Ciclo de transformações

Desde o primeiro ano, os alunos são estimulados a valorizar as atividades em grupo, qualidade fundamental para o futuro profissional das crianças - Foto: Felipe Gombossy
Desde o primeiro ano, os alunos são estimulados a valorizar as atividades em grupo, qualidade fundamental para o futuro profissional das crianças – Foto: Felipe Gombossy

Em janeiro último, foi anunciado o resultado do ENEM, o Exame Nacional do Ensino Médio. Desde que foi implantado em 1998, pelo então ministro da Educação Paulo Renato de Souza (morto em 2011), além de abreviar o acesso de milhões de estudantes e cidadãos às universidades públicas e particulares, o ENEM configura também um diagnóstico da qualidade do Ensino Médio brasileiro e, consequentemente, de sua etapa anterior, o Ensino Fundamental II.

Sob essa ótica, o balanço da prova de 2014 revela dados alarmantes. O mais evidente deles é o fato de meio milhão de candidatos, cerca de 8,5% do total de mais de 8,7 milhões de concorrentes, terem obtido nota zero na redação proposta pelo ENEM – apenas 250 conquistaram nota dez! Vinda de alunos recém-formados no Ensino Médio, a incapacidade de assimilar a proposição do tema “Publicidade infantil em questão no Brasil” e, a partir dele, fazer uma redação é sintomática da péssima qualidade de ensino oferecida pela rede de ensino público em todos os estados do nosso País.

Enquanto uma reforma da Educação segue como sonho distante, as variáveis de saída para essa realidade, que limita as perspectivas de futuro para nossas crianças e adolescentes, dependem ainda do mérito individual, seja por meio da dedicação dos professores, dos alunos e de seus pais, ou da conscientização do corpo pedagógico das escolas mais carentes, da necessidade de extrapolar e enriquecer o pífio currículo proposto pelo Ministério da Educação (MEC).

Nesse contexto vexatório, em que a grande maioria dos alunos passa de ano apenas por frequência, fato tratado com normalidade desde 1994, quando foi instituída a aprovação automática no primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso, esforços da iniciativa privada são mais que bem-vindos para transformar essa realidade. Foi imbuído desse espírito cidadão que o grupo J&F Investimentos (holding formada por gigantes como a JBS, que detém marcas como Friboi, maior provedor mundial de proteína animal, e as tradicionais indústrias de Seara, Vigor, Swift e Rezende) criou em 2008 o Instituto Germinare. Em setembro do ano seguinte, foi concluída a construção da Escola Germinare, iniciativa educacional, gratuita e sem fins lucrativos, sediada em São Paulo, que oferece aos alunos do Ensino Fundamental II e do Ensino Médio além da formação tradicional, um currículo baseado nas disciplinas lecionadas durante os quatro anos do curso de graduação em Administração de Empresas.

No final de 2010, a Brasileiros esteve na Escola Germinare para fazer um balanço do primeiro ano letivo que chegava ao fim. A reportagem ganhou o nome Brilho nos Olhos, em alusão a um dos depoimentos de Vivianne Batista Silveira, então diretora do Instituto Germinare, que é filha do fundador do grupo J&F, o pecuarista José Batista Sobrinho. Na entrevista realizada na sede do instituto, Vivianne relembrou o desafio de fazer uma seleção que fosse maximamente justa com todos os candidatos da primeira triagem de entrada à Escola Germinare, feita no início daquele ano. “Desde o começo, tínhamos essa certeza de que queríamos crianças com brilho nos olhos, com muito comprometimento e vontade. Encontramos alunos que tinham péssimas avaliações em provas, mas que tinham um potencial cognitivo muito alto. Tínhamos de identificar essas crianças
a qualquer preço e acho que conseguimos”.

No final de 2015, a Escola Germinare, que agora tem cerca de 600 alunos, formará a primeira turma. Fato que motiva a publicação deste caderno especial Educação. A seguir, um balanço do primeiro ciclo, destacando a criação do programa Amigo Germinare, que já conta com o apoio de 60 empresas e abre a perspectiva de multiplicar a experiência em outras unidades. Há também outras instituições da iniciativa privada que, a exemplo da Escola Germinare, aposta na educação como agente transformador da nossa sociedade. Entidades como a Fundação Bradesco, a Fundação Lemann, o Colégio Termomecanica e o Instituto Internacional de Neurociência de Natal Edmond e Lily Safra.

Dois biólogos

O dia de aula começa cedo para os quase 600 alunos da Escola Germinare. As aulas têm início às 7h15, mas muitos deles, que moram mais distante, já estão em pé duas horas antes encarando ônibus, trens e metrôs. Não é o caso do menino Daniel Mitsuo Hirata, de 11 anos, que mora próximo à escola, no bairro vizinho de Pirituba (a Germinare fica dentro da sede da JBS, no Parque Anhanguera, às margens dos primeiros quilômetros da rodovia de mesmo nome). Daniel é o garoto à direita na abertura desta reportagem. Ele está agora no 7o ano do Fundamental II. Veio de uma escola particular vizinha à Germinare e pretende ser biólogo. Diz não ter passado por grandes dificuldades na transição para a nova escola, pois se considera ágil para superar desafios, como o currículo mais exigente e a carga diária de 10 horas que agora enfrenta. “Nos primeiros dias, achei diferente porque não estava acostumado com a ideia de estudar em período integral, mas a adaptação foi rápida. Em uma semana já estava tudo ok.”

