa-nova que deixará os fãs ansiosos para conferir o resultado. “De 2006 para cá, compus muita coisa fora da esfera da música popular, como um concerto para orquestra chamado Os Campos. Tenho uma mala cheia de coisas e as coloco para fora sempre que posso”, diz. Com a promessa de um registro fonográfico e novas apresentações, Verocai conta que teve a alegria de presenciar a composição ser apresentada para o público em duas ocasiões, uma delas com a Orquestra Sinfônica de Barra Mansa (RJ), regida pelo maestro Vantoil de Souza, e outra com arranjo para um trio formado pela violonista Maria Haro (solista), a pianista Lucia Barrenechea e o violoncelista Hugo Pilger (veja vídeo de Nordeste, que integra o concerto Os Campos).
Sobre as parcerias de No Voo do Urubu, Verocai explica que se aproximou dos artistas contemporâneos por causa do álbum de 1972. Fãs do trabalho, foram conhecê-lo pessoalmente e acabaram tornando-se bons amigos. “O Criolo mandou uma letra e logo fiz a música (O Tambor), mas depois escrevi outra versão porque não gostei da primeira. A parceria com Mano Brown (Cigana) foi sensacional, porque ele mandou a música praticamente pronta. Com Seu Jorge também deu tudo certo (parceiro da faixa que intitula o álbum). Ele é um cara muito bacana, um grande cantor. Infelizmente, assim como Danilo e Vinicius, não vai poder participar dos shows dos dias 16 e 17”.
As apresentações com o novo repertório serão realizadas no Sesc Pinheiros, em São Paulo, com uma big band composta de sopros, cordas, metais e coros, e a presença das cantoras Clarice Grova e Lu Oliveira, intérprete de Minha Terra Tem Palmeiras, feita a quatro mãos com Paulinho Tapajós, morto em 2013, coautor da balada Dedicado a Ela, um dos clássicos do álbum de 1972.
A proximidade com artistas deste novo século inspira o questionamento das impressões do maestro sobre a produção musical atual. O diagnóstico vem acrescido de críticas ao que considera um rasante estético promovido pelas gravadoras. “Nossa música popular anda bem ruim. Pior é que existem artistas de qualidade, mas o mercado está tomado por música de apelo fácil e duvidoso. Não quero ficar dando uma de crítico do sistema, mas ele vive dessa lógica do ‘dê ao povo o que o povo quer.’ Naquela época (quando atuou como arranjador, nos anos 1970) a indústria era bem mais romântica, mais sonhadora. Sorte minha, porque trabalhei com grandes artistas, escrevi importantes trilhas de novelas. Quando fui fazer meu disco sabia que se tomasse soluções fáceis para vender mais correria o risco de ficar ainda mais decepcionado porque, além da frustração comercial, teria sofrido com as concessões. Não posso ser outra pessoa”. No Voo do Urubu não deixa dúvidas de que o maestro não faz aqui um mero exercício de retórica.
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O maestro faz nesta sexta-feira e sábado (16 e 17.12) os shows de lançamento do álbum no Sesc Pinheiros. Ainda há ingressos disponíveis. Acesse e confira maiores detalhes. Ouça abaixo a íntegra de No Voo do Urubu, no canal do Youtube do Selo Sesc. O CD pode ser adquirido na loja virtual do Sesc.
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