Empresário, o pai de Daniel soube da Germinare por meio de seu sócio, cujo filho já estudava na escola e estimulou o amiguinho a também ingressar na instituição: “Soube que havia várias matérias diversificadas, além de aulas com grandes líderes e gestores. Sempre me identifiquei com pessoas de liderança e decidi fazer a prova. Passei na primeira chamada e fiquei muito feliz. Gosto muito da escola e esse primeiro ano foi muito especial para mim. Os professores, os amigos, as aulas, as matérias, a didática: tudo aqui é melhor. Gosto muito das matérias de Gestão, de Administração e tenho certeza de que elas vão contribuir para o meu futuro profissional. Temos também aulas de Robótica. Sem contar que o inglês aqui é excepcional.”

Morador do bairro Pirituba, o menino Gabriel Ohya Silva divide outras coincidências com Daniel. Tem 11 anos, veio de escola particular e também pretende ser biólogo. Ambos se conheceram no início dos estudos, em um colégio do bairro. O reencontro na Germinare fortaleceu a amizade dos dois, que não se viam há três anos. A percepção de Gabriel sobre o primeiro ano letivo também se assemelha à opinião de Daniel. “Essa escola é única. Os professores não ficam apenas na teoria, teoria, teoria… Eles vão relacionando o conteúdo da matéria com a realidade corporativa e isso faz toda diferença. Foi um ano muito bom e consegui me adaptar bem rápido à escola.”

A sinergia entre os alunos e a colaboração mútua, algo tão necessário no cotidiano das grandes empresas, é evidenciada no comentário final de Gabriel. “Passei de ano direto, mas tenho um amigo que ficou em recuperação e já me dispus a ajudá-lo. Qualquer um que precisar de ajuda pode contar comigo.”

Líderes de saias

Exemplos de crianças com a mesma desenvoltura de Gabriel e Daniel saltam às centenas nos corredores da Germinare. Mas destacamos neste intertítulo meninas que certamente serão disputadas no mercado de trabalho. Nathaly Moreira Araújo, de 16 anos, é uma delas. Na reunião com pais e mestres em dezembro de 2014 para um balanço do ano letivo, mesma ocasião em que foi ouvida a dupla de amigos que pretendem ser biólogos, Nathaly foi mestre de cerimônia do evento que reuniu, no ginásio da Escola Germinare, cerca de duas mil pessoas entre pais, alunos e outros familiares. Coube a ela redigir e também ler o extenso discurso de abertura e calorosamente aplaudido ao término. A certa altura do evento, impressionado com o desempenho de Nathaly, o idealizador da escola e presidente do Instituto Germinare, Joesley Batista, CEO do grupo J&F Investimentos e presidente do conselho administrativo da JBS, começou a tratá-la de “presidenta” da Germinare.

Nathaly entrou na escola em 2010, como aluna do 7o ano do Ensino Fundamental II. No final de 2015, será um dos formandos da primeira turma da escola. Ela ainda não sabe o que pretende cursar na universidade, mas está bastante segura: “Estou naquele desespero de adolescente tentando encontrar o caminho correto. Ainda não decidi o que quero fazer, mas acredito que será algo relacionado à psicologia e à área de Recursos Humanos. Contudo, se tem algo que eu posso afirmar é que aqui eu ganhei a segurança de não temer o mundo lá fora. Às vezes, a gente se assusta em pensar que vai ter de sair do conforto da escola e encarar a vida real, mas a Germinare nos preparou para isso”.

Aos 13 anos, Nycole Nunes Lent também se formará em 2015, mas ainda tem três anos de Germinare, pois conclui agora o Ensino Fundamental II. Aluna desde 2012, quando ingressou no 6o ano, Nycole atesta que os pilares éticos defendidos pela escola são incorporados ao comportamento dos alunos. Os valores são os mesmos que norteiam as ações dos colaboradores do grupo J&F Investimentos: atitude de dono, determinação, disciplina, simplicidade, humildade, franqueza e disponibilidade. “A cada ano na escola, pude notar não só uma elevação em meu conhecimento cognitivo, mas também em aspectos pessoais. As aulas de Gestão estão me ensinando não só a gerenciar um negócio, mas também a mim mesma. Aprendi a estabelecer metas, objetivos e a importância da determinação e do trabalho em equipe. Acredito que todos esses fatores me ajudarão a abrir portas e conquistar meus objetivos.”

Essa perspectiva otimista, claro, é compartilhada, com entusiasmo, pelos pais dos alunos. No encontro de dezembro, Jair Ribeiro e Vanderléia Bagatini, pais da menina Vitória Helena Bagatini Ribeiro, comemoravam o fato de ela ter sido aprovada para cursar o último ano do Ensino Médio. Pai e mãe defendem que o paradigma construído nesses cinco anos pela Germinare é infalível. Segundo eles, o sucesso do projeto vem da soma das forças dos alunos e da escola. “A Vitória é uma menina muito dedicada e a evolução dela é mais que perceptível. Ela amadureceu, fala em projetos para seu futuro e pretende ser economista. É um conjunto de sucesso: o esforço do aluno e a qualidade da escola”, afirmou Vanderléia. “Não dá para discordar”, defendeu Jair, antes de concluir a conversa: “Estamos muito felizes com a escola. Uma satisfação imensa. A escola desenvolveu a maturidade da Vitória e sua vontade de empreender”.


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